As grandes ideologias dos séculos XIX e XX, outrora pilares estruturantes das sociedades modernas e pós-modernas, revelam-se hoje obsoletas perante os desafios contemporâneos. Num mundo em rápida transformação, marcado pela globalização e pela revolução digital, correntes de pensamento como o socialismo, a social-democracia, o conservadorismo ou o liberalismo clássico não conseguem oferecer soluções eficazes para as complexidades atuais. Acresce que a rigidez ideológica (e uma certa preguiça) como os agentes políticos se agarram aos “conceitos” impede a adaptação necessária para enfrentar problemas que não estavam previstos nos modelos do passado. A maneira como deveríamos olhar hoje para a tributação, para o trabalho, para a saúde, educação ou assistencialismo, migração, ou habitação, não pode seguir dicotomias do passado que não resolvem dilemas contemporâneos. O serviço público de educação, de saúde, de segurança, de habitação, a forma como o Estado tem de prover as populações está em profunda transformação: o Estado, o sistema político, o enquadramento institucional internacional, esses, continuam assentes nos mesmos pressupostos que emergiram do fim da segunda guerra mundial.

Após décadas de políticas de “welfare”, as sociais-democracias de vários matizes (desde as correntes mais conservadoras e liberais, até às do socialismo democrático) que dominaram o eixo da moderação nas sociedades mais desenvolvidas demonstram uma incapacidade preocupante em responder aos principais problemas sociais. Agarrados às cartilhas do passado, em vez de promoverem igualdade e justiça social, os principais agentes políticos estão profundamente alienados da realidade circundante, servindo apenas como gestores de uma coisa pública incrustada em Estados pesados e burocráticos que sufocam a produtividade e a inovação. Como nos antecipava Hayek, o caminho para o inferno está pavimentado de boas intenções, pelo que não nos deveria surpreender que hoje, por mais paradoxal que isso possa parecer a muitos, os Estados se tenham tornado eles próprios fontes de desigualdade, perpetuando estruturas que beneficiam uns em detrimento de outros, e resolvendo pouco os problemas das pessoas. O Estado falha no INEM e na emergência médica, falha na segurança das cidades, na sua limpeza, não abre espaço a que exista habitação, tem as escolas em estado de sítio com professores à beira de um ataque de nervos, é incapaz de cuidar dos seus presos, responde mal aos incêndios e catástrofes, não faz cumprir as leis que aprova, sendo apenas eficaz na arte de extorquir e distribuir segundo critérios muito seus a receita fiscal.

A revolução digital poderia permitir que os Estados se reformassem, fazendo muito mais com muito menos recursos. A forma, porém, como as economias mundiais estão a aderir, massivamente, a soluções tecnológicas inovadoras digitais, causando disrupções significativas nos pressupostos tradicionais de produção e distribuição de riqueza, está a expor, de forma ainda mais acelerada, a cada vez mais visível inutilidade dos Estados e a sua incapacidade de resposta aos problemas emergentes. O Estado português, por exemplo, mostra-se incapaz de aproveitar as soluções tecnológicas para se reformar e adaptar, não obstante gaste e seja um ótimo comprador de tecnologia.

Não me interpretem mal, não faltam centros de competência digital ou tecnológica na Administração Pública. Ocorre, porém, que a rigidez da despesa pública faz com que o investimento em novas tecnologias que os poderes públicos vão fazendo resultem frequentemente num aumento significativo dos custos para o contribuinte, e não o inverso. Em vez de substituir estruturas obsoletas, o Estado tende a manter sistemas antigos em paralelo com os novos, duplicando funções e despesas. Esta falta de racionalização agrava a ineficiência e impede que se colham os benefícios potenciais da inovação tecnológica, tendo um impacto brutal na produtividade e no empobrecimento do país.

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Numa outra dimensão, a sociedade digital tem vindo a desagregar os equilíbrios políticos, aumentando a conflitualidade e dividindo os eleitorados que se encontram cada vez mais polarizados e radicalizados. A discussão política faz-se em redes sociais de forma superficial e sem qualquer sentido de continuidade, coerência ou memória, faz-se em cima dos trapos velhos das ideologias caducas do passado, sem nada de novo. As ideologias deixaram de ser a base do consenso democrático e do contrato social, comprometendo a coesão e o progresso de sociedades plurais, para se tornarem armas de arremesso de uns contra outros. Ao longo da História a tecnologia sempre encerrou em si uma pulsão totalitária, sendo óbvio que o mau uso que por estes dias fazemos delas, está a favorecer a polarização, o confronto e a captura dos poderes públicos, sacrificando a liberdade.

Não se vislumbra um futuro muito auspicioso para as democracias liberais, quando assistimos por esse mundo fora à emergência de populismos e autoritarismos (vagamente) de direita e de esquerda, quando os principais protagonistas políticos são autocratas, pequenos napoleões ou campeões do marketing que dizem ao Povo aquilo que eles querem ouvir, nem que isso seja tudo e o seu contrário, nem que isso implique exercícios completos de incoerência face às suas próprias histórias de vida (não vá a verdade estragar as narrativas políticas).

Entre wokismos e anti-wokismos, falsos progressismos e conservadorismos, o que verdadeiramente assusta é olhar para a realidade e perceber que os grandes problemas se adensam sem que os poderes políticos mostrem capacidade para endereçar soluções. A pós-modernidade, marcada pela desconstrução das grandes narrativas tradicionais e pela relativização de valores, entrou em boa verdade numa fase de estagnação. Vivemos num período em que quase todas antigas certezas foram desmanteladas e, entretanto, reavivadas de forma tosca, mas onde não surgem novas ideias e novas certezas em que valha a pena acreditar. Este vazio está a criar sentimentos de náusea, de incerteza e desalento. Estamos num limbo histórico, presos entre um passado que já não nos serve e um futuro que não conseguimos desenhar e projetar.

A agonia da pós-modernidade permanece, arrastando-se para algo que teima em não surgir. A falta de novos paradigmas que substituam as ideologias caducas está a deixar as sociedades num estado de espera angustiante. As pessoas anseiam por soluções inovadoras que possam responder aos desafios atuais, mas estas teimam em não emergir. Este arrastar prolongado aumenta a sensação de impotência e frustração, enquanto os problemas sociais, económicos e políticos se acumulam sem respostas eficazes.