Os deputados do PS aprovaram todas as audições, ou elas não se faziam. Apesar disso, a relatora da Comissão Parlamentar de Inquérito à TAP, Ana Paula Bernardo, apoiada naturalmente pela bancada socialista, sentiu ter legitimidade para apagar do documento o que não era favorável ao Governo. E concluir que a responsável pelo pagamento da indemnização a Alexandra Reis foi a CEO de uma empresa do Estado acompanhada ao milímetro pelo ex-ministro Pedro Nuno Santos.
Vale a pena recordar porque é que se gerou o caso João Galamba. Justa ou injustamente, o agora ministro das Infraestruturas estava a ser acusado pelos deputados – obviamente da oposição – de ter promovido uma reunião preparatória da ex-CEO da TAP com os deputados, encontro esse em que esteve um parlamentar do PS, e de não entregar à CPI informação que lhe era pedida. É na sequência destes acontecimentos que acaba por se desencadear o conflito com o seu ex-adjunto no gabinete e que culminou nas agressões que foram conhecidas.
Considerar que não é importante ter no relatório matéria em que existem razões para admitir que o Governo deu instruções à ex-CEO da TAP, na altura sua aliada, sobre o que devia ou não dizer sobre a companhia aérea é branquear a realidade, é levar a desresponsabilização a um limite que nem serve o próprio Executivo.
Os deputados da CPI à tutela política da TAP fizeram aquilo para que são pagos: escrutinaram o Governo. A forma explorou filões que todos sabem que podem ser mediáticos? Sem dúvida. Mas até nisso se pode considerar que desempenharam o seu papel, ao envolver os cidadãos tantas vezes acusados de não se interessarem pela vida em comunidade. Se algum problema houve foi terem perdido assertividade no fim, quando ali estiveram o ex-ministro Pedro Nuno Santo e o ministro das Finanças Fernando Medina.
É ainda razão para perplexidade, face àquilo a que assistimos, que o relatório conclua que a ex-CEO é a responsável pelo pagamento da indemnização. Mesmo sem as provas das trocas de mensagens e mails, é difícil admitir que alguém, que não esteja submetido aos ditames de um partido, possa concluir que alguma vez se faria um pagamento daqueles sem autorização do ministro da tutela. E isto em nada contradiz a avaliação da Inspecção Geral de Finanças, uma vez que a sua análise corresponde basicamente a critérios jurídicos que também não fazem lei. Mesmo neste domínio é aos tribunais que cabe decidir se a ex-CEO Christine Ourmières-Widener violou ou não a lei.
E podemos estar convictos de que esta grande desresponsabilização do Governo nos vais custar caro de forma visível. Lamentavelmente, pelo estado em que se encontra a Justiça (como todos os outros sectores), a conta vai chegar noutro Governo lá muito mais à frente. E não será o branqueamento realizado pela deputada do PS neste relatório que irá impedir os tribunais de decidirem.
Desde 2015 que estamos a assistir a esta lógica de responsabilizar os outros. Primeiro foi aquilo que já se popularizou como “a culpa foi do Passos”, depois a culpa foi da pandemia, agora é a culpa é da guerra e há-se ser do BCE. Claro tudo isto seria negligenciável e integrado no jogo político se esta desresponsabilização não se tivesse generalizado aos comportamentos e acções do Governo. Dos casos de suspeitas de corrupção à incapacidade de concretizar políticas que contribuam para resolver os problemas do país, a desresponsabilização é a regra.
Este tempo de grande desresponsabilização que em nada contribui para promover um país desenvolvido e cidadãos com maturidade social e política tem o preço invisível do subdesenvolvimento, mais grave do que o pagamento de uma qualquer indemnização.