Uma publicação no Facebook partilha um vídeo da jornalista Julia Hartley-Brewer, na TalkTv, onde é debatido o futuro tratado internacional sobre pandemias que a Organização Mundial de Saúde está a preparar. O texto, garante este utilizador do Facebook, implica “perda de soberania dos Estados, mas pior: teremos pessoas que não elegemos e não conhecem a realidade individual a decidir acerca das nossas vidas”.

Em 2021, quase dois anos depois de ter sido decretado a pandemia de Covid-19, os 194 Estados que fazem parte da Organização Mundial de Saúde concordaram em arrancar “um processo global para elaborar e negociar uma convenção, acordo ou outro instrumento internacional, no âmbito da OMS, para fortalecer a prevenção de pandemias”.

A proposta foi inicialmente feita pelo presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, em conjunto com a OMS em outubro de 2021 e, em dezembro, a Assembleia Mundial de Saúde lançou as negociações com um calendário: em maio de 2024 será apresentado para adoção pela 77ª Assembleia Mundial de Saúde.

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Em março de 2021, vários líderes mundiais assinaram um texto conjunto, publicado em vários órgãos de comunicação social, a defender a necessidade de “prever, prevenir, detetar, avaliar e dar uma resposta eficaz às pandemias de forma altamente coordenada”. No âmbito de um novo tratado internacional de preparação e resposta às pandemias, esses mesmos líderes assumiam o compromisso de “garantir o acesso universal e equitativo a vacinas, medicamentos e diagnósticos seguros, eficazes e acessíveis para esta e futuras pandemias. A vacinação é um bem público mundial e temos de ser capazes de desenvolver, fabricar e distribuir as vacinas tão rapidamente quanto possível.”

São estes alguns dos pressupostos da discussão aberta e que ainda está longe de estar finalizada, com a segunda reunião do organismo intergovernamental de negociação marcada para 1 de agosto de 2022. Esse encontro vai dedicar-se ao debate sobre o documento de trabalho e para 2023, altura da 76.ª Assembleia Mundial da Saúde, está prevista a apresentação de um relatório intercalar.

Neste momento ainda não há um instrumento proposto, mas sim uma negociação em curso que só estará fechada a meio de 2024. Da parte europeia, por exemplo, existe pressão para que sejam banidos os mercados de vida selvagem e o incentivo para que os países reportem novos vírus e variantes.

De resto, em 2005 entrou em vigor o novo Regulamento Sanitário Internacional, que é um instrumento jurídico internacional vinculativo para os países que fazem parte da OMS e que tem por objetivo “ajudar a comunidade internacional a prevenir e responder a graves riscos de saúde pública que têm o potencial de atravessar fronteiras e ameaçar pessoas em todo o mundo”. Não é, por isso mesmo, nova a determinação de regras gerais, como estas, que fixaram um quadro legal com direitos e deveres dos países para responder a crises de saúde pública. Foi criado na sequência da epidemia de SARS (que ocorreu entre 2002 e 2004) e veio estabelecer regras sobre, por exemplo, os documentos de saúde necessários para viagens internacionais.

Quanto ao processo de decisão de um novo acordo, o que está definido é que o tratado será negociado pelas delegações dos países-membros da OMS, a quem caberá tomar a decisão final quanto à adoção do Tratado”, de acordo com o que é explicado pelo Conselho Europeu neste guia sobre o que está em causa. Ou seja, o tratado tem de ser aprovado por cada um dos Estados uma vez que, de acordo com a Constituição da OMS, a Assembleia de Saúde tem “autoridade para adotar convenções ou acordos sobre qualquer assunto da sua competência”, mas a aprovação de acordos ou convenções — como será o caso — têm de ser feitas por dois terços dos votos. Os mesmos só entram em vigor “quando aprovados pelos Estados-membros, no respeito pelas suas normas constitucionais” internas.

Nas explicações sobre este tema concreto, a própria OMS esclarece, na sua página oficial, algumas questões sobre que autoridade teriam as regras sobre os países e se esse tratado seria juridicamente vinculativo. A resposta é que, “tal como acontece com todos os instrumentos internacionais, qualquer novo instrumento que seja acordado será determinado pelos próprios governos, no respeito pelas suas próprias leis e regulamentos nacionais.”

No caso português, por exemplo, a Constituição delega na Assembleia da República a competência de aprovar tratados, “designadamente os tratados de participação de Portugal em organizações internacionais, os tratados de amizade, de paz, de defesa, de retificação de fronteiras e os respeitantes a assuntos militares, bem como os acordos internacionais que versem matérias da sua competência reservada ou que o Governo entenda submeter à sua apreciação”. E cabe ao Presidente “ratificar os tratados internacionais, depois de devidamente aprovados”.

Conclusão

Não está a ser “preparado um tratado internacional para que, em futuras pandemias, não sejam os governos nacionais a estabelecer as normas em cada país, mas seja a OMS a decretar as regras à escala global”, como consta nesta publicação. O que está em curso é um processo para estabelecer um acordo intergovernamental com regras para seguir em caso de novas pandemias e que, de acordo com o que é dito pelos líderes mundiais, passará por garantir acesso a vacinas por todos os países, bem como a medicamentos, por exemplo. Mesmo que o tratado vá muito além disto, a própria Constituição da OMS determina que a adoção dos tratados tem de estar conforme à legislação de cada um dos seus membros. No caso português, a adoção de tratados internacionais passa obrigatoriamente pela Assembleia da República e pelo Presidente da República.

Segundo a classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:

FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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