Estará efectivamente Portugal à beira do abismo como parece? Do estrito ponto de vista, é possível que não, mas isso só não acontece porque a União Europeia e muito em particular a actual presidente do Conselho da UE têm de suportar o peso crescente do papel negativo desempenhado pela Alemanha e não só desde o ataque da Rússia à Ucrânia. Já lá vai ano e meio de pesados combates e, segundo todos os dados conhecidos, o presumível atentado do ditador russo Putin contra a liderança dos seus combatentes profissionais não será mais do que um novo passo na interminável guerra à Ucrânia.

Segundo se pode imaginar, os dirigentes políticos russos da guerra contra a Ucrânia já só têm como objectivo a cedência dos Estados Unidos bem como das suas dependências da NATO, a começar pelos «grandes» como a Inglaterra, a França e a Alemanha. Obviamente, Portugal não conta para nada bem como os outros «mediterrânicos», os quais têm mais em que pensar. Quanto à maioria dos outros países europeus, só pensa em como sair da guerra, com excepção de eventuais «fronteiriços» por motivos geopolíticos óbvios.

As eleições presidenciais norte-americanas de 2024 terão lugar dentro de pouco mais de um ano e já se apresentam como o horizonte-limite da guerra. Daqui até lá, a Ucrânia não deixará, lamentavelmente, de ter as perdas territoriais exigidas pela Rússia, no mínimo as de 2014, e os USA não terão outro remédio… Se não, é o presidente que se arrisca a perder a eleição e nenhum de nós quer o regresso do Trump. Deixará pois de ser um mero confronto militar para se tratar de um finca-pé – para não dizer, consolidação – do território controlado pela antiga URSS, isto é, o domínio espacial que actualmente domina.

É aliás neste quadro que o actual presidente Lula, de regresso à liderança sul-americana, se passeia pelo mundo, incluindo Portugal e as antigas colónias africanas, como a cabeça do terceiro-mundo afro-americano anexado aos antigos BRICS do início do século XXI, ou seja, nada que tire o sono aos USA. Em resumo, a NATO e as democracias europeias não só não ganharam nada como deixaram explodir uma crise económica que levará mais tempo do que o ministro Medina imagina…

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É neste quadro de um ano ou muito pouco mais, se não menos, que a maioria dos dirigentes da NATO serão obrigados a seguir os Estados Unidos e os outros países detentores da «bomba nuclear» na gestão da guerra da Ucrânia, como a Inglaterra e a França. Possivelmente, esta necessária viragem bélica já terá sido explicada aos dirigentes ucranianos se não também aos russos designados por Putin para «conversar com o inimigo».

Em qualquer caso, está fora de discussão a NATO ir muito além do território de 2014, ou seja, dez anos para nada que acabarão por ficar mais ou menos na mesma. Resta à UE, além de financiar a reconstrução da Ucrânia, integrar talvez mais um antigo país soviético com todos os custos que isso arrastará. Não imagino, contudo, como é que o actual primeiro-ministro português digerirá tal «osso» que só fará piorar a economia nacional já de si profundamente abalada.

Em suma: não foi por acaso que, desde o primeiro minuto em que Putin declarou a guerra à Ucrânia, ameaçou tudo e todos com a bomba nuclear… E assim continuou a proferir a ameaça de tempos a tempos sem jamais se preocupar com uma eventual resistência da população russa, a qual efectivamente não se verificou. Com efeito, aquilo de que Putin parece estar convicto é, actualmente, uma devastadora «tese histórica» segundo a qual, parafraseando o estudioso russo exilado Andrei Kolesnikov no seu ensaio «O fim da ideia russa…?» (Foreign Affairs, Set.º-Out.º 2023)!

Resumindo, a enorme dimensão da Rússia com mais de 140 milhões de habitantes – o maior país do mundo, incluindo o espaço remoto da Sibéria – terá mantido o mito histórico da distância e do isolamento que só na passagem para o século XVIII o czar Pedro o Grande teria dado à Rússia, simultaneamente, uma identidade própria e um equivalente por assim dizer alternativo ao Ocidente. Tal mito, segundo o «mestre» de Putin, teria sido retomado por Alexandre II no séc. XIX a fim de manter a «equivalência» com a Europa; e finalmente Stalin faria algo de similar ao passado czarista em pleno séc. XX.

Foram estes ciclos que, segundo o mestre de Putin, teriam feito da Rússia o enorme país único e diverso de todos outros. Segundo o autor, é essa Rússia que Putin pretende reincarnar como o país mítico do século actual… A Ucrânia não seria mais do que um atropelo na visão russa do nosso mundo. Daí que tudo se possa esperar da Rússia simultaneamente gigantesca, absolutista e ortodoxa. Não terá sido inteiramente por acaso que o actual Papa lá viu algo que nos escapa.