Parei hoje a ouvir o apelo do presidente do nosso partido, o PSD, a pedir para que o Conselho Nacional não aprove já a data das eleições directas para 4 de Dezembro, data que no dia anterior escutei ser a data proposta pelo próprio presidente Rui Rio, uma data aliás simbólica que reaviva Sá Carneiro entre nós.

Muitos dos que discordam de Rui Rio terão sempre reconhecido nele uma imagem de seriedade, o que naturalmente muito apreciamos. Ouvimos já hoje de manhã vários comentadores falarem em golpe de teatro, truque político ou até uma tentativa de golpe de Estado interno para se manter no poder, isto é, querer estar no sitio certo à hora certa.

Este estranho apelo de Rui Rio revela que afinal quem pensava que Rio admitiria sair por sentir uma vaga de perda de apoios internos muito relevantes admite apesar disso ser candidato do PSD a primeiro-ministro, nesse caso, escapando a eleições internas. Para que tal sucedesse era necessário comprovar não a hipótese de uma crise política mas a existência real de um chumbo orçamental e eleições daqui a três meses. Nesse cenário, que agora é de pura fantasia, Rio seria visto pelos portugueses como alguém que usou uma eleição nacional para fugir a uma eleição interna, antes até de conhecer os adversários. Tentar escapar a uma eleição interna para ir a uma eleição geral é pecado capital em democracia, pois a democracia só é legitimada por eleições.

Por conveniência teórica vamos admitir que esta fantasia de eleições antecipadas seria uma realidade. Mas afinal que estranheza existe na declaração inicial dos partidos de esquerda como o PCP e o Bloco? Mas alguma vez a versão inicial do OE foi assim aprovada? Só haverá eleições legislativas se o PS quiser e o PS não tem essa tentação pois seria castigado severamente por ser gerador de instabilidade política no país. O PCP e o BE querem negociar como sempre e atender às suas clientelas eleitorais e o PS não ceder este ano seria sinal de intolerância de Costa que o próprio não repetirá depois de perder Lisboa e muitas cidades há poucos dias.

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Mas nesse caso, o PSD deverá deixar de debater como deve ser alternativa e a sua liderança, por que razão? Logística? Três ou quatro meses é pouco tempo? Mas o presidente do PSD que agora terminará mandato deixa de fazer eleições internas normais porque vai haver eleições gerais? Quando as pretende fazer? Depois? Que português compreende isto? Que credibilidade terá Rio no futuro? Como o próprio aceitaria uma condição destas? Eu acredito que o OE vai ser aprovado à custa de cedências ao extremismo de esquerda como o tem sido sempre no passado e que não existe aqui nenhuma novidade ou facto político novo. Não entendo porque o PSD deve suspender as suas directas e muito menos não as realizar caso existissem mesmo eleições antecipadas. Creio que é até mais imperativo realizá-las já! Adiar marcação de eleições internas e até admitir não as realizar num cenário eleitoral nacional é um erro político grave

O argumento de Rui Rio é pobre politicamente pois invoca falta de “condições internas” do partido, o que não é verdade e tal não tem correspondência no passado. Então um PM nunca se poderia demitir do Governo porque o novo líder não teria tempo para ser eleito e concorrer, como aconteceu por exemplo no PS com a demissão de Guterres, ou, vimos bem o que nos custou não ter feito eleições internas e depois provocar eleições nacionais na saída de Durão Barroso em 2004. O argumento contra a realização de eleições, seja de que natureza for, é perigoso e tem custo democrático.

A existir eleições já abrir-se-ia uma nova oportunidade para os portugueses, mas também se abre no PSD para que os seus militantes escolham quem querem que seja o seu candidato e o seu programa. Retirar essa possibilidade aos militantes decapitaria toda a seriedade e credibilidade política de Rui Rio, cujo mandato agora termina.

A pergunta de hoje à noite no CN do PSD de adiar a marcação das directas não seria inocente se o presidente garantir que seja em que cenário for haverá a possibilidade dos militantes de escolherem o presidente do partido para o novo ciclo, seja com eleições antecipadas ou sem. Mas Rio já disse que no cenário de eleição antecipada será ele o candidato, e com isto a ser reafirmado, Rio dá razão a quem o critica de querer manter-se a todo o custo à frente do partido.

Caberá nesse caso fazer da decisão de hoje, que deveria ser por voto secreto, por implicar directamente uma decisão eleitoral, uma decisão de primárias às próprias directas feitas num órgão nacional do partido. É a primeira consequência deste inédito apelo de Rio e se ganhar acalentará uma segunda nova fantasia: a de que o PSD ficará sem dinâmica eleitoral interna. Alguém acredita?