Com a nova Comissão e o final do mandato do Presidente do BCE, a liderança económica europeia vai sofrer uma enorme transformação precisamente num momento em que os desafios económicos se adensam.
Globalmente, os padrões comerciais mundiais estão a mudar profundamente, com a crescente influência da China no comércio e nos fluxos de investimento internacionais. Se os Estados Unidos (aparentemente) escolheram tratar a China como uma ameaça, a Europa ainda não conseguiu encontrar uma voz unida face à China enquanto parceiro, investidor, mas também competidor sistémico. As relações transatlânticas entre os Estados Unidos e a Europa estão também minadas por ameaças de tarifas. A incerteza tem um custo: o comércio mundial de bens já abrandou em 2018, segundo dados da Organização Mundial de Comércio, e deverá continuar a fazê-lo em 2019 para 2,6%, depois de ter crescido 5% em 2017.
As instituições internacionais de governo económico como a OMC, FMI, Banco Mundial necessitam urgentemente de se adaptarem às transformações políticas e económicas. Não o fizeram até agora e será mais difícil no futuro por causa da concorrência de outras instituições, como o Asian Infrastructure Bank, e da falta de vontade política de uma Administração americana que está cada vez mais fechada sobre si própria.
Finalmente, a recuperação económica depois da grande crise foi atípica, porque a taxa de inflação se manteve muito baixa, nunca permitindo que os Bancos Centrais conseguissem reverter inteiramente as políticas expansionistas implementadas durante a crise financeira. E agora a economia europeia está a abrandar. A Alemanha, que tinha surpreendido positivamente no início do ano, poderá agora entrar oficialmente em recessão depois de um segundo trimestre de retração e indicadores preocupantes vindos do setor industrial no terceiro trimestre. A Itália está em estagnação económica desde a primavera de 2018. A França tem resistido, mas com um ritmo de crescimento anualizado pouco superior a 1% no último semestre. Entre os maiores países, a Espanha e a Polónia são os que melhor resistiram a este arrefecimento, mas não são suficientes para dinamizar o resto da Zona Euro, que abrandou no segundo trimestre para uma taxa de crescimento anualizada abaixo de 1%.
Infelizmente, a margem de manobra da União Europeia para responder a estes desafios é extraordinariamente estreita devido à desintegração da UE, às dificuldades de negociação com o principal aliado transatlântico e à reduzida margem de manobra nas políticas contra-cíclicas. A resposta tem de ir além da já estafada política monetária cuja capacidade de atuação está limitada pelo tamanho do balanço do BCE e pelo crescente descontentamento dos aforradores, que não conseguem remuneração para as suas poupanças, e os riscos financeiros associados a taxas de juros historicamente baixas.
Para lá das respostas nacionais, os desafios estendem-se também à nova Comissão Europeia. Os comissários responsáveis pelas áreas económicas têm pela frente uma tarefa hercúlea, especialmente no setor financeiro, na coordenação económica e orçamental e no comércio externo. A pasta do Comissário e Vice-Presidente Dombrovskis romanticamente chamada “Economia que funciona para as pessoas” não só inclui a coordenação de diferentes DG ligadas à economia, como a responsabilidade do setor financeiro. Para lá da arquitetura financeira que em certos aspetos ainda está muito incompleta (como é o caso do seguro de depósitos europeu), o maior desafio do setor financeiro será lidar com o pós-Brexit, que irá acentuar a fragmentação do mercado de capitais. Num mundo em que o capital é de facto global, para ter uma “Economia que funciona para as pessoas” é fundamental reduzir os riscos e os custos de financiamento. Londres tem um papel fulcral no financiamento às empresas europeias e a insistência das autoridades, incluindo BCE, em trazer uma parte considerável do negócio para as praças europeias aumentará seguramente os custos.
Para o Comissário Hogan, responsável pelo Comércio Externo o maior desafio será preservar o multilateralismo, quando a Administração americana está a abandonar o barco. Por exemplo, é significativo os Estados Unidos estarem a bloquear a nomeação de novos juízes para o sistema de apelos da Organização Mundial do Comércio para lidar com disputas comerciais internacionais.
A Comissária Elisa Ferreira inclui nas suas responsabilidades a nova pasta das reformas estruturais. É uma pasta cujo sucesso depende crucialmente da vontade dos próprios Estados-membros tornarem as suas economias mais resilientes. É por isso fundamental definir de forma cuidadosa o que é efetivamente considerado reforma estrutural, isto é reformas para melhorar a competitividade e o produto potencial, e evitar confundir com outras políticas, como fez o governo Português nos últimos quatro anos.
Por fim, o Comissário Gentiloni, responsável pela DG de economia e assuntos financeiros terá a tarefa pouco invejável de tentar coordenar as políticas orçamentais e económicas dos Estados-membros numa fase descendente do ciclo. A Comissão deverá ser muito mais exigente com os Estados-membros que têm margem de manobra orçamental e que apresentam desequilíbrios macroeconómicos superavitários, para que a necessária contenção orçamental por parte dos Estados-membros mais endividados possa ser parcialmente compensada por políticas expansionistas e contra-cíclicas noutros Estados-membros.
Os desafios externos que se colocam à Europa numa fase de arrefecimento económico irão exigir ponderação, mas também celeridade e flexibilidade, que muito faltaram na resposta à crise de 2008-2012. A nova liderança do BCE e da Comissão Europeia devem sobretudo evitar repetir esse erro.