António Costa será recordado na história por ter conseguido duas inovações no sistema eleitoral: 1) a de que a constituição do governo é realizada pela maioria parlamentar e não pelo candidato do partido mais votado e 2) por secar a alternância democrática, fazendo do PS o único partido com capacidade eleitoral de formar governo.
Estas duas originalidades podem ser vistas por alguns como evoluções do nosso sistema eleitoral mas abrem caminho a uma profunda preocupação sobre o futuro da democracia portuguesa, prestes a ser descrita nos futuros manuais políticos e pela observação comum como a nova mexicanização europeia, considerando que o sistema só “consegue” na prática obter maioria com um só partido.
O PS demonstrou em duas eleições (2015 e 2022), com a ajuda de uma terceira eleição (2019) que ganha sempre, seja qual fôr o resultado eleitoral! Em 2015, com menos 4% dos votos que a coligação PSD/CDS, António Costa fez-se eleger primeiro-ministro com o apoio da esquerda parlamentar; Em 2022, fez-se eleger obtendo uma maioria absoluta, conquistada à custa da esquerda parlamentar e lançando um anátema sobre uma hipotética fascização do PSD através do apoio do Chega. E é aqui que Costa lançou a sua bazuca nesta eleição: dito de outro modo, o PS inflamou de tal modo o medo ao extremismo do Chega, com uma repetição ad nauseum desta tese para mobilizar eleitores para o PS, afinal o único que era capaz de evitar uma pretensa vitória do PSD, pois esta vitória estaria contagiada por um virus sem vacina que é o suposto terror de André Ventura, equiparado a partidos neo-nazis e com novos deputados já apelidados de “racistas”. Ironia, pois Costa fez com o Chega algo parecido com o que Salazar fez nos anos trinta com o comunismo, consolidando através do medo a sua liderança no Estado Novo durante a Guerra Civil de Espanha.
Bastou a Costa pressentir que poderia perder a eleição através de inúmeras sondagens que o remédio para esse empatão foi insuflar com agressividade um medo de novo tipo: a direita portuguesa tem dentro do seu campo um partido extremista, racista e anti-sistema, logo não é possível nunca mais governar à direita. Esta é a tese de que só o PS pode governar. Este, se perder votos da maioria do eleitores logo os recupera numa segunda volta parlamentar, ou se os ganhar nas urnas, esmaga os partidos à sua esquerda. É uma originalidade e um desafio para a política portuguesa e sobretudo para o PSD, que se arrisca a ser um eterno segundo partido, incapaz de cumprir a sua função de alternativa de governo.
A acreditar que o Chega veio para ficar, aglutinando todas as naturais expressões anti-sistema, os discursos populistas, as tendências para-repressivas ou os desejos mais musculados, o PSD terá que construir no seu interior uma estratégia eficaz que dê esperança a Portugal e assim limite o sucesso do Chega, pois o seu crescimento ajudará a mexicanização do sistema e ao prolongamento do PS na governação. Outra ironia, pois é Ventura o melhor aliado de Costa.
Vai ser preciso que uma nova liderança do PSD faça muito mais e seja muito mais atractiva para os eleitores moderados que no total representam agora cerca de 75% dos eleitores (PS+PSD+IL). A começar, por trabalhar medidas de crescimento da riqueza, com um líder que terá que ser capaz de saber explicar como se faz o blendpara fazer de Portugal um país mais rico através de uma combinação entre diversos packs aceleradores, de burocracia simplificada, fiscalidade à medida e agressividade nas metas. Um partido sem dogmatismos ideológicos, que resolva problemas, que seja capaz de navegar nas águas da esquerda com medidas corajosas como as de fixar tetos máximos nas volumosas pensões públicas de muitos, ou nas águas reformistas da direita lançando medidas agressivas na justiça onde tribunais administrativos e fiscais falham por lentidão. Um partido que não olhe como Rio olhava para a Cultura quando esta é um ecossistema económico e social fundamental para a vida comunitária ou para economia do turismo e do conhecimento. Um partido que saiba ser moderno, inovador e eco no que propõe; Um partido que pense em meter os serviços do Estado a trabalhar melhor, em fazer do SNS uma marca de orgulho nacional em vez de parecer que o difama, que na Educação saiba descentralizar e dar autonomia a municípios e comunidades que a desejam; Um partido que oiça a voz das novas gerações, que seja exímio numa transição digital ampla e perspicaz ao colocar à seria a ciência na nossa economia. Um partido que saiba potenciar e saiba derrubar com inteligência muros entre instituições ou territórios, ou de litoral e interior. Um partido e um líder que saibam demonstrar como fazer o país competir, projectar os seus portugueses e atrair as melhores empresas/indústrias e cidadãos a virem. Um país com fertilidade industrial, exemplo na agricultura de baixo carbono e com um turismo invejado.
O PSD tem quatro anos para construir esse partido e afirmar essa liderança. Será por isso fundamental que recupere o seu estatuto histórico de saber como ninguém federar muitas tendências e que demonstre que liberais, conservadores e sociais democratas fazem sentido juntos. Portugal perderá com purismos divisionistas e radicalismos unilaterais. Mais do que lutar ou aceitar o campo parlamentar da esquerda-direita, o futuro passa por saber construir esse caminho federador onde a bazuca do medo não tem que ser usada para ganhar eleições.