Na educação que recebi, e que transmito aos meus filhos, consta em letras garrafais nunca se aproveitar a situação de maior debilidade de outro. Seja de força física, de limitações cognitivas ou até de vulnerabilidade económica e social. Ensino-lhes a dar passagem às senhoras e aos mais velhos, a segurar as portas, a não bater palmas entre os andamentos, a importância para a vida social dos pequenos gestos de gentileza. Da mesma forma, sou da direita que nas férias gosta de se vestir para jantar e que se vai à ópera de jeans e ténis é porque leva um dinner jacket cuja elegância fica reforçada pelo contraste.
Em suma, tento que os meus filhos sejam pessoas boas, educadas, com maneiras e que respeitem os outros. Por isto me parecer tão normal e básico fiquei surpreendida com a reação ao anuncia da Gillette que advoga que os homens têm responsabilidade em parar comportamentos abusivos de outros homens e rapazes – seja no bullying de colegas, na violência entre pares, no assédio sexual a mulheres e, até (se bem que neste caso não deu solução), na menorização profissional das mulheres. O anúncio da Gillette não é anti-homens: na verdade mostra homens tendo comportamentos dignos e interrompendo abusos. São os bons da fita.
Mas nada disto impediu a alt right de todo o mundo, sempre muito suscetível e sensível, de perder a cabeça com o anúncio. O inenarrável Piers Morgan, por exemplo, chamou-lhe um assalto à masculinidade e ‘PC guff’. O anúncio já tem centenas de milhar de dislikes no youtube. Presumimos, portanto, que masculinidade equivale a ser abusador; e a educação, bondade e respeito pelos outros é ‘politicamente correto’. Disse que me surpreendeu? Bom, na verdade não surpreendeu nada.
Não me vou deter na análise do anúncio. Poderia elaborar sobre a incapacidade que os homens desta ideologia têm de lidar com a mais leve crítica aos comportamentos de alguns homens. Ou como os advogados da liberdade de expressão sem limites se ofendem a correr quando o seu grupo de homens abrutalhados são os visados. Ainda: como a esta nova direita promove o homem bronco, em vez do homem educado, porventura até elitista que a direita tradicional sempre preferiu. Em vez disso, conselho a leitura deste texto da GQ. Sim, a revista masculina. Ao contrário do que Piers Morgan e amigos pensam – e induzem os distraídos a pensar – masculino não é sinónimo de imbecilidade, longe disso.
Prefiro deter-me noutro assunto associado. Como é sabido há alguns anos, os rapazes têm vindo a ficar para trás nas notas em todos os níveis de ensino. As causas são várias. Porém, segundo um relatório para o Council on Contemporary Families da Universidade de Miami, em 2013, a principal razão são as visões maioritárias sobre a masculinidade. Os rapazes cool são os desafiadores, os que não estudam, os que brincam em vez de prestar atenção às aulas. Cito um parágrafo (traduzo):
‘A nossa pesquisa mostra que a sub performance dos rapazes na escola tem mais a ver com normas da sociedade sobre masculinidade que com autonomia, hormonas ou estrutura cerebral. De facto, rapazes envolvidos em atividades extracurriculares como música, arte, teatro e línguas estrangeiras obtêm maiores níveis de entrosamento e melhores notas que outros rapazes. Mas estas atividades culturais são frequentemente menorizadas como não masculinas por rapazes pré-adolescentes e adolescentes – especialmente por aqueles com origens de classes mais baixas. Os sociólogos C.J. Pascoe e Edward Morris relatam numerosos exemplos de rapazes que se esforçam por ter boas notas que são apelidados de ‘pussies’ ou ‘fags’ pelos seus pares.’
Um artigo da The Economist sobre esta diferença de sucesso escolar, e que aponta a mesma razão, dá apenas metade dos rapazes a lerem por prazer, contra dois terços das raparigas. Sendo que a literacia é fundamental porque envolve o veículo em que se comunicam todas as outras áreas do saber, incluindo as ciências. Por outro lado, ainda há poucas semanas o referi: ler livros (não técnicos) é essencial para o desenvolvimento cerebral. Este artigo da Magg resume algumas razões.
Donde, ensinarmos aos rapazes que devem ser abrutalhados, pouco empáticos, incapazes de autorreflexão, portadores de uma masculinidade não polida – tem consequências na vida académica destes rapazes. Persistir no estereótipo (até para justificar desigualdades noutros campos) que garante que as ciências sociais e a linguagem são domínios preferenciais das raparigas, que os rapazes se entretêm com outras ferramentas, assim arredando-os destas áreas, propicia o insucesso escolar masculino.
Este é um assunto que me é caro, porque sou mãe de dois rapazes. Mas em boa verdade os meus filhos, por sortidos fatores, estão mais protegidos destes efeitos. Os filhos das populações mais pobres e menos escolarizadas – e mais permeáveis ao populismo conservador – não estão. E, num tempo em que as ideias se contagiam como acendalhas, temos todos responsabilidade por não disseminar ideias perniciosas. Mas também de aplaudir quando as empresas usam – bem – a sua responsabilidade social. O que a Gillette fez foi capitalismo na sua forma mais bonita. Palmas.