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Os grupos demográficos podem decidir uma eleição? |
Pelo menos daquela vez, nem os comentadores nem o The New York Times se enganaram: aquele discurso de um desconhecido chamado Barack Obama na convenção democrata de 2004 tinha sido mesmo o início de algo. Eis o que escreveu aquele jornal a 1 de agosto de 2004: “Na terça-feira, por volta das 21h00, Barack Obama eram um congressista estadual do Illinois a concorrer para o Senado. Passada meia hora, depois de ter discursado na Convenção Nacional Democrata, era o nome mais bem cotado do partido. Os comentadores até previram que ele poderia vir a ser o primeiro Presidente negro”. |
Como se sabe, acabou mesmo por sê-lo. Mas, afinal, o que houve de tão marcante naquele discurso para que uma previsão daquele género fosse sequer plausível? Resposta: a parte em que Barack Obama repetiu que, apesar de todas as suas matizes, só há os Estados Unidos da América. “Não há uma América liberal e uma América conservadora. Há os Estados Unidos da América. Não há uma América negra e uma América branca e uma América latina e uma América asiática — há os Estados Unidos da América”, disse. |
Foi um sucesso imediato. Mas, também, uma ideia estatisticamente errada. |
Certo, Barack Obama quis ali apelar à união de um país que comporta em si muitas diferenças. “Nós somos um só povo, cada um de nós jura a mesma bandeira com estrelas e listas, cada um de nós defende os Estados Unidos da América”, sublinhou. Mas a verdade é que os dados demonstram de forma muito clara que, no que toca à política, essas diferenças são vincadas. |
Novos e velhos, homens e mulheres, brancos, negros, hispânicos, asiáticos, com e sem ensino superior, urbanos e rurais. Em todas as divisões que possa pensar numa sociedade como a dos EUA, o voto é diferente. |
Uma das clivagens mais evidentes — e também persistentes — é a que divide o eleitorado mais jovem do eleitorado mais velho. Olhando para as sondagens à boca das urnas (aqui as de 1980 a 2008, aqui as de 2012 e aqui as de 2016), fica fácil perceber que a tradição é a de os mais jovens votarem no candidato democrata e os mais velhos na opção republicana. Nas dez eleições desde 1980, houve sete em que os eleitores entre os 18 e 29 anos votaram mais no candidato democrata do que o restantes eleitores — e nas restantes três (reeleição de Reagan em 1984, eleição de Clinton em 1992 e eleição de Bush em 2000) votaram em linha com o resto do eleitorado. |
Nas últimas três eleições, a diferença etária tem sido particularmente alta. Em 2008, os mais jovens (18-29) deram uma vantagem de 34 pontos percentuais a Obama e os mais velhos (65 ou mais) de 7 a McCain. Em 2012, Obama teve 23 entre os mais jovens e Romney mais 12 entre os mais velhos. Em 2016, novo fosso: Clinton foi a preferida com uma diferença de 22 pontos entre os mais jovens e Trump saiu 7 pontos acima entre os mais velhos. |
Que os mais novos são mais liberais e os mais velhos são mais conservadores é um facto mais ou menos universal da vida política — e que, por isso, é socialmente aceite. Mas isso não quer dizer que seja pacífico quando todas estas pessoas são da mesma família e se sentam à mesa. É precisamente isso que acontece a cada Dia de Ação de Graças, em que as famílias se juntam — e onde é raro ver como sobrinhos liberais discutem com tios conservadores, netos democratas testam a paciência aos avós republicanos e pais que veem Fox News se exasperam com os filhos que só assistem à MSNBC. Quanto a estas tensões, há diferentes escolas de pensamento: desde as que dizem que o melhor caminho é “ouvir as pessoas” e “fazer sobressair a humanidade que vos une”; até àquelas que defendem uma abordagem de “terra queimada”. |
Também no que toca ao género, há outra certeza: as mulheres votam mais no Partido Democrata e os homens escolhem maioritariamente o Partido Republicano. Nas seis eleições que houve desde 1996, em cinco delas ficou claro que os homens preferem os candidatos republicanos — com vantagens de 11 pontos percentuais a serem essenciais para a reeleição de Bush em 2004 e para a eleição de Trump em 2016. A exceção foi 2008, ano em que Barack Obama teve uma vantagem de 1 ponto percentual entre homens. Ainda mais estáveis são as mulheres: desde 1992 votam sempre preferencialmente no candidato democrata. A vez em que isso ficou mais claro foi em 1996, quando Bill Clinton teve uma vantagem de 17 pontos percentuais entre as mulheres. |
Porém, se há divisões que estão em posição de ditar o rumo das eleições presidenciais nos EUA, são as que dizem respeito à etnia de quem vota. Aqui, as diferenças são abissais — e é dentro das suas nuances que se fazem vencedores e vencidos. |
Olhemos para três eleições mais pormenorizadamente: 2008, que foi a eleição de Obama; 2012, em que Obama foi reeleito; e 2016, em que Trump saiu vencedor. Nestas, o eleitorado branco preferiu sempre o candidato republicano (55-43 em 2008; 59-39 em 2012, na reeleição; 58-37 em 2016) e o eleitorado não-branco (que é a soma de negros, latinos, asiáticos e, a partir de 2012, inclusive, a categoria de “outros”) votou sempre maioritariamente no candidato democrata: 81,75% em 2008, 80,4% em 2012 e 74% em 2016. |
Só mais um pouco de números e percentagens e já chego ao ponto: neste momento, a população norte-americana divide-se em 76,3% de brancos e 23,7% que são parcial ou totalmente de uma minoria étnica. A tendência é para que estes números se aproximem um do outro, com a maioria branca a encolher e as minorias não-brancas a aumentarem. Até que, de acordo com a previsão do Census Bureau dos EUA, a soma de todas as pessoas de minorias étnicas será maior do que a do número de brancos. |
Que esta dinâmica terá resultados políticos, parece inquestionável. Mas que até agora ainda não tenha tido efeitos provados e consistentes, foi uma surpresa para muitos. Falo, pois, de 2016. |
Naquelas eleições, a esperança do Partido Democrata era a minoria que, à altura, crescia mais em todo o país: os latinos, que, na ciência política norte-americana, são conhecidos como o “gigante adormecido”. Perante uma campanha anti-imigração por parte de Donald Trump — que, logo no discurso em que anunciou a sua candidatura, disse que do México chegavam drogas, crime e violadores —, a campanha de Hillary Clinton esperou que a demografia fizesse o seu trabalho e lhe permitisse ser a primeira mulher a chegar à Casa Branca pela porta grande. |
Não foi assim. |
Porquê? As respostas são múltiplas, mas duas imperam sobre praticamente todas. Primeiro, a participação eleitoral das minorias não-brancas não foi tão alta quanto Clinton precisava e o eleitorado branco saiu de casa de maneira crucial para Trump. Segundo, as minorias não votaram tanto em Clinton quanto ela esperava — em particular os latinos, que votaram nela 65-69, abaixo dos 71-27 que Obama conseguira quatro anos antes. Pelos vistos, o “gigante adormecido” não ouviu o despertador de Hillary. |
Por tudo isto, não é por acaso que o tópico do voto branco e das minorias é um dos grandes temas desta campanha. |
Do lado de Trump, a estratégia ficou clara logo na Convenção do Partido Republicano: em equipa vencedora não se mexe. Como tal, o maior apelo será para o eleitorado branco: com grande destaque para aquele que não tem estudos superiores, que votou massiva e crucialmente no republicano em 2016; e também nos evangélicos, o grupo que mais votou em Trump há quatro anos e que agora exige ao Presidente que preencha a vaga da juíza liberal Ruth Bader Ginsburg (que morreu no sexta-feira) no Tribunal Supremo com um juiz conservador. |
Isso tudo e mais uns pozinhos entre as minorias — em particular, os latinos com aversão a políticas mais esquerdistas, como são, destacadamente, os cubanos no sul da Flórida. Por isso mesmo, um dos vídeos de campanha de Trump naquele estado é a conversa de duas mulheres cubanas que se mostram escandalizadas com os democratas que querem “tirar fundos à polícia” e que andam a “marchar com bandeiras do Che Guevara”. |
Quanto a Biden, a estratégia parece mais difusa. O candidato democrata tem apelado a diferentes grupos consoante as suas paragens para campanha — mantendo o discurso anti-Trump perante todos eles e, depois, acrescentando algumas nuances que lhe parecem adequadas junto de cada grupo. Junto do eleitorado branco sem ensino superior, faz o apelo aos sindicatos. Com o eleitorado negro, repete várias vezes o mantra Black Lives Matter — e uma vez gracejou a um apresentador de rádio afro-americano: “Se não consegues perceber se és por mim ou por Trump, então não és negro”. Junto do eleitorado latino, apresenta-se ao lado de cantores reggaeton e põe o Despacito a tocar no telemóvel. |
Para alguns, a estratégia de Biden pode parecer errada, mas o que o ex-vice-Presidente parece estar a tentar fazer é a repetição de um feito pouco comum: a “Coligação Obama” de 2008. É certo que nem no ano da sua eleição Obama foi consensual, mas os resultados de então demonstraram que várias pessoas de diferentes lados das clivagens acima referidas votaram nele. |
No que toca a idades, só os eleitores com mais de 65 anos não votaram maioritariamente nele: de resto, teve grande vantagem entre 18-29 e 30-44, e um empate entre os 45-49. Quanto ao género, tanto homens como mulheres preferiram-no a John McCain. Nos graus de escolaridade, Obama saiu à frente em todos. Quanto ao rendimento anual, só quem ganhava então entre 50 mil e 75 mil dólares é que votou no republicano — e o resto, desde os mais pobres aos mais ricos, deram prioridade a Obama. |
Sobre as capacidades de Biden para repetir o feito de Obama (que, em parte, também foi um feito dele próprio, na qualidade de número 2), a conversa é outra — e longa. Mas, quanto ao tema que aqui nos trouxe esta semana, impera dizer isto: em 2004, Obama foi catapultado para a linha da frente da política norte-americana com aquele discurso assente numa ideia estatisticamente errada; mas, em 2008, ao traçar a quadratura deste círculo, confirmou que toda a regra tem uma exceção. |
O que aconteceu esta semana |
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- Morreu a juíza Ruth Bader Ginsburg (e a batalha pelo Supremo recomeçou)
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A juíza do Tribunal Supremo Ruth Bader Ginsburg morreu esta sexta-feira, aos 87 anos, vítima de cancro no fígado. A possibilidade de a juíza conhecida pelas suas iniciais — RBG — morrer ainda durante este mandato era antecipada pelos dois lados da política norte-americana, já que que esta foi a quinta vez que enfrentou um cancro. Conhecida por ser a decana entre os magistrados de tendência liberal e reformista dentro do Tribunal Supremo, Ruth Bader Ginsburg, que foi nomeada para o cargo por Bill Clinton em 1993, era uma defensora do direito ao aborto e também dos direitos das minorias LGBT. |
Agora, Donald Trump prepara-se para substituí-la já esta semana. Embora ainda não se conheça o nome de quem preencherá essa vaga, o Presidente já deixou duas certezas quanto à sua proposta: será uma mulher e será conservadora. Desta forma, o Tribunal Supremo passará do que era há dias uma maioria mínima de 5 juízes conservadores e 4 juízes liberais para uma maioria sólida de 6-3. Cabe agora a Donald Trump anunciar a sua escolha e, depois, esperar que ela passe no Senado — uma tarefa fácil, mas não totalmente. |
Fácil, porque o Senado tem maioria republicana. Não totalmente, porque há pelo menos duas senadoras republicanas (Susan Collins, do Maine, e Liza Murkowski, do Alasca) que já disseram que não vão aprovar nenhuma nomeação para a vaga de Ruth Bader Ginsburg até à tomada de posse resultante destas eleições — ou seja, até 20 de janeiro de 2021. |
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- Trump e Biden aqueceram motores para o primeiro debate com formato town hall
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Com o primeiro de três debates entre Donald Trump e Joe Biden a pouco mais de uma semana de distância (está agendado para a madrugada de 29 de setembro), os dois candidatos estiveram à vez em programas televisivos para responder a perguntas do público — formato conhecido por town hall. |
O primeiro a ir para o ar foi Donald Trump, na terça-feira (dia 15), na ABC News, com moderação do jornalista George Stephanopoulos. A jogar fora de casa (embora neutra por vocação, a ABC News é uma televisão tendencialmente mais liberal, além de que George Stephanopoulos trabalhou na Casa Branca de Bill Clinton), o Presidente dos EUA foi chamado à pedra várias vezes. |
Foi isso que aconteceu sobretudo com o tema da pandemia, com Donald Trump a negar a ideia por ele dita no livro de Bob Woodward, de que tinha “minimizado” a pandemia para não “criar pânico” (“Na verdade, de muitas maneiras, maximizei-a, em termos de ação”, disse no town hall). Houve ainda um bate-boca com uma cidadã que lhe colocou uma pergunta sobre o direito a acesso igual a seguro de saúde para quem tem doenças prévias. “Por favor, deixe-me terminar a minha questão, senhor”, disse-lhe aquela cidadã. Depois, na resposta, George Stephanopoulos fez um fact-check em direto à resposta de Donald Trump. |
Na sexta-feira (dia 18), foi a vez de Joe Biden ir a um town hall na CNN. A jogar em terreno amigável, o candidato democrata teve, ainda assim, de responder a perguntas sobre como pretende acomodar na sua campanha a ala progressista do Partido Democrata, encabeçada por Bernie Sanders. Quando questionado sobre o Green New Deal (Novo Pacto Verde), Biden respondeu: “Eu tenho o meu próprio deal“. De acordo com o FactCheck.Org, Joe Biden fez sete afirmações falsas ou parcialmente erradas. |