Agora é moda acusar de populismo os adversários políticos. E os media portugueses são exímios na divulgação desta atoarda. Põem a etiqueta de populista ao primeiro que lhes não agrada porque prejudica a audiência.  Mas saberão os políticos e os jornalistas portugueses o que é o populismo? Não sabem.

O populismo é um fenómeno de arregimentação directa das massas populares e sua manipulação. Resulta da ligação imediata entre um líder político (ou um directório partidário) e o povo. Em segundo plano ficaram os meios tradicionais de representação política, os partidos e o parlamento. A representação é directa e não orgânica e a legitimidade é popular e não electiva. Propõe-se substituir a democracia representativa e crítica por uma democracia popular emocional e espontânea. Os seus inimigos são o parlamentarismo, o procedimento eleitoral e o crítico esclarecimento democrático.

Para o populismo, além do carisma do líder, é fundamental a  encenação mediática. Vive dela. A política transforma-se num espectáculo destinado a provocar a emoção do público em constante sintonia com o discurso que lhe transmite o líder. O objectivo não é fazer pensar de modo crítico, o que só se consegue com distanciamento e tempo, mas sim provocar a adesão imediata. O discurso vive do emocional, do passageiro e do imediato.  «Il popolo e femmina», dizia Mussolini, esse mestre do populismo, e os comunistas históricos (os outros são todos imaginários), populistas encartados, nunca hesitaram em inventar por toda a parte as maiores patranhas arvorando os adversários a «inimigos do povo» para branquear as mais ferozes ditaduras que o mundo conheceu.

O populismo começa por detectar as expectativas do público, logo cria artificialmente outras, e encena as soluções salvíficas. A culpa é sempre da «política», dos «políticos» e da «corrupção», ou então dos «grandes grupos» económicos, dos «especuladores», dos «grandes agrários», dos «off-shores», das «cem famílias» e dos incontornáveis «sabotadores». Tudo é consequência de uma estratégia de empobrecimento ideológico das massas e de renúncia à sua preparação intelectual.

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O populismo vive hoje do jornalismo tablóide e da televisão, e estes, por sua vez, servem inteiramente o populismo. Promove a venda e, como aposta na imbecilização, facilita a adesão do público leitor e espectador. O populismo funciona para a política como a imprensa tablóide e sensacionalista para a informação. O líder populista sabe configurar o seu discurso político à medida das expectativas que os media por ele controlados geraram no público seu consumidor. A notícia anda à procura do seu consumidor porque é feita para ele; é uma mercadoria e não um referente mental. Longe vai o cidadão capaz de reflectir e argumentar de acordo com princípios racionais, os únicos capazes de chegar ao interesse geral porque geradores de validade universal. É que aos media não interessa nada a verdade nem a razão; aquela é a que fabricaram para vender; ao líder populista também não. E mais; para o líder populista a política é a continuação da mensagem difundida pelos media. Nestas condições, o voto serve apenas para designar os deputados porque depois a política é assunto separado para o líder populista e os media.

Os media já não são os instrumentos ao serviço de uma opinião pública que se pretende esclarecida e racional; são os protagonistas da opinião do público. Deste modo, entre o líder populista e os media o casamento é perfeito.

É preciso que os eleitores compreendam isto; não é populista quem quer; é quem pode. A imprensa e a televisão são hoje os mais fiéis aliados do populismo. Ganham sobretudo os directores de informação que mais conseguirem distorcer a realidade transformando-a num produto manipulado de acordo com as exigências que no público fabricaram. O populismo é hoje televisivo e televisível. Como dizia Berlusconi, «se não passa na televisão é porque não existe».

Para o populismo chegar ao poder é indispensável que o público tenha sido previamente preparado. Não chega ao poder do dia para a noite. O populismo não cai do céu. É isso que os jornalistas portugueses, na sua maioria, ainda não perceberam nem perceberão, coitados. Os media, tal como os líderes populistas, organizam a cabeça dos cidadãos ou seja, fornecem-lhe o conjunto de temas sobre os quais devem tomar posição; apenas aqueles e não outros. Não impõem nada directamente, simplesmente condicionam a realidade a apreender ou não fossem os media o poder mais próximo dos cidadãos, virtualmente o único, no período entre as eleições, ao mesmo tempo que antecipam e condicionam os resultados eleitorais através das sondagens. Os media falsificam os resultados eleitorais logo que conhecidos. O nosso país é um exemplo vivo desta situação. O voto conta cada vez menos, o que interessa é o que os media fazem dele através da manipulação da opinião pública.

Assim sendo, a natureza da informação e da manipulação que praticam e fabricam é o melhor ambiente para que um dia o populismo se imponha. Já estão criadas as condições para que a democracia da opinião pública seja substituída pela democracia da opinião daquele público que tão insistentemente criaram. Uma democracia de robots acéfalos, super-informados mas sem qualquer formação, com cérebros a funcionar como computadores e algoritmos em vez de consciência crítica. O cidadão mergulha alegremente no estatuto de menoridade de que Kant o quis tirar no século XVIII e, julgando-se bem «informado» e ver à sua frente um poder «transparente», não se apercebe do logro em que o fizeram cair.  O populismo espreita e a imprensa vê finalmente os seus frutos.

Não, senhores jornalistas nacionais, o populismo não é de direita nem de esquerda, o populismo está aí debaixo dos vossos narizes e os senhores são os principais responsáveis por ele. Denunciais o populismo mas fostes vós que o criou. Resultado; sois incapazes de o ver onde ele está.

Estamos a caminho de uma democracia do público consumidor. Uma democracia frágil e, portanto, exposta aos desmandos dos primeiros oportunistas e charlatães. A final o acesso à informação não foi a par do esclarecimento mas sim da manipulação e da passividade. Alexis, visconde de Tocqueville é que tinha razão. O futuro é risonho.