O governo de Mariano Rajoy caiu com estrondo depois da passagem de uma moção de censura no Parlamento, desencadeada pelo caso Gürtel. Espanha tem passado por uma série de crises institucionais nos últimos anos. Foi a eleições legislativas duas vezes em 2015 e 2016, e entre uma e outra, esteve quase um ano sem governo. A maioria muito curta do Partido Popular (PP) e a dificuldade de criar acordos governativos adiou um mandato que afinal pouco durou.

Pelo caminho ganharam muita força dois novos partidos políticos: o Cuidadanos, que ocupou o centro do espectro político, assumindo o papel de renovação partidária dentro do quadro moderado e o Podemos, um partido de protesto à esquerda, com vocação essencial para agitar as respostas certinhas e pró-europeias que caracterizavam Espanha que, mesmo depois das políticas de austeridade e da recuperação económica, continuava a apresentar taxas de desemprego alarmantes (quase 24% em 2015). O sucesso eleitoral de Pablo Iglesias (que ficou em terceiro lugar com 21% dos votos, um por cento menos que o PSOE) e de Albert Rivera (13%) deixaram os partidos tradicionais muito fragilizados e incapazes de governar sozinhos.

Este é um dos dois elementos de fundo que explicam a queda de Mariano Rajoy e o triunfo da moção de censura de Pedro Sanchez: a Espanha deixou de ser um estado de alternância entre os dois partidos moderados de centro, um mais à direita, um mais à esquerda, para se tornar uma unidade política disputada por quatro forças políticas. E ainda não se adaptou a este novo cenário institucional.

Ainda que o PP e o PSOE possam ter tido – até hoje – uma ligeira vantagem, nada garante que esta se mantenha. Até porque o Cuidadanos, o partidos dos “quatro grandes” que foi menos votado nas eleições gerais, ganhou o sufrágio para a Generalitat no final do ano passado (aliás nasceu de um movimento cívico, em 2006, na própria Catalunha, para representar os unitaristas). Por uma unha negra, por rejeição das políticas dos partidos do arco de governação em Madrid e com a ajuda do fator Arrimadas. Mas ganhou.

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O que nos leva ao segundo elemento: a ferida Catalã. É preciso ir ao país vizinho para perceber que a questão não está, de forma nenhuma, localizada. O movimento nacionalista da Catalunha deixou a Espanha, e sublinho, toda a Espanha, profundamente abalada. Dos separatistas já sabemos: querem um estado independente, mesmo que já se saiba que nunca será a Catalunha próspera que é dentro de Espanha. Os unitaristas olham para toda esta questão com um profundo sentimento de traição e ressentimento para com os catalães.

A forma como o PP reagiu a este turbilhão político não agradou a ninguém: relativamente aos nacionalistas negou-lhes os intentos. E por muito que se diga que foi o poder judicial – não o executivo – que teve um comportamento duríssimo para com os líderes catalães, presos preventivamente, o resultado é o mesmo. Para os que que apoiam o separatismo, elite e população, estes dois ramos são indivisíveis no mesmo intuito: a derrota da sua causa. Quanto aos unitaristas, censuram a forma como o PP tratou o problema: uns dizem que foi demasiado duro, criticando a forma como a polícia investiu nos votantes durante o referendo ilegal. Outros acusam-no por ter sido demasiado brando e lento no que respeita a acionar o artigo 155º da Constituição, que passa os poderes da unidade autónoma para o estado central. Preso por ter cão, preso por não ter. Em política, é muitas vezes assim.

Mas se alguém acredita que um novo governo e uma nova legislatura resolvem ressentimentos políticos, está enganado. São dos mais poderosos sentimentos coletivos, e com o PP ou o PSOE, estão de pedra e cal em Espanha.

O que nos leva a uma conclusão: o novo governo espanhol começa já debilitado. Não tem a legitimidade da eleição, a moção de censura ao PP passou com os votos de extremistas e independentistas (catalães e bascos) e os dois problemas fundamentais que surgiram nos últimos anos – a fragmentação dos sistema político-partidário espanhol e uma nova forma de nacionalismo catalão (no contexto dos movimentos nacionalistas europeus) – e o consequente ressentimento entre unitaristas e separatistas vieram para ficar. Sem resolver este último problema é legítimo duvidar que alguma legislatura, obrigatoriamente fragmentada, chegue muito longe.