Enquanto a guerra da Rússia contra a Ucrânia prossegue implacável, o seu fim é cada vez mais remoto e incerto! Os factos podem ser verificados todos os dias: perto de 5 milhões de foragidos já reduziram 10% da população ucraniana; as localidades mostradas nas televisões estão a ser literalmente arrasadas; em muitas delas, já não há pedra sobre pedra e os mortos continuam por sepultar enquanto raparigas e crianças continuam a ser raptadas. Não se conhece o número de combatentes de cada lado nem cessa de aumentar o das vítimas dos bombardeamentos.
Entretanto, o ditador russo mantém o silêncio sobre o seu bizarro comportamento e mente com quantos dentes tem acerca da tragédia vivida na Ucrânia. Em suma, desconhecem-se as causas concretas da invasão e os seus verdadeiros objectivos: se se trata de arrasar a Ucrânia ou de voltar a impor-lhe o poder militar e político como a Rússia fez durante séculos, nomeadamente durante o regime soviético; ou ambas as coisas, reduzindo outra vez o país a uma colónia. Se Putin levar a sua avante, como é de temer, e caso não haja ajuda mais activa por parte da Organização do Tratado do Atlântico Norte (em Inglês NATO) aos países do antigo «bloco soviético», é de recear o recomeço da mesma operação contra outro dos países anteriormente dominados pela Rússia! É com estas perspectivas que os regimes demoliberais europeus, norte-americanos e do Pacífico terão de viver sob a permanente ameaça russa?
Com efeito, a pretensa atitude «pacifista» de certos opinantes que se proclamam independentes étão nefasta ou mais para a Ucrânia do que as atitudes e comportamentos dos regimes e partidos anti-democráticos em relação à invasão russa, apresentem-se eles como pertencendo ideologicamente à «extrema-direita», como o Chega ou numerosos grupos estrangeiros similares. Com efeito, os auto-proclamados pacifistas mais não fazem do que fingir colocar-se a igual distância entre a Rússia e a Ucrânia, responsabilizando pela guerra os Estados Unidos e a NATO devido à sua alegada sede de vender armas.
Este truque ideológico não pretende mais do que manter a ficção de uma atitude imparcial entre agentes totalmente desiguais sob todos os aspectos: número, meios militares, peso internacional, etc. É óbvio que Putin e os seus «siloviki» — os «durões» originários do KGB soviético como ele — são radicalmente diferentes dos dirigentes políticos, dos chefes militares e dos soldados ucranianos, para não falar dos milhões de crianças, mães e idosos foragidos, bem como os milhares de pessoas mortas até agora e a impiedosa destruição casa a casa, escola a escola, hospital a hospital…
Para acabar de descrever o cenário em que o mundo está presentemente encerrado, resta a questão tabu da «bomba nuclear», melhor dizendo, dos milhares de «bombas nucleares» espalhadas pelo mundo entre um reduzidíssimo número de países que têm respeitado – até agora… – o único tabu que resta, porventura, na nossa época. Se esse tabu for quebrado, o mundo mudará radicalmente e para pior! Não estou dentro da cabeça de Putin para saber se ele fala a sério ou se apenas nos tem ameaçado com a sinistra ideia de lançar uma ou mais dessas bombas para intimidar os países da NATO… É neste dilema terrífico que estamos todos metidos sempre que Putin repete essa ameaça enquanto, até aqui, todos os governantes dos países da NATO que possuem a «bomba» se coibiram de agir mas não sem tremer com tal ideia.
Ameaça devastadora ou mero truque usado pela Rússia, o facto é que a possibilidade de a «bomba nuclear» ser utilizada por qualquer dos contendores da batalha faz-nos a todos tremer de terror só de pensar em tal. O Presidente Biden foi dos que mais firmemente excluiu desde o início tal hipótese, procurando assim limitar os custos da guerra para a Rússia e tirar a ideia da «arma nuclear» da cabeça de Putin, na certeza de que qualquer erro de cálculo por parte do ditador da Rússia lhe custaria os olhos da cara. Em suma, um cálculo incalculável, se assim se pode dizer, segundo o qual o menor dos danos provocaria uma imediata resposta que seria fatal para todos. Entretanto, a alimentação contínua da Ucrânia em instrumentos de defesa por parte da NATO tornaria – desejavelmente – os custos humanos e políticos da guerra ainda mais caros para a Rússia.
No limite, poder-se-ia ceder à tentação de imaginar pacifistas genuínos que, perante um combate tão desigual e penoso como este, se colocariam sem armas na fronteira entre os dois contendores, impedindo com os seus corpos o avanço das tropas russas e que, após o recuo destas, desfilariam perante o Kremlin impedindo qualquer bombardeamento aéreo… É bom não esquecer que os Estados Unidos só em 1945 lançaram duas bombas atómicas sobre o Japão… depois de este ter atacado Pearl Harbour sem prévio aviso. Parece, contudo, não haver muitos pacifistas autênticos.