Cautela, leitor do Observador! Andam aí fascistas! Só neste jornal, contei já uma dúzia. Os fascistas são muito fáceis de identificar. Faça o teste: abra um artigo sobre a cerimónia do 25 de Abril e leia o primeiro parágrafo. Estará na presença de um fascista se, como todos os seus congéneres ao longo da história, o autor questionar quem manda. Todos sabemos que um dos traços distintivos do fascismo é o crítica da autoridade. Justamente o que a falange de fascistas lusos está a fazer, ao protestar contra o facto de o Presidente da AR querer manter uma celebração com convidados, numa altura em que o resto dos portugueses estão proibidos de se juntarem para celebrar seja o que for. No fundo, reivindicando que quem governa se deve submeter aos mesmos deveres do povo. Mesmo à fascista.
Dos fascistas que, de uma forma ou de outra, colocaram reservas fascistas à comemoração do 25 de Abril, destaco três, porventura os mais pérfidos.
O primeiro é Ricardo Mexia, o fascista que preside à Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública. Segundo Mexia poder-se-ia ter encontrado outra forma de celebrar o 25 de Abril que não envolvesse uma concentração de pessoas, até porque a exceção pode abrir um precedente para que outras entidades ou pessoas possam querer, também, promover concentrações de pessoas. Disse-o em entrevista à também fascista Rádio Observador, numa redundância de fascismos que devo sublinhar
É preciso ter lata. O Presidente da Associação dos Médicos de Saúde Pública quer convencer-nos que está preocupado com a Saúde Pública? Vá enganar outro. Já se garantiu que as questões de segurança e de higiene serão cumpridas. Aliás, não é à toa que o 25 de Abril é “o dia inicial inteiro e limpo”: por metonímia, a limpeza de que Sophia fala inclui a desinfecção com Álcool Gel. Portanto, o problema do fascista Mexia não é a Saúde Pública. A coberto dessa preocupação, pretende introduzir no debate – de forma velhaca, como todos os fascistas que vieram antes – a questão da igualdade de direitos. “Debate” e “igualdade de direitos”, dois dos temas predilectos dos fascistas.
Outro fascista, quiçá mais perigoso, é João Soares. Confesso que nunca me enganou. Isto da defesa dos ideais democráticos está no sangue. O paizinho já era um perigoso paladino dos direitos iguais, é natural que esses genes fascistas tenham passado para o filho. Fascistamente, João Soares critica em público a Assembleia da República, divergindo do seu Partido – um costume também ele fascista, o de ser independente e pensar pela própria cabeça, não alinhando nas posições oficiais da agremiação. Soares diz que é um indefectível do 25 de Abril, o sonso, tentando insinuar que se pode ser contra esta celebração e os moldes em que é feita, sem se ser contra o 25 de Abril. Mas não convence ninguém, como é óbvio. Odeia o 25 de Abril. Como o pai, antes dele.
João Soares só não é o fascista mais fascista deste episódio fascista, porque ainda há o Coronel Vasco Lourenço. Capitão de Abril de 74, fascista de todos os meses desde então, Vasco Lourenço resolveu sugerir que a AR exagerou no número de convidados, num dos mais vis ataques que o fascismo se atreveu a fazer esta semana. Como se houvesse alternativa ao que foi decidido pelo Presidente da AR, como se fosse possível organizar uma cerimónia que respeite as limitações a que estão sujeitas quaisquer outras cerimónias durante o Estado de Emergência. Como se fôssemos todos iguais.
(Há ainda o caso do General Ramalho Eanes, que discorda da modalidade da celebração, mas ainda assim vai estar presente. Não é, evidentemente, um fascista. A sua postura institucional faz com que seja apenas um semi-fascista).
Só por aproveitamento político é que um cientista, um histórico do Partido Socialista, um Capitão de Abril e o primeiro Presidente da República da Democracia, se atrevem a ter esta atitude. Pode parecer exagero chamar-lhes fascistas, mas eles têm de saber que é impossível levantar objecções à forma como se celebra o 25 de Abril, sem pôr em causa o 25 de Abril. Começa-se por questionar o número de convidados e a oportunidade de juntar pessoas num momento em que uma pandemia impede ajuntamentos de pessoas, e depois? Critica-se o horário do início da cerimónia, a seguir contesta-se a ordem dos discursos, torce-se o nariz ao vinho usado para o brinde e, quando dermos por isso, está tudo a fazer a saudação romana e a procurar judeus para arreliar.
Deviam ter tido mais juízo. Sobretudo o Coronel Vasco Lourenço. Lamento, Coronel, mas não foi para se poder discordar de quem manda que o Coronel fez o 25 de Abril.
PS – Esta celebração do 25 de Abril é, provavelmente, a mais importante dos últimos anos. Ao fim de 46 aniversários, é natural que tenhamos vindo a esquecer as razões pelas quais, em 1974, um grupo de corajosos militares derrubou a ditadura. É essencial recordar. Obrigado, por isso, a todos os que, arriscando também a própria vida (ainda mais, aliás, porque o coronavírus disfarça-se melhor que a PIDE), se vão reunir na AR para lembrar aos portugueses o que são decisões arbitrárias tomadas por uma elite governativa que acha que não tem de respeitar as regras que se aplicam o povo. Duas horitas de regresso ao passado, para depois darmos valor ao que temos. Obrigado, heróis!