Mesmo com novas indicações sobre a vacina da Pfizer/BioNTech relacionadas com o tempo de refrigeração e com a possibilidade de a primeira dose ser mais eficaz contra a Covid-19, continuam a persistir as dúvidas relativas a todo este processo. Uma publicação de Facebook do início do ano partilhava uma suposta notícia, onde se dizia o seguinte: “Pfizer informa que vacina traz risco para nascimento de crianças com má formação.” Chegou às 111 partilhas. Trata-se, no entanto, de uma publicação errada.
Apesar de o autor só partilhar uma parte dessa alegada notícia, num dos comentários é possível encontrar a origem desta informação, que está alojada no site “Sociedade Política”. Nesse site, foi publicado um artigo sobre “o protocolo clínico da vacina Pfizer” sem que, no entanto, sejam citadas fontes que sustentem aquilo que está escrito. E também se comete outro erro, neste caso de português: uma coisa são crianças ou adultos com má formação, outra são bebés que nascem com malformações congénitas.
Mais à frente, o site refere que, segundo o tal protocolo, “homens e mulheres vacinadas não devem ter relações heterossexuais desprotegidas até 28 dias devido ao ‘risco de segurança reprodutiva’”. O que, no entender do autor (não identificável), significa não ter relações sexuais para evitar a possibilidade de ter “crianças que vão nascer defeituosas devido à manipulação genética causada pela vacina que usa o RNA mensageiro”.
Ora, clicando num dos links disponíveis, percebe-se que, na verdade, as informações da Pfizer são sobre os ensaios clínicos — fase 1, 2 e 3 — da sua vacina, com o objetivo de identificar, entre outras coisas, a sua eficácia. Ou seja, todas as indicações dizem respeito a uma altura em que a vacina ainda nem sequer tinha sido colocada no mercado, disponível a milhões de pessoas. E, tal como dito no início, ainda que a Pfizer já tenha lançado a sua vacina e essa já esteja a ser administrada um pouco por todo o mundo, os estudos sobre a sua eficácia, dosagem, entre ouros parâmetros, continuam a ser investigados.
Olhando para o protocolo, é então referido que os sujeitos, homens ou mulheres, que quisessem participar no ensaio teriam de aceitar determinadas condições como, por exemplo, a abstinência sexual por um determinado período (28 dias), referida anteriormente, depois da tomada da última dose. Mas isso não está ligado, em nenhum momento, à possibilidade de os bebés nascerem com malformações genéticas.
O Thejournal.ie, órgão de comunicação social irlandês, também verificou esta informação, considerando-a como falsa. E explicou que, nos Estados Unidos da América, onde foi desenvolvida a vacina da Pfizer, os métodos contracetivos, como a abstinência sexual, são um dos requisitos para os ensaios clínicos, quer exista risco ou não para o feto.
O artigo original refere ainda outro documento sobre a vacina, direcionado aos profissionais de saúde do Reino Unido. Nele, é suposto encontrarmos indicações que lançam a hipótese de a vacina poder, ou não, causar infertilidade. A verdade é que, olhando para o ponto 4.6, é referido que, não existindo dados suficientes sobre, por exemplo, a eficácia da vacina em mulheres grávidas, é difícil retirar conclusões sobre este tema.
Além disso, segundo os testes efectuados em animais, “nada indica, de forma direta ou indireta, que a vacina cause efeitos nocivos no que diz respeito à infertilidade”. Portanto, não, o documento não lança dúvidas sobre o método científico, ao contrário do que alega o site.
Consultado pelo Observador, o Infarmed acabou por confirmar estas informações. “Segundo a informação do Resumo das Características do Medicamento, os estudos em animais não indicam efeitos nefastos, diretos ou indiretos, no que diz respeito à gravidez, ao desenvolvimento embrionário/fetal, ao parto ou ao desenvolvimento pós-natal. A sua administração durante esse período apenas deve ser considerada se os potenciais benefícios superarem quaisquer potenciais riscos para a mãe e para o feto”, informou aquele instituto, reforçando o que também é partilhado pela Direção Geral da Saúde.
Portanto, e tal como defendido pela Agência Europeia do Medicamento, a decisão do uso da vacina em mulheres grávidas “deve ser feita em consulta com um médico assistente, após considerar os benefícios e riscos associados”. Ou seja, o processo de vacinação, além de ser escrutinado e rigoroso à partida, também o é à chegada, quando a inoculação está prestes a acontecer.
Por outro lado, tal como explicado em diferentes artigos e outros tantos fact-checks, ou até pelas autoridades sanitárias com responsabilidades directas na pandemia, como é o caso do Infarmed, convém relembrar o seguinte: a vacina da Pfizer contém uma molécula denominada RNA mensageiro (mrNA) que produz uma proteína (S de Spike) do vírus Sars-Cov-2.
Depois, sendo essa proteína necessária para o vírus entrar nas células do organismo, um indivíduo inoculado passa a desenvolver a proteína após as suas células “lerem as instruções de mRNA” da vacina, para que o sistema imunitário produza uma resposta em forma de anticorpos. Portanto, o código que é modificado não é o de um ser humano. Até porque o agente infeccioso não é injetado diretamente, como costuma ser habitual noutros tipos de vacina.
Conclusão
Não é verdade que a vacina da Pfizer provoque malformações congénitas aos bebés. O autor da publicação cita dois documentos verdadeiros, mas altera deliberadamente as suas informações: um deles é até um ensaio clínico — e não uma informação partilhada pela farmacêutica assim que as vacinas foram postas no mercado –, onde estão presentes alguns parâmetros a ser seguidos pelos voluntários, como é o caso da abstinência sexual. Depois, apesar da limitação científica no que diz respeito à eficácia desta vacina em mulheres grávidas, isso não significa que não possa ser administrada a este grupo de pessoas, consoante uma indicação médica profissional, onde se exige uma avaliação de risco.
Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:
ERRADO
No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:
FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.
Nota: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.