Trata-se de uma publicação partilhada por um utilizador de Facebook na página “Movimento Português Anticorrupção”, que remete para uma suposta declaração da deputada bloquista Mariana Mortágua: “Exigimos um novo imposto sobre as mais valias dos ricos e um imposto progressivo sobre a classe média burguesa para permitir um RSI [Rendimento Social de Inserção] de 700 euros a cada migrante e um apoio às minorias de 800 euros por cabeça.” O autor da publicação não refere quando, nem onde, a deputada terá proferido tais declarações, o que é em si mesmo um indício de que se trata de uma publicação falsa, baseada em declarações não ditas.
Em primeiro lugar, não se encontra em nenhum jornal ou nenhuma página de internet referências a uma citação semelhante dita por Mariana Mortágua. Depois, a assessoria de imprensa do Bloco de Esquerda garante ao Observador que se trata de uma afirmação “falsa”, nunca referida pela deputada nem defendida pelo partido. Além disto, nada no programa eleitoral do BE, que pode ser consultado aqui, aponta para a ideia de um Rendimento Social de Inserção no valor de 700 euros para atribuir individualmente a cada migrante, nem tão pouco para a criação de apoios de 800 euros às minorias.
É verdade que, no capítulo das “Medidas fiscais para combater abusos e repor a igualdade” e no capítulo da “Tributação das grandes empresas e atividades especulativas”, o BE defende medidas fiscais que incidem de forma mais pesada sobre quem tem altos rendimentos e património, com vista a uma “maior progressividade” dos impostos. Mas não é verdade que em algum momento os bloquistas proponham algo como tirar aos mais ricos (ou até à classe média) para atribuir sob a forma de apoios ou subsídios aos migrantes e às minorias, como refere a publicação.
O que o BE defende, e defendeu de forma efusiva no ano passado, é a ideia do englobamento de rendimentos no IRS, como forma de aliviar a carga fiscal para quem trabalha e para criar “mais justiça fiscal”, cobrando a quem ganha rendimentos de capital — ou seja, cobrando a quem “ganha muito e não tem pago a sua devida parte”, nas palavras de Catarina Martins. Mariana Mortágua foi um dos rostos mais ativos na defesa dessa proposta. O objetivo era acabar com a ideia de que só os rendimentos do trabalho e pensões são taxados de forma progressiva, sendo que “os rendimentos de capitais, prediais e outros” também passariam a ser tributados de forma progressiva de acordo com o nível de rendimentos. Ou seja, quem tivesse mais, pagaria mais impostos sobre esse valor — de forma proporcional e progressiva.
Além disso, os bloquistas defenderam também, no seu programa eleitoral, a criação de um imposto sobre doações e heranças, incluindo património mobiliário, com valor superior a 1 milhão de euros. A taxa a aplicar seria de 25% para heranças acima de dois milhões de euros e de 16% para heranças entre um e dois milhões. Outra medida proposta pelo BE no seu programa eleitoral era a criação de um imposto de solidariedade sobre as grandes fortunas, que incidiria sobre o património global dos contribuintes cuja fortuna fosse superior a dois mil salários mínimos nacionais — e que seria aplicado também de forma progressiva. Outra medida passa pela criação de um imposto específico sobre o consumo de bens e serviços de luxo (como jóias, barcos ou utilização de campos de golfe), ou a tributação das mais-valias imobiliárias para empresas e fundos de investimento.
Ou seja, em nenhum momento o partido — ou a deputada — defendeu a criação de um novo imposto sobre as mais valias dos ricos e um imposto progressivo sobre a classe média para permitir um RSI de 700 euros a cada migrante e um apoio às minorias de 800 euros por pessoa. Sobre o RSI, a única referência que consta no programa eleitoral do BE é a ideia de “dar um novo impulso ao Rendimento Social de Inserção, garantindo a convergência do seu valor com a pensão social e reforçando a componente de integração através do acompanhamento e da ação social”. Isto no âmbito da defesa de uma maior “proteção social” e de uma “Segurança Social mais forte e solidária”.
A verdade é que as condições de acesso ao RSI são específicas e não permitem a atribuição de um valor fixo (neste caso de 700 euros) por pessoa (depende do agregado familiar e dos rendimentos desse agregado), nem tão pouco permitem a especificidade de atribuição de um valor específico a uma camada específica da população — neste caso, “migrantes”. O Rendimento Social de Inserção, segundo se explica na página da Segurança Social, destina-se a qualquer cidadão português (incluindo cidadãos com estatuto de refugiado, desde que tenham residência legal em Portugal) que se “encontre em situação de pobreza extrema” e que cumpra certos requisitos que variam em função da composição do agregado familiar.
O valor da prestação mensal de RSI é calculado em função da diferença entre os rendimentos da família e o valor estipulado de RSI para o titular da prestação (que é um valor fixo de 189,66 euros). Assim, por cada adulto com rendimentos que faça parte daquele agregado soma-se 132,76 euros e por cada criança dependente soma-se 94,83 euros. Para uma família receber um RSI de 700 euros, teria de ser composta por um casal com quatro filhos a seu cargo: 189,66 (titular) + 132,76 (marido/mulher) + 94,83 (filho1) + 94,83 (filho2) + 94,83 (filho3) + 94,83 (filho4) = 701,74 euros.
Ou seja, não é viável que o BE defendesse a atribuição de um RSI de 700 euros por cada “migrante”, na medida em que o valor do RSI é de 189,66 euros por titular. Os acréscimos a esse valor variam consoante a composição do agregado familiar, não sendo por isso uma prestação de valor fixo. No que diz respeito ao apoio de 800 euros às minorias, não há nada que aponte nesse sentido — nem apoios já existentes nem medidas defendidas pelo Bloco de Esquerda.
Não é a primeira vez que o Bloco de Esquerda é alvo de publicações falsas no Facebook sobre o tema da criação de impostos para dar apoios a migrantes. No final de junho, uma publicação atribuía a Catarina Martins uma citação sobre a alegada criação de um novo imposto municipal sobre os mais ricos (“classe burguesa”) para atribuir a migrantes e comunidades ciganas. Era falso.
Catarina Martins defendeu a criação de imposto municipal para atribuir a migrantes?
Conclusão
Não é verdade que Mariana Mortágua tenha proferido aquela afirmação. Não há qualquer referência a uma frase semelhante nem na internet nem em jornais, e a assessoria de imprensa do Bloco de Esquerda afirma que se trata, mais uma vez, de uma publicação “falsa”. Nem a deputada bloquista o disse, nem o partido defende a criação de novos impostos sobre os mais ricos para atribuir aos “migrantes” um RSI de 700 euros nem para dar apoios de 800 euros às “minorias”. Esta não é a primeira vez, de resto, que o BE é alvo de publicações falsas sobre a ideia de tirar às “classes burguesas” para dar aos “migrantes e minorias”. É verdade que o BE defende, no seu programa eleitoral, formas de garantir maior “progressividade” e “justiça fiscal”, mas não é verdade que defenda a ideia de taxar os mais ricos para converter em subsídios para “migrantes” ou “minorias”. O RSI, de resto, não é um valor fixo, na medida em que é calculado em função do agregado familiar e dos seus rendimentos.
No sistema de classificação do Observador este conteúdo é:
No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:
FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.
Nota 1: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.