Neste ano ocorre o 900º aniversário do 1º Concílio Ecuménico de Latrão, que começou a 18 de Março de 1123 e terminou a 6 de Abril, sendo Papa Calixto II.

São João de Latrão é a catedral do Papa enquanto Bispo de Roma, embora a Basílica de São Pedro, no Vaticano, seja mais conhecida, pela sua beleza e pelo facto de os Papas residirem nas suas imediações. Nem sempre foi assim porque, antes, moraram no Quirinal, que é agora a residência oficial do Presidente da República italiana, e mais antigamente, até à sua ida para Avignon, os sucessores de Pedro viviam junto à “Santíssima Igreja de Latrão, de todas as igrejas da cidade e do mundo, mãe e cabeça“. A estas duas basílicas romanas, há ainda que acrescentar as de São Paulo extramuros e a de Santa Maria Maior.

Só o Papa pode convocar concílios ecuménicos, ou seja, assembleias em que participam todos os bispos da Igreja católica. Até finais do primeiro milénio, antes do grande cisma que dividiu os cristãos em católicos e ortodoxos, no ano 1054, os concílios ecuménicos realizaram-se na Ásia Menor, onde estavam as mais antigas e prestigiadas sedes patriarcais: Jerusalém, Constantinopla, Antioquia, etc.

Os concílios ecuménicos eram convocados pelo Papa, que a eles presidia, por vezes através de Legados pontifícios. Nenhuma decisão conciliar, mesmo que aprovada por unanimidade, é válida se não for ratificada pelo Santo Padre.

Os concílios tinham por objectivo resolver questões doutrinais e pastorais. O primeiro foi o de Jerusalém, no ano 50. Frente aos que queriam impor as leis judaicas aos pagãos convertidos ao Cristianismo, prevaleceu a opinião contrária, defendida por São Paulo, em defesa da liberdade cristã.

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Nos três primeiros séculos, a Igreja foi perseguida pelos romanos e, por isso, não era possível reunir um concílio ecuménico dentro das fronteiras do seu império, que era também o território habitado pelos cristãos. De facto, as autoridades romanas poderiam aproveitar essa ocasião para, de uma assentada, privar a Igreja de todos os seus bispos. Só pelo édito de Milão, no ano 313, o Imperador Constantino reconheceu a liberdade religiosa aos fiéis, que deixaram de ser perseguidos, possibilitando-se assim a organização de concílios provinciais e ecuménicos.

Nos Concílios de Niceia e Calcedónia definiu-se a dupla natureza – divina e humana – da única pessoa de Jesus Cristo e, no 1º Concílio de Constantinopla, declarou-se o carácter pessoal e divino do Espírito Santo. No Concílio de Éfeso proclamou-se o dogma da maternidade divina de Maria.

O 1º Concílio de Latrão foi, como se disse, o primeiro celebrado no Ocidente, porque ocorreu já depois do grande cisma do Oriente, que pôs termo a um milénio de unidade cristã. Desde então, co-existem duas Igrejas: a católica, que, por sua vez, está subdividida em latina e oriental; e a ortodoxa, que não tem uma chefia universal.

Três principais questões foram abordadas pelo 1º Concílio de Latrão: a chamada questão das investiduras, a simonia e o celibato sacerdotal na Igreja católica latina. A primeira tinha que ver com as pretensões dos senhores temporais, que queriam ter o direito de prover as sedes episcopais e as principais abadias. A questão ficou resolvida em 1122, na Dieta de Worms, e foi confirmada um ano depois, no 1º Concílio de Latrão, que reconheceu ao Papa a competência exclusiva no que respeita às nomeações eclesiásticas, e ao monarca a jurisdição relativa às terras de que o clero era proprietário.

A simonia consiste na compra de ofícios eclesiásticos, prática que a Igreja sempre repudiou. Por isso, o 1º Concílio de Latrão decretou: “Proibimos absolutamente […] que alguém na Igreja de Deus seja ordenado, ou promovido, por dinheiro. Se alguém tiver comprado deste modo, na Igreja, uma ordenação, ou promoção, seja totalmente privado dessa dignidade.

Mas o decreto conciliar mais importante foi, sem dúvida, o que estabeleceu, desde então, na Igreja católica latina, a obrigatoriedade do celibato sacerdotal: “Proibimos absolutamente aos sacerdotes, diáconos e subdiáconos, conviverem com concubinas ou com esposas e coabitarem com outras mulheres que [… não sejam] a mãe, a irmã, a tia paterna ou materna, ou outras semelhantes, a respeito das quais honestamente não possa haver nenhuma suspeita.

A lei do celibato sacerdotal não foi uma invenção conciliar: Jesus de Nazaré viveu sempre celibatário, como os apóstolos, embora Pedro tivesse sido casado. Alguns dos primeiros cristãos também fizeram essa opção, como São Paulo. Depois, é certo, a Igreja católica, tanto no Oriente como no Ocidente, fez a experiência de ordenar padres homens casados, embora sempre tenha havido sacerdotes celibatários, como o foram igualmente todos os religiosos. Como não foi satisfatória a experiência dos casados ordenados padres – nunca houve, no Ocidente nem no Oriente, casamentos de padres –estes foram progressivamente substituídos por sacerdotes celibatários que, na sua total entrega a Deus e ao próximo, reproduzem mais fielmente a vida e o exemplo de Cristo.

Que a existência de padres casados foi efémera e infeliz, prova-se pelo facto de o Concílio provincial de Elvira, na Hispânia romana, ter, já no ano 300, exigido aos sacerdotes católicos que fossem solteiros ou, se casados, praticassem a abstinência conjugal. Com efeito, no seu cânone 33, decidiu “proibir totalmente aos bispos, presbíteros e diáconos, e a todos os clérigos que exerçam o ministério” qualquer relação sexual, obrigando os que eram casados a “que se abstenham dos seus cônjuges e não gerem filhos”, sob pena de serem demitidos do estado clerical: “quem o faça seja afastado da honra de ser clérigo”. Ou seja, já então constava a conveniência, em termos pastorais e pessoais, do celibato, porque essa foi a condição de Jesus, com quem o padre está sacramentalmente identificado, sendo assim outro Cristo e, até, o próprio Cristo: alter Christus, ipse Christus.

Aliás, também no Oriente, embora mantendo a ordenação sacerdotal de homens casados, prevaleceu esta preferência, pois não só todos os religiosos são celibatários, como a plenitude do sacerdócio, o episcopado, só é concedida aos padres não casados.

Quase mil anos depois do 1º Concílio de Latrão, há agora quem, talvez por ignorância, pretenda o regresso ao celibato optativo na Igreja católica de rito latino, esquecendo que o sacerdócio já é opcional e, portanto, também o celibato respectivo.

Para justificar essa reforma, também se diz que a obrigação do celibato eclesiástico favorece os abusos de menores. No entanto, só uma ínfima minoria de padres incorreu nesse crime, que é também um gravíssimo pecado, pois a esmagadora maioria dos sacerdotes celibatários são exemplares nesta matéria. Por outro lado, se todos os padres, pedófilos e não pedófilos, são, por igual, solteiros, como concluir que a culpa é do celibato?! Pela mesma razão, ou falta dela, como a quase totalidade dos reclusos são casados, dever-se-ia concluir que o casamento potencia a delinquência… Pela mesma ordem de ideias, sendo mais frequentes os casos de pedofilia nas famílias do que no clero, o casamento dos padres não só não iria diminuir os abusos de menores como, pelo contrário, potenciá-los pois, ao surgirem mais famílias, mias hipóteses haveria de crimes dessa natureza.

Por último, pretender que um tal retrocesso representaria um progresso é, na realidade, uma contradição histórica, que afastaria o sacerdócio católico do exemplo de vida de Cristo e implicaria uma anacrónica regressão eclesial de, pelo menos, 900 anos.