270,4 mil milhões de euros. É este o montante da dívida pública no final de 2020. Podemos apontar o dedo à pandemia, mas o valor é este. Podemos dizer que ultrapassada a crise pandémica a economia entra nos eixos, que se não fosse a chegada de um fenómeno que lembra o diabo tudo seria diferente, a economia estaria a crescer e Costa e Marcelo continuariam a dançar no ‘Rock in Rio’ ao lado de Ferro Rodrigues. Cada um acredita no que quer e no que pode. Da minha parte prefiro olhar para a realidade que são 270,4 mil milhões de euros; 133,7% do PIB. É que não há economia que aguente. E como a economia somos nós e não a entidade abstracta a que os socialistas se gostam de referir, somos nós que não vamos aguentar.

Há dois acontecimentos que são o tique-taque desta bomba-relógio pronta a explodir a qualquer instante: o estado dos hospitais e a suspensão do ensino. Veja-se que, tanto num caso como noutro, o problema não é a sobrecarga nos hospitais nem o fecho das escolas, que são normais numa pandemia. O grave é que a sobrecarga acontece nos hospitais do Estado que, por razões ideológicas, não foi capaz de chegar a acordo com o sector privado da saúde. O grave sucede quando se proíbe o ensino das crianças porque o governo não quer que se perceba a desigualdade que existe no seio da escola pública.

O caso da compra dos computadores é paradigmático. O governo comprometeu-se a comprar 1 milhão e duzentos mil destes aparelhos, mesmo para crianças que estão na escola pública e cujos pais têm bons rendimentos. Crianças que têm em casa a sua PlayStation de última geração, no mínimo um bom televisor e iPads, por vezes um para cada membro da família, mas que frequentam a escola pública. Não critico a opção, mas não posso deixar de salientar que esta realidade demonstra que fazer depender o ensino das crianças (seja nas escolas privadas ou públicas) da entrega de computadores a toda a comunidade escolar é, além de disfuncional, profundamente injusto. A aquisição de computadores para toda a comunidade escolar é também desnecessariamente cara. Sobrecarrega a dívida pública (os alunos de hoje que a vão pagar amanhã se não se forem embora para fugirem à conta) e tira recursos que poderiam ser usados no apoio dos que verdadeiramente precisam. Porque a justiça, tal como a igualdade, não é abstracta, mas aplica-se nos factos concretos. Pressupõe presença e proximidade. Requer humanidade, não burocracia.

Revela também a confusão que por aí anda sobre o que significa igualdade. Esta não é tratar tudo por igual, mas igual o que é igual e diferente o que é diferente na medida da diferença. É algo muito mais complexo e difícil e, porque assim é, o Estado falha quando age de forma centralizada. A igualdade que cabe ao Estado salvaguardar não é o dar o mesmo a todos, mas a todos permitir igualdade de oportunidades. O direito de cada um poder singrar na vida não se garante através de proibições e impostos que punem o sucesso, mas com leis que não discriminam, tribunais que funcionam e garantem uma comunidade livre em que sabemos que o trabalho honesto não é posto em causa por medidas administrativas que, em nome do bem comum, visam fortalecer o poder político. Foi, aliás, o que acabou por acontecer com o apoio às empresas castigadas pela pandemia. Em vez de se terem reduzidos os impostos, medida que apoiaria todas as empresas por igual, optou-se por conceder subsídios, o que implica a feitura de um pedido, a sujeição a uma avaliação e o aguardar por uma resposta, como se existissem portugueses de primeira e de segunda. Como se coubesse aos funcionários do Estado (e não aos consumidores) a decisão de quais as empresas que podem existir e as que devem desaparecer.

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Uma das ironias do tempo presente é que se a dívida pública equivalesse a menos de 60% do PIB (como se percebeu ser necessário para que os países tirassem proveito de uma moeda forte como o euro) os problemas na saúde e na educação não seriam tão visíveis. Existiam, mas ultrapassavam-se. Infelizmente, nos últimos 5 anos, não se levou a sério a questão da dívida. Falou-se muito dela, é certo, mas com o intuito de, ao se falar muito do assunto, se limpar a consciência por não a resolver. Assim, fizeram-se cativações (na saúde), contou-se com a política do BCE e varreu-se o problema para debaixo do tapete. O resultado é uma economia parada e que até à pandemia só funcionava no único reduto que restava, que era o turismo. Fora daí o espaço de manobra é cada vez mais exíguo para quem queira investir e trabalhar mais do que o exigido. Tão assim é que quem pretenda levar para casa o fruto do seu trabalho, que é o salário ou o lucro, é titulado de egoísta; um oportunista que não aceita a igualdade que o socialismo traçou. Alguém com o desplante de se afirmar por si, de querer sobressair e, por via do seu sucesso, provar que os que não fazem como ele definharão enquanto aguardam pela igualdade.

Olhamos para os hospitais e para as escolas e vemos o que vai acontecer ao Estado depois da pandemia. Sem dinheiro, sem meios, totalmente dependente do oxigénio alemão (onde é que está a soberania de que a esquerda tanto falava?) a bomba-relógio será retardada tão-só enquanto Berlim permitir.

A única forma de se evitar o pior é deixarmos de odiar o lucro. Que não se permita que o governo encare a riqueza como um pecado, fruto da exploração do outro, mas como um prémio pelo trabalho, pelo risco e como uma forma de se criarem meios para que outros vivam melhor; que as medidas fiscais que não sejam encaradas como meros meios de o Estado aumentar a receita; que o rigor nas contas e um cuidado pelo concreto nas prossecução das políticas públicas permitam aos cidadãos levarem para casa o dinheiro que lhes pertence e que adquiriram com o seu trabalho. Estes princípios deviam ser sagrados.

Há uma década o país percebeu que não tinha dinheiro para mais investimento público. Estamos à beira de já não ser suficiente para as medidas de apoio social. Chegámos a este ponto mas ainda não chegámos ao ponto de questionarmos o socialismo que nos trouxe a este momento. É preciso desactivar a bomba cujo tique-taque se ouve cada vez que vemos passar uma ambulância ou olhamos para uma criança que se atrasa nos estudos. Sempre são 270,4 mil milhões de euros.