A afirmação surge no minuto 5:55, mais ou menos a meio do vídeo que continua a circular no Facebook. Nas imagens, aparece apenas um homem, Daniel d’Andrea, que vai citando um suposto estudo feito em Itália que teria indicado, entre outras coisas, que apenas 3% das mortes até então (24 de abril) teriam sido efetivamente causadas pelo novo coronavírus. Estes dados são falsos.
No vídeo, d’Andrea cita um artigo de um jornalista, mas nunca refere o nome dele ou da publicação em causa. Logo aí, a veracidade das alegações pode ser posta em causa. Os números que refere podem ter sido retirados de um relatório do Instituto Superior da Saúde italiano, que já tinha sido mal interpretado anteriormente. Divulgados a 20 de abril, estes dados não se referem à proporção de mortes causadas pelo novo coronavírus. O documento reúne, na verdade, os dados de 21,551 (contagem até àquela data) que morrerem depois de testarem positivo para o vírus.
Em análise está a comorbidade (um problema de saúde adicional a outro já existente) dos pacientes. De acordo com os dados recolhidos, “3,7% da amostra não apresentou comorbidades”. Isto significa que 96,3% das pessoas que morreram em Itália após lhes ser diganosticado Covid-19 sofriam de pelo menos um problema de saúde anterior. Assim se chega aos números apresentados de forma errada (que só 3% de pessoas morreram de Covid-19) no post viral, embora isto não queira dizer que todas estas mortes tenham sido causadas pelas doenças que já existiam e não pelo novo coronavírus.
Logo no início do vídeo, Daniel d’Andrea diz que “50 autópsias foram feitas no hospital de Bergamo, lá no centro da epidemia, na Itália. Foi descoberto que nove em cada dez pessoas que morreram de Covid-19, na verdade morreram de tromboembolia venosa [ou trombose venosa profunda, doença que causa coágulos que obstruem as veias]”.
Estas conclusões seriam de um estudo liderado por Giampaolo Palma. No entanto, não há qualquer pesquisa que devolva resultados sobre um investigador, médico ou virologista em Itália com este nome. Também não é possível encontrar o tal estudo em questão. A única coisa que existe é um relatório preliminar, divulgado a 22 de abril, desenvolvido nos hospitais Papa João XIII, em Bergamo, e Luigi Sacco, em Milão. Foram analisadas 38 vítimas mortais de Covid-19. Dessas, 33 (86%) apresentavam coágulos em pequenos vasos arteriais nos pulmões. No entanto, os 15 especialistas que assinam o documento (nenhum se chama Giampaolo Palma) deixam um aviso: o relatório apresenta “pesquisas médicas que ainda não foram avaliadas e, por isso, não devem servir para guiar práticas médicas”.
Também não é verdade que o texto diga que “a entubação por respiradores não era necessária”, como dá a entender o vídeo partilhado nas redes sociais. Essa informação não aparece em lado nenhum.
No meio de vários números que Daniel d’Andrea enumera sem apresentar provas credíveis, há outra frase que se destaca. “Os hospitais nunca estiveram cheios. Hoje, dia 24 de abril, os hospitais italianos estão vazios porque as pessoas estão sendo curadas em casa”, garante.
Isto está completamente errado. Foi relatado em diversas ocasiões, e por meios de comunicação credíveis, que os hospitais italianos atingiram o limite ainda em março. O número de camas nos cuidados intensivos aumentou 64% e os internamentos mais graves só começaram a diminuir a 4 de abril.
Além disso, também é mentira que o número de mortos em Itália não tenha aumentado significativamente em relação ao mesmo período dos anos anteriores. Segundo o Istat (Instituto Nacional de Estatísticas) e o ISS (Instituto Superior da Saúde), só em março de 2020 os óbitos subiram 49,9% comparando com a média do mesmo mês nos cinco anos anteriores.
Os dados mais recentes (de 30 de maio) indicam que Itália regista 232,248 mil casos de Covid-19 e 33,229 mil mortes.
Conclusão
Não é verdade que apenas 3% das 25 mil vítimas mortais (números até à data do vídeo) tenham morrido devido a outras doenças e não por Covid-19. Há uma grande percentagem de pessoas com outros problemas de saúde mas isso não significa que eles seriam fatais. É mentira que nove em cada 10 pessoas tenham morrido de trombose venosa profunda, o estudo citado não existe. A afirmação de que os hospitais em Itália nunca estiveram cheios é igualmente falsa, há inúmeros relatos que demonstraram o contrário ao longo dos últimos meses.
Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:
No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:
FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.
Nota 1: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.
Nota 2: O Observador faz parte da Aliança CoronaVirusFacts / DatosCoronaVirus, um grupo que junta mais de 100 fact-checkers que combatem a desinformação relacionada com a pandemia da COVID-19. Leia mais sobre esta aliança aqui.