Sem prejuízo de crença no tribunal, o povo, em cujo nome a Justiça é administrada, apresenta-se por vezes pouco abonatório. No seu quadro mental permanecem os processos marcados por prescrições ou que se arrastam no tempo. Se a isto acrescentarmos que estas delongas e protelamentos podem dizer respeito a desvios de dinheiros públicos, corrupção, transferências em ‘offshores’, branqueamento de capitais, fugas ao fisco, burlas e outros crimes do tipo, envolvendo instituições, entidades e personalidades públicas de nomeada, bem se vê que a “vox populi” tem a sua razão de ser.

A esta insólita situação se referiu o atual Presidente do STJ (Supremo Tribunal de Justiça) criticando o excesso de garantias que o CPP (Código do Processo Penal) prevê, viabilizando expedientes que podem conduzir a prescrições e/ou atrasos no andamento dos processos, evitando uma justiça mais rápida. E o curioso, diremos nós, é que tal parece acontecer as mais das vezes para quem tem mesmo “culpas no cartório” ou meios económicos para as custas processuais e não só.

Se, nesta ótica, são as alavancas técnico-científicas que podem contribuir para o atraso nas investigação e pesquisa de delitos, o constrangimento decisivo para este atraso reside, com efeito, na própria lei adjetiva – o processo criminal e, dentro deste, a fase de instrução criminal, prevista no artigo 286º e ss. do CPP. Pois é nesta fase, quando deturpada, que a mesma se transforma num ‘pre-julgamento’, ou o juiz se arroga, investigador – ao arrepio do que dispõe o nº4 do artigo 32º da Constituição. Esta prevê um julgamento justo. Trata-se de um direito inalienável do cidadão quando arguido num processo. Este direito assenta, porém, em dois pressupostos: a investigação por um M.P. autónomo, e a defesa e controlo de direitos fundamentais pelo Juiz de Liberdades. Para o Acórdão do T. Constitucional nº 551/98 de 28.IX. o direito a um julgamento justo não é, nem pode ser, sinónimo do direito a não ser julgado, nomeadamente quando existe uma acusação formulada pelo MP. Com efeito, “o facto de ser submetido a julgamento não pode constituir, por si só, no nosso ordenamento jurídico um atentado ao bom nome e reputação”.

Porém, o Código do Processo Penal, enquanto lei ordinária, ao estipular no nº 1 do artigo 286º, que “a instrução visa a comprovação judicial de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento”, afasta-se da filosofia que inspira o preceito constitucional nesta matéria, ultrapassa o seu alcance literal e desvirtua o seu conteúdo normativo. A sua alteração impõe-se a todas as luzes.

Assim entendidas as coisas, dignificada a investigação criminal no âmbito de inquérito dirigido por um M.P. autónomo, afastado o anacronismo de pré-julgamento e consagrado um juiz de liberdades, a fase de instrução reconduz-se à sua verdadeira dimensão constitucional, através de um juiz cuja função essencial é assegurar as liberdades, culminando num debate entre as partes, tudo conducente, num prazo máximo (nunca superior a 30 dias por exemplo) para o julgamento.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR