Circula nas redes sociais uma publicação que alega que o Papa Francisco autorizou o Fórum Económico Mundial a “reescrever a Bíblia Sagrada”, transformando o livro das escrituras sagradas do Cristianismo numa “nova versão” que é “muito mais política, com um lugar central para o [sic] primazia da natureza, e muito menos sobre Deus”.
A publicação — falsa — vista pelo Observador no Facebook começou a circular no dia 25 de dezembro e classifica o Papa Francisco como um “satanista imundo”, que trouxe uma “mensagem de Natal” para os cristãos.
O texto diz ainda que o Papa argentino declarou que Klaus Schwab, o economista alemão que fundou o Fórum Económico Mundial (que se reúne anualmente em Davos, na Suíça), “é mais importante que Jesus Cristo”. Agora, acrescenta ainda a publicação falsa, o Papa “está determinado a desmantelar o Cristianismo por dentro e substituir a palavra de Deus pela visão demoníaca da elite global”.
“O Papa Francisco é um satanista escondido à vista de todos. E então ordenou aos seus lacaios no Vaticano que proclamassem que Lúcifer é o Deus da Igreja Católica. É isso mesmo, de acordo com a mente distorcida do Papa Francisco, Lúcifer é o pai de Jesus Cristo e o Deus da Igreja Católica. A versão invertida do Cristianismo do Papa Francisco é confusa para muitos, mas a imagem fica clara quando você entende a quem o pontífice está realmente servindo”, acrescenta ainda o texto falso.
As alegações erróneas contra o Papa Francisco (que é acusado de ter uma “agenda sinistra”) incluem ainda a de que Francisco “uniu forças com Bill Clinton em setembro para anunciar que a humanidade deve ser urgentemente despovoada para salvar o planeta”, a de que o Papa “disse a uma multidão de 33 mil peregrinos na Praça de São Pedro que ‘uma relação pessoal, direta e imediata com Jesus Cristo’ deve ser evitada em qualquer momento” e que essas relações são “perigosas e prejudiciais”, e ainda a de que o pontífice “ordenou aos cristãos que parassem de trazer pessoas de outras religiões a Jesus e ao Cristianismo”.
Trata-se, contudo, de uma publicação falsa. Vejamos porquê.
A primeira alegação — a de que o Papa autorizou o Fórum Económico Mundial a reescrever a Bíblia — parece ser a evolução de uma outra notícia falsa que o Observador já tinha desmontado no verão passado. Em julho, circulavam publicações que alegavam que o Fórum Económico Mundial defendia que a Bíblia fosse “reescrita pela Inteligência Artificial”. Eram publicações falsas, associadas à teoria da conspiração da Nova Ordem Mundial.
Apesar de essas publicações terem sido desmentidas por vários meios de comunicação social, a teoria continuou a disseminar-se online, até surgir agora esta alegação de que o Papa Francisco teria, efetivamente, dado autorização para a escrita de uma nova versão da Bíblia — com os seus supostos erros corrigidos por uma versão contemporânea das escrituras.
Trata-se, novamente, de uma mentira flagrante: o Vaticano não autorizou qualquer reelaboração da Bíblia. Os textos bíblicos, originalmente escritos em grego e aramaico, são os textos mais amplamente divulgados do mundo e continuam a ser atualmente objeto de estudos críticos por parte de académicos e tradutores — crentes e não crentes —, e alterar os próprios textos seria uma tarefa logicamente impossível de levar a cabo.
Além disso, o próprio Fórum Económico Mundial já veio a público rejeitar esta alegação, que começou a ganhar tração nas redes sociais por todo o mundo. Citado pelo USA Today, um porta-voz do organismo, Yann Zopf, confirmou que o Fórum Económico Mundial não tem qualquer envolvimento em qualquer tipo de iniciativa de tradução dos textos bíblicos. “Posso confirmar que estas alegações são falsas”, afirmou Zopf.
De onde virá, então, esta informação? A publicação aponta como fonte o site “The People’s Voice”, uma já conhecida página que se dedica à divulgação de notícias falsas e teorias da conspiração. Trata-se de um sucedâneo das páginas YourNewsWire e News Punch. O Poynter Institute for Media Studies, que coordena a Rede Internacional de Fact-Checking (de que o Observador faz parte), já identificou esta página como uma das principais fontes de desinformação online, tendo já dezenas das suas publicações sido desmentidas por múltiplos meios de comunicação que integram a rede.
Outra alegação que surge no vídeo é a de que o Papa Francisco considera que Jesus Cristo é filho de Lúcifer. Trata-se de uma alegação já antiga, que o Observador também já desmontou num outro fact-check, que pode recordar aqui.
Mas há mais: a publicação também alega que o Papa Francisco “uniu forças com Bill Clinton em setembro para anunciar que a humanidade deve ser urgentemente despovoada para salvar o planeta”. A alegação parece referir-se ao facto de o Papa Francisco ter participado numa iniciativa climática levada a cabo pelo antigo Presidente americano em setembro deste ano — mas não houve qualquer referência à ideia de despovoar o planeta, como explica a agência Reuters.
Quanto à alegação de que o Papa Francisco considera que as relações pessoais com Jesus Cristo são “perigosas e prejudiciais”, trata-se de uma descontextualização flagrante de palavras reais do Papa, numa audiência geral na Praça de São Pedro em junho de 2014. Na ocasião, Francisco alertava para os perigos que advêm da rejeição de uma vivência comunitária da fé, fora da Igreja Católica — que pressupõe, desde a sua origem, uma vida de comunidade.
“Há quem acredite que pode manter uma relação pessoal, direta e imediata com Jesus Cristo, fora da comunhão e da mediação da Igreja. Essas são tentações perigosas e prejudiciais. Estas são, como dizia o grande Paulo VI, dicotomias absurdas”, sublinhou Francisco na altura.
Conclusão
É falso que o Papa Francisco tenha autorizado o Fórum Económico Mundial a reescrever a Bíblia. A alegação seria, só por si, absurda, considerando a realidade do que são os textos bíblicos. Ainda assim, devido à grande disseminação desta alegação, o próprio Fórum Económico Mundial já veio desmenti-la abertamente. As restantes alegações sobre o Papa Francisco que surgem na publicação são também falsas ou descontextualizadas.
Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:
ERRADO
No sistema de classificação do Facebook, este conteúdo é:
FALSO: As principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.
NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.