Circula nas redes sociais uma publicação que alega que o governo italiano começou a “despejar migrantes às portas do Vaticano” como retaliação pelo facto de o Papa Francisco ter considerado que é “pecado rejeitar os migrantes”.
A publicação, amplamente difundida nas redes sociais em várias línguas, consiste numa fotografia que mostra a Praça de São Pedro, no Vaticano, repleta de pessoas, acompanhada pela seguinte legenda: “Itália começa a despejar migrantes às portas da Cidade do Vaticano, depois de o Papa Francisco ter dito que é ‘pecado rejeitar migrantes’. É altura de saber se o Papa é um hipócrita ou um homem que acredita no que diz.”
Outras versões da mesma publicação, embora aparentemente com menos circulação, incluem a mesma legenda, mas a acompanhar uma fotografia que mostra largas dezenas de pessoas numa longa fila junto às muralhas exteriores do Vaticano — na zona onde é habitual formar-se a fila de turistas para o acesso aos Museus do Vaticano.
Trata-se, contudo, de uma publicação falsa. Vejamos porquê.
Em primeiro lugar, uma pesquisa no Google permite chegar rapidamente àquela que aparenta ser a primeira ocorrência desta publicação.
Trata-se de uma publicação surgida no dia 20 de novembro de 2024 na conta “U.S. Ministry of Truth” na rede social X (antigo Twitter). Na descrição da conta é possível ler que se trata de uma conta satírica, cujo objetivo parece ser fazer pouco dos meios de comunicação social que se dedicam ao fact-checking nas redes sociais.
Uma consulta a outras publicações da mesma conta permite ter uma noção mais clara do tipo de mensagens habituais naquele canal.
A publicação parece ter como mensagem central a ideia de que o governo italiano — o Executivo de direita radical por Giorgia Meloni, que tem tido posições duras anti-imigração — quereria retaliar contra o Papa Francisco por este considerar que é “pecado” rejeitar os migrantes.
As palavras atribuídas ao Papa nesta publicação são, de facto, verdadeiras. Podemos encontrá-las no discurso que Francisco fez durante a audiência geral do dia 28 de agosto deste ano, disponível no site do Vaticano:
Falei muitas vezes do Mediterrâneo, porque sou Bispo de Roma e porque é emblemático: o mare nostrum, lugar de comunicação entre povos e civilizações, tornou-se um cemitério. E a tragédia é que muitas, a maioria destas mortes, poderiam ter sido evitadas. É preciso dizer claramente: há quem trabalhe sistematicamente com todos os meios para afastar os migrantes — para afastar os migrantes. E isto, quando é feito de modo consciente e responsável, é um pecado grave. Não esqueçamos o que diz a Bíblia: «Não maltratarás o estrangeiro nem o oprimirás» (Ex 22, 20). O órfão, a viúva e o estrangeiro são os pobres por excelência que Deus sempre defende e pede para defender.
Quanto à informação de que o governo italiano está a “despejar” migrantes no Vaticano, não há qualquer registo dessa informação — logo à partida inverosímil, uma vez que o Vaticano fica precisamente no centro da cidade de Roma e que a circulação entre a Praça de São Pedro e o território italiano é livre.
É verdade, contudo, que o governo italiano de Meloni tem estado envolvido em grande polémica devido à sua intenção de enviar migrantes para centros de detenção na Albânia — este artigo do Observador explica os contornos mais recentes dessa controvérsia.
Por fim (embora não seja certo se a fotografia da Praça de São Pedro surge na publicação como meramente ilustrativa do Vaticano ou com a intenção de mostrar os supostos migrantes lá “despejados”), vale a pena dar contexto sobre a fotografia.
Não se trata de uma fotografia recente ou sequer relacionada com a intervenção do Papa Francisco acerca das migrações, mas sim de uma fotografia de arquivo com data de 5 de junho de 2013, tirada pelo fojornalista Andrew Medichini, da Associated Press. Foi tirada numa quarta-feira, o que permite supor que se trate de uma multidão que se preparava para assistir à audiência geral do Papa (que decorre na praça todas as quartas-feiras).
É possível ver o registo original da fotografia no arquivo da Associated Press e testemunhar como foi usada em vários meios de comunicação (por exemplo, aqui no jornal Crux) com esse enquadramento, como imagem de arquivo.
Conclusão
Trata-se de uma publicação falsa, algo que se comprova de várias formas. Em primeiro lugar, ocorreu inicialmente numa página assumidamente satírica (embora tenha depois começado a circular noutras páginas sem essa referência). Em segundo lugar, não há qualquer registo verdadeiro dessa suposta ação por parte do governo italiano — que tem, efetivamente, estado debaixo de fogo por causa da sua atuação no que respeita à imigração. Em terceiro lugar, a imagem usada é uma fotografia de arquivo com mais de dez anos sem qualquer relação com as questões da imigração. O único aspeto desta publicação que é verdadeiro são as palavras do Papa — que parecem ser, na verdade, o alvo da crítica implícita desta publicação.
Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:
ERRADO
No sistema de classificação do Facebook, este conteúdo é:
FALSO: As principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.
NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.