O PSD teve um líder, Rui Rio, que durante quatro anos e meio negava que o partido fosse de direita. Garantia que era de centro e nem sequer concedia a designação mais consensual do ponto de vista da ciência política: centro-direita. É inegável que, no espectro político nacional, o PSD é o grande partido de direita como — com as devidas distâncias históricas e geográficas — é o PP em Espanha ou o Partido Conservador no Reino Unido. Os líderes fazem oscilar o posicionamento do partido numa matriz invisível e, depois de Rio, não havia grandes dúvidas que Montenegro puxaria o PSD mais para a direita.
Na sua vida política, Luís Montenegro esteve sempre mais próximo do lado das causas da direita e até da ala mais conservadora do partido. Em 2004, quando a não-discriminação em função da “orientação sexual” foi colocada na Constituição, o então deputado do PSD assinou uma declaração de voto ao lado de Isilda Pegado e de mais 42 deputados do PSD (numa bancada que tinha na altura 105) que queria deixar claro que alteração não abriria caminho para o casamento entre pessoas do mesmo sexo ou adoção homoparental.
Sobre esse particular, dizia a declaração de voto, que os “institutos jurídicos, de secular formação, onde a complementaridade sexual entre homem e mulher são exigidos, não claudicam perante tal afirmação de igualdade” e que “estão entre estes institutos jurídicos o casamento e a adopção, cujos superiores interesses e pressupostos de facto não se compaginam com orientações sexuais que perfilhem a homossexualidade como forma de vida.” O mesmo voto lembrava que o PSD firmava “convictamente o casamento como expressão de uma relação entre um homem e uma mulher, figuras parentais, que contribuem para o saudável crescimento dos filhos.”
No outono de 2013, Hugo Soares dava a cara por uma proposta de referendo à adoção por casais do mesmo sexo, mas Luís Montenegro, seu líder parlamentar e mentor, deu-lhe todo o respaldo possível. O Tribunal Constitucional travaria a proposta de referendo, mas em 2015 o próprio Luís Montenegro voltava à carga e admitia vir a incluir uma proposta de referendo no programa eleitoral do PSD nas legislativas desse ano. Quando a proposta para a adoção foi aprovada, Luís Montenegro, alinhado com Passos Coelho, deu liberdade de voto à bancada, mas em coerência com o que pensava votou contra a coadoção.
Ainda em julho de 2015, a bancada do PSD, liderada por Luís Montenegro, aprovou alterações à lei da Interrupção Voluntária da Gravidez que dificultaram o acesso ao aborto ao incluir, por exemplo, taxas moderadoras e outros obstáculos ao processo.
Já depois de chegar à liderança do PSD, Luís Montenegro defendeu um referendo à eutanásia. Ainda mais distendido, quando era candidato à liderança do PSD defendeu em entrevista ao Observador em maio de 2022 que votaria contra a despenalização da eutanásia e contra qualquer despenalização das drogas leves. Na mesma entrevista defendeu que a disciplina de Cidadania fosse despolitizada e deixasse de ser obrigatória: “[A disciplina de cidadania] deve ser facultativa, completamente despolitizada e não deve ser usada com intuitos mais ou menos subreptícios como tem acontecido com os governos de esquerda.”
Ao longo da sua vida, sempre que teve de se posicionar em causas da direita, Montenegro nunca hesitou. Ficou sempre do lado mais conservador ou, no mínimo, menos progressista. Mais perto da direita do que do centro. E o mesmo se pode dizer relativamente à economia, tendo sempre um posicionamento mais liberal e menos estatizante — logo mais próximo da direita económica.
Mas o poder, ou o simples facto de estar próximo, fez Luís Montenegro colocar as causas da direita, senão na gaveta, no fundo do cacifo. Quando Paulo Núncio defendeu que a lei do aborto devia ser revertida logo que possível, Montenegro não só ficou furioso com o parceiro CDS como se apressou a dizer que era um “assunto arrumado” e colocou-lhe uma pedra em cima: “Não vamos mexer na lei do aborto”. Na pré-campanha das Europeias, já sem estar em causa a sua eleição, Montenegro disse ser contra a integração do aborto como um direito na Carta dos Direitos Humanos da União Europeia, mas, mesmo aí, alegou uma razão jurídica. Ou seja: destacou a conflitualidade entre o direito à autodeterminação da mulher e o direito à proteção da vida do nascido, mas não disse qual, na sua análise, prevalecia.
Agora que o seu Governo garantiu mínimos de estabilidade, assegurando um prazo de validade até ao verão de 2026, Luís Montenegro libertou-se das amarras e assumiu o seu lado mais direitista. Nem no programa eleitoral, nem no programa de Governo, constavam alterações à disciplina de cidadania. Mas Montenegro, no Congresso do partido do último fim-de-semana, garantiu “reforçar o cultivo dos valores constitucionais e libertar esta disciplina das amarras a projetos ideológicos ou de fação.” Foi o maior aplauso entre as sete medidas, com congressistas a levantarem-se, o que mostra que uma parte do partido estava sedenta de ter qualquer-coisa-de-direita do seu líder.
Para este novo ciclo, Luís Montenegro também trouxe uma postura mais securitária (logo, mais à direita), ao defender a visibilidade dos polícias na rua, o aumento dos sistemas de videovigilância e enviar equipas de várias polícias para combater no terreno a criminalidade violenta. Isto quando, há poucos meses, tinha uma ministra da tutela a dizer que “não é que haja mais insegurança, é o sentimento”.
Em matéria de imigração, Montenegro também anunciou a construção de “dois centros de instalação temporária”, em Lisboa e no Porto, que não serão meros centros de acolhimento para imigrantes sem-abrigo, uma vez que o primeiro-ministro reforça que são destinados a “acolher casos de imigração ilegal ou irregular.” Ou seja: a tónica não está focada na vulnerabilidade dos imigrantes, mas na legalidade da sua permanência do país.
A afirmação destas causas de direita é estratégica para Luís Montenegro. Num momento em que PSD e PS estão em sintonia no rigor das contas públicas, que viabilizam em conjunto um orçamento, que unem esforços para o PRR e que pensam da mesma forma em assuntos de política externa, o líder do PSD quis marcar as diferenças para o PS em matérias com uma componente mais ideológica.
O novo posicionamento é assim intencional. Num momento em que André Ventura assenta o discurso em provar que PSD e PS são iguais, Montenegro contrapõe com políticas mais à direita que já eram do PSD (e mais ainda do CDS) antes do Chega existir ou de quando Ventura ainda estava no PSD. Além disso, claro, vai piscando o olho ao eleitorado mais à direita, que foi fugindo para o Chega.
Ao mesmo tempo, Montenegro dá, voluntária e intencionalmente, discurso ao PS. Depois de forçados a viabilizar o Orçamento da AD, os socialistas estavam com dificuldades em ter uma mensagem mobilizadora e agora passam a tê-la. Já não têm de centrar os ataques à AD em matérias orçamentais, pois têm pano para mangas em outras matérias (mais ideológicas) em que o PS de Pedro Nuno até está mais confortável para atacar a direita. Tudo isto ajudará a passar a tensão do debate orçamental, que será intenso na especialidade, para o velho binómio esquerda-direita em matéria de costumes. Que pode ser mais agressivo, mas não perturba a aprovação do OE.
O líder do PSD ainda vai tentando equilíbrios como, por exemplo, ter uma direção paritária, dar nas orelhas a André Ventura por associar criminalidade a etnias ou chamando para primeira vice-presidente uma defensora da igualdade de género, mas reafirma o PSD como um partido de direita. É nesse fato (como comprovado pela reação do Congresso) que os militantes mais gostam de ver o partido. E é o que assenta melhor na historial político do primeiro-ministro. A direita voltou ao PSD, o verdadeiro Montenegro também.