Teve muita razão Pacheco Pereira, quando há dias disse, na televisão, que ser social-democrata é muito diferente do que ser socialista; e que ele conhece muito bem esta diferença. Eu não tenho dúvidas disso. Mas talvez nem todos os militantes — e até nem todos os dirigentes — do PPD-PSD possam dizer o mesmo. Pelo menos aqueles que não vincam suficientemente o contraste radical que doutrinariamente existe entre o socialismo do PS (e dos partidos comunistas à sua esquerda), que é um socialismo estatocrático (mais herdeiro de Marx do que de Proudhon), e a social-democracia do PPD-PSD, que é personalista.
A prova mais determinante e definitiva da diferença da Social-Democracia do PPD-PSD contra o socialismo da Internacional Socialista reside na adopção fundamental, desde o seu primeiro Programa, do princípio personalista. Que ainda hoje continua a ser afirmado, e agora publicitado na Internet, quando aí se afirma o seguinte:
«O PSD assume as especificidades que o caracterizam como partido de raiz eminentemente portuguesa [e portanto não internacionalista], bem como aquilo que o distingue relativamente aos partidos socialistas ou social-democratas europeus de inspiração socialista. Tais especificidades e diferenças radicam no facto de ele ser: Um partido personalista, para o qual o início e o fim da política reside na pessoa humana; […]». E afirmando ainda, logo adiante: «Um partido não confessional, mas respeitador dos princípios axiológicos e religiosos do povo português, identificados com o humanismo cristão».
Meu caro leitor, se incluo estas referências partidárias neste meu artigo, não é com intuitos eleitoralistas, embora eu me identifique com essas referências. Mas sim porque têm que ver com a questão deste meu artigo, de crítica à colonização ideológica da escola pública que, sob a ideologia socialista, combate a liberdade personalista dos seus alunos e dos seus pais. É que, até agora, ainda não vi que o PPD-PSD (nem o CDS) fossem claros-claríssimos na crítica ao descarado ideologismo que ultimamente tem sobrecarregado a escola pública, à revelia da Declaração Universal dos Direitos Humanos, da Constituição, da Lei de Bases do Sistema Educativo, enfim em registo anti-liberal e quase totalitário. Não ouvi esses partidos invocarem a Constituição, que proíbe o Estado de programar a Educação; não ouvi que, se ganharem as eleições, vão mudar o rumo desta política educativa autoritária. Ou não vão?
A questão ganhou uma cruel evidência há tempos, com a agressão ideológica do Governo do Partido Socialista, através da acção concreta do actual Ministro da Educação, João Costa, contra a Família Mesquita Guimarães, de Famalicão, inclusive com recurso aos tribunais. Essa agressão suscitou um importante manifesto público em defesa das liberdades de educação, subscrito por eminentes personalidades portuguesas. Entretanto, a conjuntura política não se alterou, e os partidos da oposição não socialista não se comoveram significativamente. O que é espantoso.
Eis senão quando, há um par de semanas, somos surpreendidos por uma importante declaração oficial do Ministro da Educação João Costa, representado pelo seu Chefe de Gabinete, Sarmento Morais, doutor em ciências da educação, note-se bem, pronunciada (enquanto representante do Ministro) numa sessão da Assembleia Municipal de Lisboa, em que disse que a função da escola pública é «tirar a criança da família». Para ser educada/endoutrinada pela escola pública do Estado, onde agora até já penetram organizações de activismo ideológico, sem credenciais de educadoras, mas protocoladas pelo Ministro. Obviamente como quinta coluna do Governo.
Uma declaração deste teor, e com esta crueldade, só é imaginável por um ideólogo fascista, nazi ou estalinista. Se se deixa passar sem consequências políticas esta intolerável declaração pública de um qualificado representante governamental, que o Governo de António Costa ainda não repudiou, então é caso de grande preocupação constitucional. Os partidos políticos não socialistas, que às vezes fazem um enorme escarcéu por questões que são uma ninharia, não se escandalizam por estas declarações? Não pedem explicações ao Governo? Não se comprometem expressamente a lutar contra tais orientações? Não dirigem uma palavra às famílias? Não incluem nos seus programas eleitorais a política pública de protecção à família? Só dão importância às questões sindicais? E depois queixam-se que os eleitores votem no Chega? A questão educativa foi uma daquelas que os Papas João Paulo II e Bento XVI classificaram como «não negociáveis». E que o Papa Francisco quer que assente num Pacto Educativo, entre escola e pais dos alunos.
Segundo o constitucionalismo personalista e democrático reconhecido e proclamado pela Assembleia Geral das Nações Unidas na Declaração Universal dos Direitos Humanos, portanto com validade universal, «a família é o elemento natural e fundamental da sociedade e tem direito à protecção desta e do Estado» (art. 16.º). «A Constituição Portuguesa comunga desta concepção; e consagrou-a expressamente no art. 67.º. Já tem sido notado que o art. 67.º da Constituição Portuguesa sobre a família copiou textualmente o art. 16.º da DUDH, embora omitindo a adjectivação da família como elemento natural da sociedade, isto é, como elemento de direito natural, registando apenas a sua fundamentalidade constitucional. É facto. Mas esta omissão textual não é decisiva, uma vez que, por força do n.º 2 do art. 16.º da Constituição, o preceito constitucional em causa tem de ser interpretado e integrado de harmonia com a Declaração Universal.
Aliás, outros textos constitucionais, em vigor em países dos mais prestigiados, convergem numa expressa invocação jusnaturalista precisamente quando garantem direitos familiares. Por exemplo, na Constituição alemã, o n.º 2 do art. 6.º diz assim: «A assistência aos filhos e a sua educação são direito natural dos pais e sua obrigação primordial». E a Constituição italiana consagra o seguinte, no seu art. 29.º: «A República reconhece os direitos da família como sociedade natural, fundada sobre o matrimónio».
É portanto na economia desta concepção jusnaturalista acerca da pessoa, da família e da sociedade humana que, como já ficou enunciado, a Declaração Universal acrescenta que é na família que as crianças são educadas por direito prioritário dos pais: «Aos pais pertence a prioridade do direito de escolher o género de educação a dar aos filhos». Note-se bem que, nestes termos, a Declaração não se limita a reconhecer e garantir o direito natural de os pais escolherem a educação dos filhos; achou necessário acrescentar que esse direito é prioritário. Ora, é sabido que, legislativamente, não se usa qualificar direitos fundamentais como prioritários. Esta expressa atribuição, assim extraordinária, tem portanto um sentido evidente de reforçar o direito dos pais, excluindo uma qualquer pretensão alheia de uma competição educativa das crianças, em conflito, ou sequer em paridade, com o direito dos pais. Designadamente, é óbvio, contra uma educação imposta pelo Estado.
E é igualmente na economia da referida concepção antropológica da família e da sociedade que, em perfeita conjugação com a Declaração Universal, também a nossa Constituição qualifica o dever-direito dos pais educarem os filhos como dever-direito insubstituível. Qualificação esta ainda mais forte do que a da Declaração Universal, porque direito insubstituível é mais forte do que direito prioritário. Prescreve assim o art. 68.º: «Os pais e as mães têm direito à protecção da sociedade e do Estado na realização da sua insubstituível acção em relação aos filhos, nomeadamente quanto à sua educação […]». A esta luz, fica também mais preciso o sentido meramente adjectivo ou ancilar que se deve atribuir à norma constitucional da al. c) do art. 67.º, que atribui ao Estado — expressamente «para protecção da família», note-se bem —, que deve «Cooperar com os pais na educação dos filhos».
Assim, confrontando a citada declaração do Doutor Sarmento Morais com este claríssimo direito supra-constitucional e constitucional, respectivamente da Declaração Universal e da Constituição Portuguesa, logo resulta evidente a inconstitucionalidade dessa declaração como representante do Ministério da Educação do Governo Socialista. A presunção ficta do Doutor Sarmento Morais, de que a família é má para a realização pessoal das crianças, e a sociedade política (por via da escola pública) é boa para a realização das crianças, é uma presunção contra a Declaração Universal dos Direitos Humanos e contra a Constituição Portuguesa.
Segundo a interpretação que o Tribunal de Estrasburgo fez da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, esta Convenção exige que — e cito textualmente — «o Estado, no desempenho das funções assumidas em matéria de educação e de ensino, deve velar para que as informações ou conhecimentos figurando nos programas sejam difundidos de maneira objectiva, crítica e pluralista.» Essa interpretação, desenvolve claramente o Tribunal — note-se bem —, «proíbe-lhe que possa prosseguir um fim de endoutrinamento que possa ser considerado como não respeitando as convicções religiosas e filosóficas dos pais». E finalmente conclui assim: «Aqui se situa o limite que não pode ser ultrapassado». Mas que a Governo socialista português de facto ultrapassa, porque define que a função da escola pública é tirar os filhos aos pais.
Esta doutrina, assim interpretada pelo Tribunal Europeu, é concordante com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que prescreve categoricamente: «Aos pais pertence a prioridade do direito de escolher o género de educação a dar aos filhos».
E o mesmo regime se encontra na Constituição Portuguesa. Que se resume nas prescrições seguintes: «Os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos». «Incumbe designadamente ao Estado, para protecção da família: […] c) cooperar com aos pais na educação dos filhos. «Os pais e as mães têm direito à protecção da sociedade e do Estado na realização da sua insubstituível acção em relação aos filhos, nomeadamente quanto à sua educação…». E reforçando extraordinariamente este claríssimo regime constitucional, acrescenta ainda o art. 43.º: «O Estado não pode programar a educação e a cultura segundo quaisquer directrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas». Recorde-se, a propósito, que esta norma está na Constituição por proposta do Partido Socialista na Assembleia Constituinte.
Ora, a Convenção Europeia, assim interpretada pelo Tribunal Europeu, vigora em Portugal e é direito superior à legislação ordinária. Vale, portanto, sobre a legislação da Assembleia da República e as decisões executivas e administrativas do Governo.
Ora, a Declaração Universal faz parte da nossa Constituição, enquanto é obrigatória na interpretação e na integração dos preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais, porque assim o diz o art. 16.º da Constituição.
Ora, a Constituição Portuguesa é por assim dizer excessiva na proibição de o Estado programar a educação escolar e substituir a educação dos pais aos seus filhos.
E contudo, os Governos socialistas de António Costa, em coligação com os partidos comunistas à sua esquerda, têm vindo a impor orientações educativas escolares em evidente violação desta claríssima doutrina universal e constitucional.
Pois bem. E, perante isto, o que tem dito e feito o PPD-PSD? E o CDS? Nada de significativo. Temos portanto aqui um grosso problema constitucional, mas também partidário e eleitoral. Se não for atalhado, pode terminar muito mal. É que «os partidos também se abatem».