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Poiares Maduro geriu com "notável incompetência" os fundos europeus?

O Governo socialista tem acusado Miguel Poiares Maduro de ter tido uma gestão desastrosa na execução dos fundos comunitários. O anterior ministro defende-se. Afinal, quem tem razão nesta discussão?

A frase

Durante anos criticámos a forma como o então ministro Poiares Maduro geria de uma forma absolutamente desastrosa e com notável incompetência a transição do QREN para o Portugal 2020, mas, infelizmente, ninguém ligou nenhuma.

— António Costa, Primeiro-ministro, debate quinzenal 10 maio 2017

Enganador

A discussão tem sido recorrente. O Governo socialista, seja pela voz de António Costa, seja pela de Pedro Marques, ministro do Planeamento e das Infraestruturas, tem acusado com frequência Miguel Poiares Maduro, que no anterior Executivo era o responsável pela execução dos fundos europeus, de “notável incompetência” em todo o processo. Mais: a gestão de Poiares Maduro na transição do QREN [Quadro de Referência Estratégico Naciona]), que esteve em vigor até 2016, para o Portugal 2020 teria sido de tal forma desastrosa que era responsável pela quebra do investimento público em Portugal.

Os dados disponíveis, os factos, e a própria complexidade do tema têm servido para alimentar a troca de acusações entre o Governo socialista e membros do anterior executivo PSD/CDS. Seja em entrevistas ou em debates na Assembleia da República. Mas, afinal, quem tem razão em todo o diferendo? Fica uma pista. No essencial, ambos concordam num ponto: histórica e comparativamente com outros Estados-membros, Portugal é reconhecidamente bom executor de fundos.

O que está em causa?

Primeiro, os argumentos de parte a parte. Numa resposta enviada ao Observador, o gabinete do ministério liderado por Pedro Marques mantém a posição de que recebeu uma má herança do executivo anterior: “Quando o Governo tomou posse, em novembro de 2015, a gestão dos fundos europeus encontrava-se praticamente paralisada. Apenas tinham sido pagos às empresas 4,5 milhões de euros e não havia concursos lançados para investimento territorial, em especial autarquias.”

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O Governo socialista acrescenta ainda que a sua taxa de execução dos fundos, por ser ligeiramente melhor que a anterior, tem ajudado a melhorar o desempenho da economia: “Após dois anos parados (2o14 e 2015) os fundos europeus começaram a chegar à economia em 2016 e, em 2017, estão a impulsionar o desempenho global da economia portuguesa. A taxa de execução está quase um ponto percentual acima da registada no período homólogo do QREN (março de 2010)”.

O principal argumento do Governo de António Costa prende-se com a demora na transição entre o programa QREN (2007-2013) — iniciado no tempo de José Sócrates — e o Portugal2020 (2014-2020), que arrancou com o executivo PSD/CDS.

Mas Poiares Maduro também tem argumentos para contrariar as justificações dos socialistas. “Portugal era o país (em conjunto com a Polónia) com a melhor execução de fundos no final do QREN e o primeiro país da Europa a mobilizar fundos europeus no novo quadro financeiro 2014-2020″, começa por dizer o antigo ministro adjunto de Pedro Passos Coelho ao Observador.

Ainda no que se refere a comparações entre o QREN e o Portugal2020, Poiares Maduro defende a sua posição com números: “No final de 2015, a taxa de execução no Portugal2020 já era mais do dobro da verificada sete anos antes no ano equivalente de execução do QREN“.

O antigo ministro suporta a sua argumentação em dados oficiais das instituições europeias: “Dados de janeiro de 2016 da Comissão Europeia relativos às transferências para os Estados-membros no âmbito do Portugal 2020, apontavam Portugal como o primeiro Estado Membro na absorção de fundos. Como pode o Estado que liderava a execução de fundos na União Europeia estar atrasado?“, pergunta Poiares Maduro.

Miguel Poiares Maduro reconhece, ainda assim, que em 2015 houve de facto um abrandamento nas verbas executadas com empresas no âmbito do Portugal 2020, mas justifica-se: “A execução corresponde a pagamentos à medida que o projeto é executado. No primeiro ano têm de se abrir concursos, selecionar projetos, celebrar contratos e depois é que se inicia a execução”,

O ex-ministro de Passos Coelho admite outro fator que pode ter justificado alguns atrasos na execução dos fundos: houve “uma mudança profunda no sistema de informação” — ou seja, no sistema informático — que fez com que o desenrolar do processo fosse menos rápido. Poiares Maduro contextualiza que o sistema informático foi alterado porque era precisa imprimir “alterações substanciais nos critérios e condições de atribuição e gestão dos fundos” que “exigem mais tempo no início, mas poupam bastante tempo depois”.

Os factos

Só é possível analisar a discussão comparando o comparável. Portanto, é importante fazer duas ressalvas: o QREN e o Portugal 2020 foram desenhados de forma estruturalmente diferente. E isto significa o quê? Que o QREN não integrava os fundos das pescas e da agricultura (FEAMP e FEADER) — e que agora fazem parte do Portugal2020 –, pelo que esses valores devem ser excluídos dos quadros em que vamos fazer a comparação.

Assim sobram três fundos estruturais para a analisar:

  • O Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER), cujos principais beneficiários são as empresas e as autarquias;
  • O Fundo Social Europeu (FSE), que financia em grande parte os programas de estímulo ao emprego e à formação de profissionais;
  • E o Fundo de Coesão (FCOESÃO), que financia a criação de infraestruturas, com especial enfoque no desenvolvimento de projetos comuns de transportes.

Para se perceber se Poiares Maduro teve boas ou más execuções de fundos europeus, é preciso comparar a atribuição de fundos no Governo de José Sócrates, entre períodos homólogos. Ou seja, é necessário comparar o ano de 2008, o primeiro ano de execução do QREN, com o 2015, o primeiro ano de execução do Portugal 2020. Na mesma medida, é preciso comparar 2009, o segundo ano de execução do QREN, com 2016, o segundo ano de execução do Portugal 2020, como se pode ver na tabela seguinte.

Análise ao primeiro período comparável (clique na barra do ano para ver os valores), que diz respeito ao primeiro ano no QREN e ao primeiro ano do Portugal 2020

  1. Em dezembro de 2008 — primeiro ano de execução do novo quadro no Governo de José Sócrates — a percentagem de despesa validada nos programas do FEDER e do FCOESÃO foi mais elevada do que seria no Governo seguinte;
  2. O FEDER registou uma taxa de execução de 1,5% com o PS no Governo em 2008, quando com Poiares Maduro foi de apenas 0,5%; no caso do FCOESÂO, foi de 0,1% no tempo dos socialistas e de zero com os sociais-democratas, uma diferença mínima;
  3. Pelo contrário, os socialistas perdem na comparação no que respeita ao primeiro ano dos programas comunitários quando olhamos para a execução do FSE: o Governo PSD/CDS executou 8% das verbas em 2015 contra apenas 3,3% do que tinham feito os socialistas em 2008;

Passemos agora à comparação entre 2009 e 2016, que correspondem ao segundo ano de execução de fundos no Governo de Sócrates e, agora, de Costa, mas influenciado pelo que tinha sido colocado a andar pelo executivo PSD/CDS (clique na barra do ano para ver os valores):

  1. Em dezembro de 2009, tal como no ano anterior, a despesa validada no que toca ao FEDER e FCOESÃO é mais favorável ao executivo de Sócrates quando comparada com 2016;
  2. O Governo de José Sócrates executou 6,8% do FEDER contra 5,4% do Governo de Costa; no que respeita ao Fundo de Coesão, em 2009 foram validados 5,3% da despesa, contra 1,9% em 2016;
  3. No caso do FSE, em 2016 os resultados continuaram a ser melhores do que os de 2009: 16,8%, um score mais favorável do que o de 2016 (15,2%);
  4. É de registar, no entanto, que em ambos os governos há um salto na execução dos fundos do primeiro para o segundo ano.
  5. A responsabilidade pela execução de 2016 não é apenas da responsabilidade de Poiares Maduro, pois o atual executivo já estava em funções e era ele que geria o processo.

A análise dos dados expostos (e comparáveis) permite tirar uma conclusão: durante a tutela de Poiares Maduro houve, de facto, um atraso na execução do fundo estrutural que mais impacto tem na vida das empresas e autarquias — o FEDER. Isso é inegável e reconhecido pelo próprio ex-ministro. Por outro lado, há uma diferença fundamental entre os dois Governos: o de José Sócrates estava a aplicar os fundos numa fase em que até a Comissão Europeia incentivava os Estados a investir para contrariar a crise, e o Governo de Passos Coelho estava a aplicar o memorando da troika e tinha sérios limites aos gastos do Estado, o que se refletia na disponibilidade financeira para a comparticipação nacional dos projetos que recebiam os fundos europeus. Será tudo isto suficiente para dizer que Poiares Maduro geriu com “notável incompetência” os fundos europeus?

Conclusão

As várias fontes ouvidas pelo Observador — e que estão ou estiveram diretamente envolvidas no acompanhamento da execução dos quadros financeiros — , assinalam o mesmo: comparativamente, houve de facto um atraso na execução dos fundos comunitários. Ainda assim, explicam as mesmas fontes com base nestes dados, os atrasos na execução dos fundos não foi de tal forma significativo que permita a António Costa (ou a Pedro Marques) acusarem Poiares Maduro de “notável incompetência”. Será “enganador”, ou seja, uma acusação que decorre sobretudo do confronto político.

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