Apesar de estar gasto de tanto uso, o velho adágio de Jean Monnet de que a Europa se faz nas crises aplica-se na perfeição às mudanças extraordinárias que se verificam na Europa desde o início da invasão da Ucrânia há duas semanas. As quatro mudanças que aqui aponto implicam a ultrapassagem em poucos dias de bloqueios que até agora tinham impedido a unificação da Europa ao nível da defesa, da política energética e das relações com a Grã Bretanha depois do Brexit.

A primeira mudança deriva do anúncio pelo Chanceler alemão Olaf Scholz, apoiado por todos os partidos do arco governativo, de que a Alemanha irá duplicar as despesas da defesa num montante de 100 mil milhões de euros. Esta é uma mudança dramática na postura de defesa do país, que o tornará, segundo Bastian Giegerich, no terceiro país com maior orçamento de defesa do mundo, atrás dos EUA e da China, mas à frente da Rússia. A mudança política marca uma nova época para as forças armadas da Alemanha, mas terá também um impacto na Europa. É natural que o alinhamento sobre a ameaça russa, provocado pela invasão da Ucrânia, leve Franceses e Britânicos a seguirem os passos da Alemanha no aumento dos seus orçamentos de defesa. Hoje estão todos cientes de que a componente militar é essencial para que o poder europeu cresça. Se esta revolução na política de defesa dos maiores estados europeus for em frente, no fim da década a Europa poderá ser responsável por metade do orçamento da NATO, a par com os EUA. Estamos, portanto, perante a possibilidade de a Europeização da NATO se tornar uma realidade.

A segunda grande mudança é a decisão de levar adiante um plano para a autonomia estratégica energética europeia, apoiado por um novo Plano de Resiliência que financie os enormes gastos em infraestrutura necessários. Esta política significa duas coisas. Primeiro, que a Europa irá, no curto e médio prazo, tentar substituir o gás russo por outras fontes – as instituições europeias propuseram que a UE substitua dois terços do gás até ao final deste ano. Segundo, em alinhamento com a trajetória da transição climática e a aceitação pela Comissão da energia nuclear como energia de transição, a procura da autonomia energética poderá levar à reabertura das centrais nucleares e à construção de centrais nucleares de nova geração, mais pequenas e seguras.

Também no nível das relações entre estados europeus, vimos nestas semanas os sinais mais fortes do realinhamento da Grã-Bretanha em matéria de política externa e de defesa com a União Europeia. A presença da Ministra dos Negócios Estrangeiros na reunião extraordinária do Conselho para a situação na Ucrânia é o sinal institucional mais expressivo desde o Brexit do reagrupar da Grã-Bretanha com Europa face à invasão russa. Tendo seguimento, este reagrupamento terá um impacto maior na restauração da unidade em política externa com o seu mais importante parceiro

Por último, está em curso a transformação da Europa Central e Oriental numa fronteira mais fortificada para dissuadir e resistir com meios convencionais às incursões da Rússia. Perante a vontade expressa de Vladimir Putin de restaurar a esfera de influência perdida em 1989, isto é, a retirada da NATO e a desmilitarização dos países do antigo Pacto de Varsóvia, não há hoje dúvida de que Putin irá até onde o Ocidente o deixar. A decisão de aumentar dez vezes o número das tropas da NATO nos países de fronteira do Leste, prenuncia assim a fortificação das fronteiras da NATO a Leste.

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