Se não fosse sinistra, a manifestação anunciada sem cessar desde a invasão bélica da Ucrânia pelo presidente da actual Federação Russa – o antigo membro do KGB Vladimir Putin – seria uma mera fantochada para consumo propagandístico interno. Provavelmente, o dito presidente atacara o país vizinho no final de Fevereiro passado esperando acabar com a Ucrânia em meia dúzia de dias a tempo de celebrar a vitória na manifestação militar do passado dia 9 para gozo da população local. Enganou-se e agora pretende fazer crer à Rússia que foi a NATO que borrou a festa… Mal comparado, faz pensar na manipulação de qualquer população sujeita a ditaduras durante décadas, como sucedeu e ainda sucede frequentemente em Portugal!

O simples facto de um perigoso aldrabão de feira como Putin impingir aos seus eleitores tais artimanhas verbais é suficiente para perceber por que razão ainda está em guerra e não se atreveu, felizmente, a lançar as bombas nucleares com que ameaçou a Europa desde a primeira hora! Tais processos não só o desqualificam, como também não abonam a favor da «opinião pública» russa… Podendo parecer o oposto, o mais lamentável de tudo é a aparente sintonia entre Putin e os seus chamados «siloviki», os quais parecem contudo já encarar a hipótese de o substituir.

Em suma, nada se alterou na actual situação bélica: nem a Rússia consegue esmagar a Ucrânia nem esta tem dimensão e meios para pôr termo aos ataques daquela mesmo com o apoio militar que tem recebido. Se o desfile exibido por Putin teve algum efeito, foi alimentar a ilusão dos seus fiéis e reforçar o carácter alegadamente patriótico da guerra, destituído de valores ideológicos propriamente ditos. Pelo nosso lado, a União Europeia tem-se mostrado muito aquém da sua potencialidade bélica, entregando a defesa da Ucrânia à NATO e, em especial, aos Estados Unidos.

O caso da total dependência de combustíveis russos por parte da Alemanha não é único mas tem revelado, desde o início da guerra, uma gravíssima fragilidade político-militar vis-à-vis de regimes puramente ditatoriais e militarizados como a Rússia e aliados, entre os quais se encontram infiltrados aqueles que assumem o seu lugar no xadrez bélico internacional… Portugal também não é dos que mais se activam contra Putin.

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O comportamento da Alemanha e de outros membros da UE mostrou os limites políticos da «globalização económica» em curso há décadas e que contribuiu, entretanto, para desenvolver exponencialmente não só países como a China, cuja organização manifestamente totalitária é herdada do regime soviético, mas também da Índia, cuja organização aparentemente democrática não a impediu de fabricar armamento nuclear, possivelmente para se defender da vozinha China mas não menos preocupante. Só estes dois países somam actualmente mais de 3 biliões de pessoas!

Ninguém ignora que a «globalização» promovida pelos Estados Unidos desde há meio-séculodesenvolveu a economia mundial de forma espectacular. Este modelo económico da cooperação mundial acabou, porém, por atingir um ponto limite perante países com comportamentos militares e políticos situados no limite da incompatibilidade manifestada faz agora mais de dois meses pela Rússia e pelos ambíguos sinais político-militares emitidos pela China. É este o enorme preço humano, e não só, que a Ucrânia e os seus actuais aliados da NATO estão agora a pagar.

Foi esta a situação a que a globalização económica levou a Alemanha e alguns outros países ocidentais de menor porte a arrastar toda a UE devido à dimensão da sua dependência Alemanha perante a Rússia e os seus potenciais aliados. É bom não o esquecer e começar a tomar medidas não só económicas mas também políticas e militares contra as consequências a que a globalização nos levou e que já marcara a retracção dos Estados Unidos perante o fosso em que se tinha metido há 20 anos no Afeganistão perante o protesto dos mesmos espectadores que haviam protestado na altura em que a América se meteu naquele atoleiro equiparável a outros como o Irão, etc..

Estas parecem ser as consequências políticas e até militares da aparentemente pacífica dependência económica e não só. Isso era já de esperar de algum modo das iniciativas liberais tomadas na década de ’70 do século passado que já permitiram, entretanto, a absorção de territórios como Hong-Kong e o próprio território de Macau por parte da China sem qualquer possibilidade de retorquir. Noutra escala, maior e mais próxima do ocidente, está agora a Ucrânia da qual a Rússia pretende apropriar-se no todo ou pelo menos em larga parte. Foi isso que só a imediata mobilização dos Estados Unidas e parte da NATO tiveram coragem de deter, ao mesmo tempo que nos faziam tomar consciência dos limites da «globalização» e, muito concretamente, do mortífero ataque de uma Rússia lamentavelmente incapaz de se reconstruir após a liquidação do pretenso comunismo soviético.