O tema das pensões antecipadas aqueceu o debate de terça-feira entre Catarina Martins e António Costa. O secretário-geral do PS acusou o Bloco de querer “minar a sustentabilidade futura da Segurança Social” com a proposta do fim do fator de sustentabilidade nas reformas antecipadas que atualmente têm uma dupla penalização: essa, que desceu de 15,2% para 14,06% este ano por causa da diminuição da esperança média de vida; e outra, de 0,5% por cada mês de antecipação (ou 6% ao ano) até à idade legal.

O tema tinha sido, aliás, um dos pontos de discórdia durante as negociações do Orçamento do Estado para 2022, com o Bloco a exigir o fim do fator de sustentabilidade nas reformas antecipadas de quem tem 40 anos de descontos. Os bloquistas têm apelidado como “absurdo” que, atualmente, uma pessoa com 41 anos de descontos e 61 de idade não seja penalizada por esse fator de sustentabilidade (porque aos 60 tinha 40 de descontos), mas se tiver 64 anos e 43 de descontos já o é. Nas contas do Bloco, o fim do fator de sustentabilidade custaria 16 milhões de euros, custo que até poderia ser coberto pelo adicional ao IMI, que ficou conhecido como “imposto Mortágua” e tem servido para alimentar a “almofada” das pensões da Segurança Social. Mas será mesmo assim?

Bloco e PS têm contas muito diferentes sobre o que significaria acabar com o fator de sustentabilidade, que, na sua génese, visava introduzir na equação o impacto do aumento da esperança média de vida. António Costa disse no debate que, pela proposta do Bloco, 180 mil pessoas “potencialmente podiam beneficiar dessa medida”. E foi mais longe: “Bastava que um terço [60 mil] desses aderisse para que o custo fosse de 480 milhões de euros por ano“, o que consideraria um valor incomportável para as contas da Segurança Social, quer pela quebra da receita quer pelo aumento da despesa. O Observador pediu ao PS uma explicação sobre como foram esses valores calculados, mas não obteve resposta. Não é, porém, certo, que com o fim do fator de sustentabilidade houvesse 60 mil a pedir pensão antecipada, até porque se manteria o corte de 6% ao ano.

Aliás, Catarina Martins não deixou sem resposta. “Não há 180 mil pessoas a quererem reformar-se em Portugal com penalizações que seriam, ainda assim, de 40%. É disso que nos está a tentar convencer e isso não é possível”, adiantou. Nas contas que o Bloco já tinha feito durante as negociações do OE, e que a coordenadora do Bloco de Esquerda voltou a repetir no debate, será “residual” o número de pessoas que têm atualmente um duplo corte na pensão por via do fator de sustentabilidade.

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Em 2020, cerca de 10 mil pessoas com novas pensões antecipadas foram penalizadas com o fator de sustentabilidade, um número que já tinha sido avançado pela própria ministra da Segurança Social, no Parlamento, e que compara com um universo de 88 mil trabalhadores que pediram a reforma nesse ano (ou seja, pediram a pensão antecipada com o corte 11% dos novos pensionistas). “Teria custado 16 milhões de euros não ter este corte nas pensões. As pessoas não precisam de caridade mas da pensão justa”, atirou Catarina Martins.

Como chega o partido aos 16 milhões? De acordo com as contas que já tinha apresentado durante a discussão do OE, só no caso das pensões da Segurança Social, o Bloco parte do valor médio mensal das pensões atribuídas (em 2019, esse valor era de 490,65 euros, segundo as estatísticas mais recentes publicadas pela Segurança Social), o que daria uma despesa de 11 milhões pela não aplicação do fator de sustentabilidade.

No caso dos trabalhadores da Caixa Geral de Aposentações (CGA), o Bloco parte do princípio de que, também aqui, 11% dos novos pensionistas teve o corte do fator de sustentabilidade. E considerando que o valor médio das pensões era de 1.098,85 euros em 2019, chega a um impacto de cinco milhões de euros. Tudo junto dá os tais 16 milhões indicados por Catarina Martins. Na altura, o Bloco já considerava que, mesmo apesar de o fim do fator de sustentabilidade poder levar a um aumento dos pedidos de reforma antecipada, este seria “muito mitigado” pela manutenção do corte de 6% ao ano e não chegaria aos números do Governo.

Qual das perspetivas estará correta? Ao Observador, o economista e especialista em Segurança Social, Miguel Coelho, reconhece que as contas são difíceis de fazer, até porque não é claro como António Costa chegou aos cálculos que indicou, nem qual a base de dados. Mas acredita que um lado estará a pecar por defeito (Bloco), enquanto o outro por excesso (Costa).

Por um lado, refere, as contas do Bloco têm em conta uma pensão média que não chega aos 500 euros mensais, mas “não sabemos se quem pede a pensão com corte são as pessoas de pensões mais elevadas” — “provavelmente até são porque acham que têm uma pensão suficiente”. Essa base de cálculo, acredita, estará assim “errada” e deverá ser superior (o Observador pediu ao Ministério da Segurança Social o valor médio das novas pensões antecipadas atribuídas, mas ainda aguarda resposta).

Além disso, nota que, além do universo dos que pediram, é preciso acrescentar “os que pediriam caso não existisse o corte”. Mais: a despesa de 16 milhões diz respeito apenas ao primeiro ano. “Agora, multiplique-se por vários anos. No ano a seguir a despesa já não é só 16 milhões: é de 16 mais outros milhões de euros. E assim sucessivamente.” Um valor que tenderá a agravar-se com o aumento da esperança média de vida.

Já quanto aos cálculos de Costa, o também ex-vice presidente do Instituto da Segurança Social salienta que os 180 mil são o universo potencial e não necessariamente o real. Por outro lado, para chegar aos 480 milhões de euros, já tem por base pensões superiores às usadas pelo Bloco nos cálculos. “Diria que nem um, nem o outro está certo. Um pode pecar por excesso e outro por defeito. De qualquer forma, são valores significativos no acumulado porque não interessa só no primeiro ano, também temos de olhar para os anos subsequentes, e isso depois é uma bola de neve”, argumenta.

Mas se tivermos em conta que um ou outro número está correto, essas verbas poderiam ser pagas com as receitas do “imposto Mortágua” (o AIMI)? Segundo as estatísticas da Autoridade Tributária, o AIMI rendeu, entre 2017 e 2020, 597,8 milhões de euros, um valor que até fica acima dos 500 milhões que Catarina Martins tem referido. O ano em que rendeu mais foi, até ao momento, 2017: mais de 154 milhões de euros, um valor muito aquém do cenário apresentado por Costa, mas que daria para suportar os 16 milhões das contas de Catarina Martins — dois valores que, como vimos anteriormente, levantam dúvidas.

Além disso, como nota Miguel Coelho, o AIMI tem servido para alimentar o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, o FEFSS, que funciona como uma almofada para o pagamento de pensões caso o sistema entre no vermelho. E que ganha importância com o envelhecimento populacional.

Conclusão

As contas apresentadas pelo Bloco de Esquerda para sustentar o fim do corte do fator de sustentabilidade podem estar a pecar por defeito, ao terem por base valores médios de pensão que podem não espelhar a realidade de quem aceita receber uma pensão com duplo corte. Por isso, não é certo que a medida proposta apenas custasse 16 milhões de euros por ano.

Além disso, ainda que as receitas com o AIMI pudessem, em teoria, cobrir este valor para um ano, nos anos subsequentes a despesa continuaria a acumular, eventualmente ultrapassando a receita anual do AIMI. Além disso, a receita com este imposto tem como destino, não o pagamento das pensões atuais, mas uma almofada para reformas, ou seja, para pagar pensões futuras em caso de défice do sistema, o que ganha maior importância com o sucessivo envelhecimento populacional.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

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