É uma regra conhecida da estatística: se torturarmos os números, eles dirão o que quisermos ouvir. Mas há outra regra menos conhecida: se atirarmos os números para o ar, eles acabarão por desvendar aquilo que não queríamos que se soubesse. Talvez seja esta a lição a extrair da entrevista do Ministro da Educação à Agência Lusa, na qual informou com satisfação que o custo por aluno aumentou 30% desde 2015, de 4700 para 6200 euros. Só que as notícias podem não ser assim tão boas. Vamos por pontos.

1 Comecemos por compreender o que se passa: se o orçamento aumenta e o número de alunos diminui, então o valor disponível por aluno torna-se maior. Eu faço o desenho: se o bolo é maior e há menos gente a comer, cada fatia fica mais gorda. Isto pode ser vendido como bandeira política, mas é somente lógica. No pós-crise, o orçamento inicial do Ministério da Educação aumentou cerca de mil milhões de euros entre 2016 e 2021 — de 6 mil milhões para 7 mil milhões de euros. Se o ano de referência for 2015, o aumento acresce ainda em 400 milhões de euros. Ora, por razões demográficas, desde 2015, o sistema educativo perdeu um número significativo de alunos. Em 2015, eram 912 mil (total), dos quais 853 mil no ensino regular. Em 2020 (os últimos dados disponíveis), eram 833 mil no total e apenas 804 mil no ensino regular. Ou seja, em números redondos, o ensino regular perdeu 50 mil alunos neste período. Lá está: se há mais dinheiro e menos alunos, então o valor por aluno aumenta. Quem não soubesse que isso estava a acontecer há anos, só poderia estar mesmo muito distraído. E só pode surpreender o entusiasmo do Governo com este custo por aluno.

2 Se não há surpresas quanto ao valor, também não deve haver surpresas quanto à razão dos aumentos orçamentais: despesas com pessoal. Nenhuma rubrica orçamental teve maior peso do que esta. Entre 2016 e 2021, olhando apenas aos orçamentos iniciais, as despesas com pessoal aumentaram precisamente mil milhões de euros — 1051 milhões para ser exacto, de 4086 para 5138 milhões de euros. Houve outras rubricas que conheceram aumentos — por exemplo, o pré-escolar. E houve rubricas onde as verbas orçamentais diminuíram — por exemplo, o financiamento aos colégios com contratos de associação. Mas, tudo somado, foram as despesas com pessoal a principal razão para o aumento das verbas, cada vez mais importantes no orçamento do ministério — em 2016, os salários correspondiam a 70% do total orçamentado, em 2021 correspondem a 73%. Ou seja, entre descongelamentos, acertos salariais e mais contratações, o Ministério da Educação engordou enquanto o número de alunos diminuiu. Os números do emprego público confirmam: há mais 15 mil funcionários no Ministério da Educação desde 2015 até hoje (172.385 em 2015, 187.390 actualmente) dos quais cerca de 10 mil são docentes do ensino básico e secundário.

3 Isto justifica euforias? Os resultados dirão. Em si mesmo, gastar mais dinheiro não garante melhoria da aprendizagem. Está mais do que demonstrado pela investigação que não existe relação causa-efeito entre a injecção de mais recursos no Ministério da Educação e a melhoria dos desempenhos dos alunos. Isto é, não basta atirar dinheiro ou recursos para cima dos problemas, é necessário assegurar que os investimentos são alocados onde mais fazem falta e onde mais contribuem para o desenvolvimento das crianças. E é preciso que esses resultados apareçam. Ora, na avaliação dos governos PS desde 2015, é a validez das suas opções estratégicas e políticas que está por demonstrar. E, por enquanto, os dados internacionais que temos para nos orientar nessa avaliação (como o TIMMS 2019) não jogam a favor do Governo.

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4 Explicados os dados, vamos agora às conclusões que os 6200 euros por aluno suscitam. A primeira é esta: o Ministério da Educação está cada vez maior, mas nada nos mostra que a Educação esteja cada vez melhor. As avaliações internacionais lançam avisos. As avaliações nacionais, como a que o IAVE aplicou como diagnóstico em Janeiro deste ano, revelam lacunas de aprendizagem que são tão alarmantes quanto profundas. E, de resto, a pandemia expôs de forma categórica vários problemas estruturais que tardam em ser devidamente enfrentados: falta de apoio sustentável aos alunos em risco de insucesso escolar, o predomínio das desigualdades sociais como previsor de desempenho escolar, um recurso sistemático a explicações que aumenta desigualdades sociais, equipamentos obsoletos nas escolas e incapacidade de satisfazer necessidades dos alunos atempadamente. Afinal, o aumento do custo por aluno serviu para quê?

5 A segunda conclusão é que os argumentos políticos baseados em dimensões conjunturais têm perna curta. Dito de outro modo: convém ver tudo e não olhar apenas para o que nos interessa. O ministro da Educação congratula-se com o que qualifica de “aumento brutal” face a 2015 do custo por aluno (+30%). Mas há um outro ângulo menos favorável para escrutinar o reforço orçamental na educação. Como vimos acima, o contexto actual é de queda demográfica, o que ajuda a explicar a subida do valor por aluno. Só que, além disso, o contexto também é de crescimento económico. E, em % do PIB, a educação tem perdido espaço nas prioridades orçamentais. Recorde-se que em 2019, o último ano pré-pandemia, o investimento na Educação equivaleu a 3,5% do PIB, que foi o valor mais baixo desde 1987. E mesmo que se olhe para o PIB per capita, o aumento está longe dos 30% — fica nos 17% (2015-2020).

6 A terceira conclusão é que, por comparação, o custo por aluno nas escolas estatais se tornou bastante mais elevado do que o custo anual das propinas nos colégios mais prestigiados — que variam entre os 4500 e 5500 euros. E, aqui, o ministro da Educação, apesar de apenas ter dito o óbvio, abriu a caixa de pandora de uma questão que lhe dará várias dores de cabeça. Obviamente, a comparação não pode ser aplicada directamente e sem filtros — por exemplo, a realidade dos colégios e as necessidades educativas dos seus alunos diferem frequentemente do que se vivencia nas escolas estatais. Mas mesmo dando algum desconto na comparação, a distância dos custos tornou-se demasiado grande para disfarçar dois problemas.

Um problema político — a batalha ideológica contra os contratos de associação foi travada sob o pressuposto de poupança de dinheiro, por a oferta estatal ser mais barata, quando afinal os dados actuais mostram o contrário. A partir de agora, usando dados do próprio Governo, financiar a frequência dos colégios será uma forma de poupar dinheiro (e, em alguns casos, promover melhorias de desempenho dos alunos). O que leva a um problema de legitimidade — sabendo-se que o custo por aluno nas escolas estatais supera o dos colégios com maior procura, o Governo legitimou que as famílias exijam muito melhores condições de aprendizagem na rede estatal. Ser mais caro e pior tornará sempre os resultados difíceis de engolir por parte das famílias: se há quem faça melhor e mais barato, há um problema de administração e competência.

7  O balanço final é este: ao gabar-se de um custo de 6200 euros por aluno nas escolas estatais, o governo contrariou-se politicamente, elevou a pressão sobre si mesmo para a apresentação de resultados e legitimou quem defende o financiamento público à frequência dos colégios. 6200 euros por aluno é tão caro que, simplesmente, as escolas públicas ficaram obrigadas a subir a fasquia.