Volta e meia, o deputado socialista Ascenso Simões é notícia. Quando passa algum tempo sem se ouvir falar nele, Simões diz ou faz qualquer coisa bizarra que provoca alvoroço na comunicação social e o mantém, durante 15 dias, na actualidade informativa – ou, como se diz agora, nas trends. Como uma criança a quem os adultos não prestam a atenção de que se acha merecedora, de vez em quando Ascenso Simões põe os pés na mesa e começa a tirar macacos do nariz. Segundo os pedopsiquiatras, o melhor é ignorar e esperar que se canse.

A tirada mais recente é a de que foi uma pena não se ter derramado sangue no 25 de Abril e, também, que se devia demolir o Padrão dos Descobrimentos. Como se comprova, estamos perante um polemista. E a parte a sublinhar é “mista”. É nela que Ascenso se destaca. Se, no início, todo ele é fervor, acaba sempre a deitar água na fervura, sem concluir a bravata. Matar no 25 de Abril? Afinal, não! Era metáfora, justificou. “Morte”, sim, mas no sentido de corte epistemológico.

E, seja por epistemologia ou pela mais prosaica miúfa, a verdade é que Simões tem o hábito de se cortar. Há um ano, repetindo o domínio das figuras de estilo, fez uso de elegante perífrase (“qual é a sua esquina?”) para chamar rameira a uma utilizadora da rede social Twitter. Depois das críticas ao facto de um deputado se dirigir a alguém nestes termos e em público, recuou. Lá está, cortou-se: disse que a conta não era dele e, cobardemente, apagou-a.

Noutra ocasião, também no Twitter, mandou umas bocas ao FC do Porto. Como é normal quando o tema é futebol, foi insultado, pelo que acabou por se cortar novamente ao confronto: arrumou o rabinho entre as pernas e escreveu a Pinto da Costa uma carta de desculpas.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Já nas legislativas de 2015, era então director da campanha do Partido Socialista, descobriu-se que os desempregados por causa de Passos Coelho, que davam testemunho nos cartazes do PS, afinal não eram desempregados por causa de Passos Coelho. Aliás, nem sequer eram desempregados: eram funcionários de uma Junta de Freguesia do PS. Mais uma vez, Simões cortou-se e demitiu-se.

Para ser justo, tenho de admitir que nem sempre Ascenso Simões se desdiz. Há controvérsias em que não vira a cara a luta.

Por exemplo, quando protestou por Cavaco Silva não condecorar José Sócrates. Aliás, considerou-se pessoalmente ofendido por isso, pelo facto de ter feito parte do Governo de Sócrates. Ou quando se mostrou solidário com Carlos César e com os seus familiares – nomeadamente, aqueles a quem o Presidente do PS dá emprego – por estarem a ser vilipendiados na comunicação social que não papa nepotismos. Ou ainda quando defendeu Rocha Andrade, um dos governantes socialistas que se demitiram por aceitar viagens ao Euro2016, argumentando (desta não há registo, foi-se quando a conta do Twitter foi apagada) com superior lógica que: “‘A Galp não pagou o bilhete a Rocha Andrade. Convidou Rocha Andrade e este aceitou.”

Descobre-se aqui o padrão: sempre que Ascenso Simões profere declarações explosivas em defesa de um camarada socialista, é para lhe limpar a imagem. Faz “bang!”, sim, senhor, mas no sentido do detergente Cillit Bang. Digamos que, se o explosivo é a nitroglicerina, a ênfase está na glicerina, utilizada enquanto sabonete. Normalmente, usando a esfregona da acusação do fascismo, que Simões maneja com desenvoltura.

Um deputado do CDS quer ter acesso a documentos sobre Tancos, é fascista. Paulo Rangel critica o Governo em Bruxelas, é fascista. Até um popular, vizinho da Assembleia da República, tem uma altercação de trânsito com Ascenso Simões e é fascista. Deve ser isto a que os académicos se referem quando falam no “ascenso dos fascismos”. Desta feita, trata-se do Padrão dos Descobrimentos que também é fascista. Ora, como ficou demonstrado, mais do que a ser uma obra do Estado Novo, a acusação de fascismo deve-se ao facto de o monumento atacar o PS.

Um ataque particularmente desagradável, diga-se. No Padrão estão representados governantes, cientistas, navegadores, líderes espirituais e cronistas, que, no séc. XV, traçaram um projecto com objectivos ambiciosos para Portugal, organizaram o plano e executaram-no com sucesso. Se eu fosse deputado do partido que governa o país há quase 30 anos, que nem sequer é capaz de coordenar uma compra de computadores para crianças, também me irritava por ter de levar com um lembrete de aselhice com 50 metros de altura, sempre que passasse por Belém. Mais do que um Padrão, aquilo é um post-it que diz: “Não esquecer: neste país é possível fazer coisas bem feitas.” Percebe-se que Ascenso Simões o queira rasgar.