O roubo1 é uma apropriação ilegítima. O copiar certas produções intelectuais, sem compensar adequadamente os seus produtores, ou sem lhes dar crédito, é uma espécie de roubo e, portanto, ilícito. Mas será que toda a imitação2 é, sempre & universalmente, ilegítima? E a adoção intercultural será um abuso? Constituirá um desaforo, por exemplo, africanos calçarem sapatos, chinesas usarem carapinhas ou europeus converterem-se ao Budismo? E será que alguns preconceitos culturais contra a imitação gozarão de uma aceitação tão unanime como a universalidade do repúdio ao roubo?
Os japoneses, por exemplo, têm uma visão muito própria sobre a ilegitimidade da imitação intercultural. Quase todos os elementos estruturantes da sua cultura são apropriação & kaizen cultural, incluindo o Budismo3, a escrita, o sistema legal4 e o chá5. E não só: quando os portugueses passaram por lá, venderam-lhe umas espingardas, ganharam uns cobres e o nosso governo parece ter ficado contente. Logo a seguir, quase sem compasso de espera, os japoneses começaram a fabricar o implemento e, segundo várias fontes europeias, a melhorá-lo.
Pouco depois, uns jesuítas abriram lá loja e começaram a proselitar6, com grande sucesso & impacto. Só recentemente é que Sua Santidade se deu conta que não o deviam ter feito, pois estavam a atuar, não como evangélicos7, mas como uns pagãos8—o que é uma apropriação cultural9 inadmissível a qualquer bom cristão, que deve é estar empenhado na aculturação10.
Nos séculos seguintes, especialmente a partir de meados do séc. 19, os japoneses adotaram entusiasticamente milhares de ideias, produtos e processos de outras culturas, nunca deixando de os alterar como lhes parecia melhor & mais lhes apetecia. Até ao momento, nem adoções, nem adaptações feitas no Japão causaram protestos significativos em nenhum meio cultural, com a possível exceção dos que ocorreram nos anos 1970s nos EUA, levados a cabo pela UAW, o sindicato dos trabalhadores da indústria automóvel, e pelo grande capital seu aliado & financiador.
Assim é compreensível que o japonês médio, e não só o médio, mas todo o japonês six sigma, num espírito de reciprocidade & boa vontade, aceite de bom grado todas as apropriações culturais que o imperialismo euro-americano faz & fez da sua cultura, incluindo o judo & o karaté, o sushi, os tamagochi, a anime, a manga e tudo o resto. No Japão, adoção, transformação, melhoria & fusão é identidade. É, foi e provavelmente será ainda por algumas gerações, parte integrante da sua maneira de ser & da identidade cultural nacional. Mais: não só o imitar é lá considerado como uma homenagem implícita que se faz a quem é copiado—porque ninguém são da cabeça imita o que não presta—, mas também o ser “culturalmente apropriado” é encarado como sendo uma honra — que os japoneses gostariam de receber com mais frequência. E é também visto como uma demonstração do seu soft-power, o único que lhes resta, já que o hard-power lhes está constitucionalmente vedado.
Esta atitude cultural ajuda-nos a perceber porque é que eles, na inércia do seu dinamismo cultural, não conseguem perceber porque é que alguns progressistas americanos se indignam tanto & tão permanentemente quando outros americanos, considerados atávicos e reacionários, adotam símbolos culturais japoneses. A controvérsia recorrente sobre a adoção pontual de motivos japoneses por cantores & outros criativos ocidentais é, para eles, intrigante. Não conseguem perceber, por exemplo, o significado de toda aquela conversa sobre commodification & power play no comentário, num recente artigo da revista11 para mulheres12,13 Allure, sobre a declaração feita pela cantora Gwen Stefanie, de se autoidentificar como sendo japonesa — embora racialmente o não seja. Mais: não conseguem ver nada de eticamente errado, nem se sentem ofendidos, antes pelo contrário, em que a cançonetista tenha usado motivos nipónicos em algumas das suas obras, como em Harajuku Girls.
O power de qualquer obra de arte está na sua capacidade de atrair espectadores & as suas emoções, e uma das chaves dessa atração pode ser a fusão de elementos culturais diferentes numa commodity atrativa. O sucesso de grande parte da arte popular japonesa está na habilidade de fundir formas de expressão intrinsecamente autóctones com elementos culturais importados. Um exemplo interessante disto, entre milhões de outros, são as obras para shamisen, um instrumento de cordas da música erudita nipónica (exemplos de melodias clássicas aqui & aqui), dos Yoshida Brothers.
Será que que Rising, uma obra destes últimos, tem menos commodification, power ou apropriação de elementos de outras culturas que Harajuku Girls de Gwen Stefanie? Se assim for, porque será que ninguém protesta a apropriação cultural que os Yoshida Brothers fazem? Ou será que os japoneses podem-se apropriar de elementos culturais americanos, mas os americanos não podem usar imagens japonesas? Se assim for, onde está a equidade? E a Allure não escreve nada, nem se escandaliza nada, sobre os Yoshida Brothers? Ou será que a razão está nos Yoshida serem brothers? Mas nesse caso não será isso um sexismo vergonhoso? E a nossa Comissão para a Cidadania e Igualdade de Modo, de Tempo, de Número, de Pessoa, de Grau & de Género14,15 não faz nada? Nem sequer lavra um protesto junto da embaixada do Japão?
Os antigos gregos visitaram o Egito, a Babilónia e muitas outras nações de onde trouxeram ideias que criticaram, copiaram, melhoraram & adotaram. Os romanos fizeram o mesmo, assim como os lentes da Sorbonne no séc. 13, e os portugueses do séc. 15. Para já não falar dos japoneses nos últimos 20 séculos.16 Pelo contrário, quando uma cultura se fecha sobre si mesma, e rejeita tudo o que é estrangeiro, estagna primeiro, & decai a seguir. Como aconteceu à China a seguir a meados do séc. 15.
A fúria contra adoção & adaptação de ideias & costumes alheios é algo de muito recente & com poucos precedentes na história da humanidade. Contribuirá ela para o entendimento & fraternidade universal, ou será um meio de semear discórdias & guerras? Será algo de inteligente? Ou o seu contrário?
U avtor não segve a graphya du nouo AcoRdo Ørtvgráphyco. Nein a do antygo. Escreue sua vi suaque sponte. #EncuantoNusDeixam
PS (salvo seja): depois de ter sido noticiado em primeira mão pelo Observador “a prática usual e pública da sra. presidente de um importante organismo público”, que não a tap17, “de levar as suas cadelas pretas para o ‘trabalho’ e de ‘pedir’ aos funcionários públicos afetos ao dito organismo, suas subordinados hierárquikas, para que as levem a passear & que cuidem delas durante as horas de serviço destes e de despacho daquela”, veio recentemente a lume uma circular da mesma sra. presidente a anunciar que @s funcionárias desse mesmo organismo público estão autorizadas, também elas, a levarem para o seu lucal de trabalho os seus animais de estimação. Embora a circular não esclareça se ‘maridos’ estão incluídos nesta autorização, este parece ser um importante passo na democratização das condições de trabalho na função pública. Espera-se que o nosso governu alargue em breve esta medida a toda a função pública.
- Roubo: uma das artes de aquisição de dinheiro. Embora haja moralistas que questionem a sua legitimidade ética, a antiguidade da profissão e a nobreza de alguns dos seus mais hábeis praticantes deveria ser prova suficiente da dignidade da atividade e da honradez dos artistas. Na listagem de Sofocleto Lactantius (fl. séc. 3 a.C.) encontram-se incluídas as seguintes especialidades desta arte: assalto, arrombamento, burla, confisco, concessão danosa de crédito, corrupção, depredação, desfalque, desvio, esbulho, expropriação, extorsão & fiscalidade, fraude, furto & impostos, inflação, latrocínio & nacionalização, peculato, peita, pilhagem, rapina, suborno, taxas municipais & audiovisuais e tributação. Que esta última pertence legitimamente à categoria é-nos assegurado por François-Marie Arouet (1694—1778), um dos filósofos patronos dos nossos esquerdistas mal pensantes, venerado sob o nome de Voltaire. Relata-se que 1 dia, viajando com 1 grupo de amigos por uma floresta especialmente densa e tenebrosa, entraram n1a estalagem à beira do caminho. Para dissipar medos, à ceia combinaram contarem, 1 de cada vez, 1a história de salteadores. Quando chegou à sua vez Arouet começou: “Era uma vez um Diretor Geral das Contribuições e Impostos.” Tendo parado aqui os amigos instaram-no a prosseguir, ao que ele respondeu: “Esta é a história de salteadores que vos tinha para contar.”
- Imitação: um híbrido de imaginação & apropriação; utilização de uma ideia ou descoberta alheia subaproveitada; modo eficiente de arranjar novas ideias & tecnologias; partilha unilateral; reconhecimento & elogio público da superioridade de outrem.
- Budismo: uma forma absurda de erro religioso segundo um manifestu recente da iliberal18; opinião de que Sua Santidade discorda na medida que o Budismo propõe uma espiritualidade bastante mais nublosa do que aquela que ele tem a honra de propor; foi introduzido no Japão, por volta de 552 DC, por uns monges coreanos; quando o souberam, os descendentes dos amigos & vizinhos do Gautama não se aborreceram, nem mesmo quando perceberam que os Japoneses começaram a adaptar a nova religião ao seu clima, ao ponto de hoje nos referirmos ao Budismo japonês como sendo um bicho bastante diferente de Budismo tout court.
- Sistema legal: processos e procedimentos para renovar, desvirtuar & evadir a lei e assim proteger os cidadãos dos seus direitos naturais & inalienáveis. O príncipe Osakabe, Fujiwara no Fuhito (藤原不比等; 659 –720), introduziu no Japão, em 701, o sistema legal chinês. Os chineses não protestaram nem fizeram manobras navais ou aéreas, nem mesmo quando os japoneses começaram a ajustar os códigos à sua maneira de ser, até à desfiguração completa do modelo original.
- Chá: infusão de sabor insipido que serve de pretexto para a ingestão de sacarose. É atribuído a Kūkai (空海; 774 – 835) a introdução do chá no Dai-Nippon e ainda ninguém se chateou, apesar de todas as inovações que os locais introduziram na produção e consumo da bebida. Para os entendidos, bastará referir que “A arte do chá” é um produto quintessencialmente japonês e que, para tornar a coisa totalmente insipida, os japoneses nunca põem assucar no seu chá.
- Proselitismo: lado da oferta no mercado das ideias religiosas e científicas; aquilo que, seguindo os passos de Nosso Senhor Jesus Cristo (“E disse-lhes: ‘Ide por todo o mundo, proclamai o evangelho a toda a criatura. Quem acreditar e for batizado será salvo; mas quem não acreditar será condenado.’” Mc 16, 15-16), e S.Paulo (“proclama a Palavra, insiste a propósito e a despropósito, repreende, admoesta, exorta com toda a paciência e doutrina”, 2 Tim 4, 2), Sua Santidade diz que os cristãos não devem fazer (“fazer proselitismo é algo pagão”).
- Evangélico: verdadeiro seguidor de Nosso Senhor Jesus Cristo; pessoa que evangeliza sem fazer proselitismo; grupo religioso em comunhão com Sua Santidade.
- Pagão: iluminado que prefere deidades de produção caseira e ritos religiosos autóctones aos produtos da globalização religiosa; pessoa que, nas palavras de Sua Santidade, faz proselitismo.
- Apropriação cultural: adoção de um costume, implemento ou forma de expressão de outra cultura, como por exemplo um cristão imitar um dos traços culturais do paganismo, como é o proselitismo, mas que não inclui a adoção pelo Vaticano dos ritos amazónicos de adoração a Pachamama.
- Aculturação: jargão eclesiástico para apropriação cultural, algo entre uma coisa má que se deve fazer e uma coisa boa que não se deve fazer.
- Revista: vista uma segunda vez; espécie de imprensa dedicada a noticiar não-novidades e que é lida pelos fans do déjà-vu e do passé.
- Mulher: pessoa com pénis que se identifica como sendo do género femininno; por enquanto ainda inclui aquelas pessoas com vagina que se identificam como sendo do género femininno; termo usado na alta antiguidade (i.e., até inícios do séc. 21) para designar bicho que vive nas imediações dos homens19, mas que não é domesticável; aquilo para que, segundo o poema de Peter Motteaux (1663-1718), com música de Henry Purcel (1659-1695) (“Man Is For the Woman Made”, Z605, 3, Deliciae Musicae, Vol. III, 1696), o homem foi feito:
“Man, man, man is for the woman made,
And the woman for the man;
As the spur is for the jade,
And the scabbard for the blade,
As for the digging is the spade,
As for liquor is the can,
So man, man, man is for the woman made,
And the woman for the man.”;
a questão de se as diferenças entre mulheres e homens são acidentais ou essenciais ainda não se encontra resolvida, mesmo após várias gerações de filósofos e biólogos peripatetas se terem debruçado sobre assunto; a jurisprudência17 moderna desconhece a definição do termo, e põe em dúvida se esta entidade será viavel fora dos laboratórios de biologia; termo usado por S. Gabriel na saudação angélica, e por este lexicografo nas suas obras, para designar o conjunto de toda a humanidade.
- “Women’s magazine”, na expressão da Wikipédia, editada por uma sra. Cruel que, ao contrário dos gregos, não acredita que a beleza possa ser uma caraterística masculina.
- Género: o sexo das palavras; segundo a teoria de género, o feminino (e.g., a polícia) é repressora do masculino (e.g., o crime), e não apenas repressora, mas também exploradora (tal como nas relações empresa-trabalhador, mulher-marido, etc); na gramática japonesa não há distinções nem de número (singular ou plural), nem de género (feminino ou masculino), facto que prova a teoria woke de que é necessário eliminar essas distinções nas línguas românicas & anglo-saxónicas para se poder assim atingir o nível de igualdade de género já conseguido, desde tempos imemoriáveis, na sociedade nipónica.
- Comissão para a Cidadania e Igualdade de Modo, de Tempo, de Número, de Pessoa, de Grau & de Género: polícia da moralidade gramatical e da equidade frásica, mais conhecida como a MTNP2G+; enforcer de uma construção ideológica do burguesismo euro-americano que faz chineses e congoleses rirem-se desalmadamente.
- Mesmo durante o “período de reclusão”, ou sakoku-jidai 鎖国時代, entre 1639 e 1853, os japoneses continuaram a ler, ouvir, discutir e adaptar ideias e tecnologias estrangeiras, fator que sem dúvida potenciou o dinamismo com que reentraram na cena internacional durante a segunda metade do séc. 19.
- tap: transtornos aventuras e percalços, sarl, companhia pública portuguesa, a mais importante STV20 nacional, especializada em oferecer uma vasta gama de experiências memoravelmente desagradáveis, especialmente em terra mas também no ar, conhecida pela sua pontualidade nos atrasos, previsibilidade nos cancelamentos inesperados & consistência na não devolução da bagagem à chegada; a sua liquidação seria um desastre para a nossa identidade & national branding, já que é a organização que melhor representa a nossa simpatia, competência e eficiência nacional a nível internacional. A confusão frequentemente feita de que a tap será um organismo público, tal como o são a Direção Geral do Tesouro & Finanças ou a MTNP2G+, é apenas mais uma prova do estado de disfuncionalidade da relação entre a nossa nação e o “nosso” estado.
- Iliberal: pessoa que é compelida pela evidência a acreditar no livre arbítrio, do que resulta a sua incapacidade ontológica de rejeitar essa doutrina; membro da IL(iberal), uma fação revisionista e dissidente do be que, parlamentarmente, se senta, e sente bem, entre os socialistas e os sociais-democratas mas que, em termos culturais & legislativos continua a deitar-se com o be.
- Homem:pessoa com vagina que se identifica como sendo do género masculinno; por enquanto ainda inclui aquelas pessoas com pénis que se identificam como sendo do género masculinno; termo usado na alta antiguidade (i.e., até inícios do séc. 21) para designar uma das duas configurações com que que os Homens vêm a este mundo, nus para evitar confusão na classificação, verificável (pensava-se, à época) nos órgãos reprodutores e determinada pelo DNA; descobertas cientificas recente infirmaram que esta divisão se fundamente corporeamente no baixo abdómen e demostraram que se encontra realmente no córtex pré-frontal em dois neurónios de tipo x e y que determinam o género; pessoa com características estruturais, funcionais e comportamentais inferiores à média; no hétero-patriarcado branco, aquele que serve de sustentador e provedor, sendo classificado como ‘bom’ ou ‘mau’ com base na capacidade da mulher vestir Chanel ou outro trapo de marca; membro da espécie animal Homo Sapiens, espécie que, nos intervalos em que trabalha pela extinção dos seus semelhantes, se ocupa da preservação das outras, como sapos, cobras e lagartos; apesar de todos os esforços para se autoextinguir, a espécie prospera com tanto vigor que já infeta toda a terra habitável e a Espanha, pondo em causa a sustentabilidade ecológica da mãe terra; membro daquela espécie animal que, ao contrário de todas as outras, incluindo felinos e canídeos, se preocupa mais com aquilo que quer ter ou quer parecer do que com aquilo que deve ser; elemento da única espécie conhecida que é geradora do artificial, da artificialidade, do que não é natural e do que é antinatural, de onde se destaca o ekologismo, o warxismo e o wokismo; Humanidade, isto é, homens e mulheres, se bem que algumas escolas de pensamento, como o Budismo, considerem que só homens podem ser homens e que só eles têm acesso ao Jōdo 浄土, o Paraíso da Terra Pura, sendo que as mulheres têm que reencarnar antes como homens neste mundo para depois lá poderem serem admitidos. Como será operada a reencarnação da última mulher como homem, para poder ter acesso ao paraíso de Amida, é uma questão que ultrapassa a competência e não cabe no estreito vaso do engenho deste lexicografo.
- STV: acrónimo para Special Transference Veicle. VET21 em português.
- VET: veículo especial de transferência; mecanismo de remuneração de girls e outros estadistas que, abnegadamente, prestaram ou, menos frequentemente, espera-se venham a prestar serviços de excecional valor ao estado pelos quais não foram, ou não serão, adequadamente remunerados pelos salários regimentados no Diário da República; estiveram em uso também na estranja, mas ultimamente caíram fora de moda; o que levanta a questão: Qantas vezes mais o nosso estadu ainda injetará dinheiro na tap?