O 25 de Abril é dos portugueses. Não é propriedade seja de que governo for nem propriedade partidária por muito que tenha sido e continue a ser apropriado pela esquerda e pela esquerda radical. Se o 25 de Abril tivesse donos, não seriam, com toda a certeza, os partidos de ideário não democrata, ou as personalidades anti-democráticas de 74 ou de hoje, por muito que se enfeitem de cravos ou de condecorações. É nosso e devemos reivindicá-lo. Cada um de nós. Foi uma revolução de matriz democrática, e foi também e é ainda uma ideia de liberdade que se dilata enquanto se a vive. E nunca mais do que agora essa liberdade maiúscula, valor e inspiração de Abril, se viu tão ameaçada.

Em 1974, Francisco Sá Carneiro, democrata, liberal, europeísta, convidou Paulo de Carvalho, voz-senha para o 25 de Abril, e o maestro José Calvário para fazerem o hino do PPD. Foi o primeiro hino e continua a ser o que todos sabemos de cor: paz, pão, povo e liberdade; todos sempre unidos no caminho da verdade. As questões que hoje ponho são: onde está essa verdade de Abril? E o PSD onde está?

Pus-me a pensar nisto após a tomada de posse do velho governo com um novo verniz. Já maioritário e livre de constrangimentos comunistas e bloquistas, mas com um mau começo não surpreendente: o trânsito nas costumeiras portas giratórias do poder entre as quais o ISCTE é um dos endereços conhecidos. Acrescem as políticas previsíveis e até, para fazer pendant, velhos orçamentos para novas circunstâncias. E, muito mais grave, com um PRR, carta de intenções, para a manutenção e aumento de um estado golíaco sem David que nos salve quando, fundamental, seria substituir o clássico situacionismo socialista por uma agenda reformista, estruturalmente reformista. E concluí: aquela verdade de Abril de paz, pão, povo e liberdade está na Suécia – exemplo eterno, pelos menos desde Pompidou, e a despeito da recessão do início dos anos 90. Na Suécia, o estado social, estado providência, funcionou: foi o grande corrector das desigualdades; o garante de saúde e educação de qualidade para todos; garante de alta empregabilidade; de uma fortíssima classe média. A própria crise dos anos 90 serviu de motor para a profunda reforma do estado sueco, demasiado pesado, sem alimentar a epítetos de «facho» o governo aquando das privatizações e da flexibilidade laboral. A nossa social democracia enraíza-se no tronco comum dos socialismos, ou seja, nasceu marxista. A social democracia sueca nasceu na igreja, reforçou-se com a industrialização e o capitalismo, e cresceu pró-mercado. Se o estado social teve modelos eficazes e com capacidade de adaptação à realidade económica, o sueco foi um deles. O nosso faliu – alguém avise o PS, se faz favor.

O desfasamento entre quem governa, para quem governa e quem é governado, rasga a cada dia as fibras do tecido social: a eleição francesa mostra o que não queremos ver, o que tem sido dito repetidamente, e vem antes da cisão autocracias-democracias, globalismo-nacionalismo: metade de nós não fala nem ouve a outra metade de nós. A América de Trump fala com a França de Le Pen e com parte do eleitorado de Mélenchon. Mas a América de Biden quando lhes fala não os ouve. Nem a França de Macron. No entanto, há um patamar para além das castas governantes e governados que é comum, é singelo, é a base ignorada não apenas do discurso, mas da acção: paz, pão, povo, liberdade. Não é esta a fórmula a partir da qual se pode pensar o pluralismo? Onde há exclusão de povo e de pão, mais cedo que tarde, haverá exclusão de paz e de liberdade.

Nascido do 25 de Abril, o PSD faz parte do nosso passado democrático tanto quanto do nosso futuro e as «notícias da sua morte», como demonstraram Luís Montenegro e Jorge Moreira da Silva, como antes o fez Carlos Moedas, «são manifestamente exageradas». Apesar das dificuldades que qualquer um dos candidatos, quando vencedor, terá de enfrentar: desde um governo maioritário a um grupo parlamentar rioísta; disputar o espaço político com a Iniciativa liberal e conter o Chega. Regressando à matriz do partido, o PSD estará ao serviço dos valores plurais do 25 de Abril. Liderar a oposição por vezes é liderar a democracia.

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