Estamos na época dos prémios de Hollywood e da cultura pop: os Grammys, os Golden Globes, os Óscares da Academia, etc. Aparecem as listas de nomeados, notam-se presenças e ausências, fazem-se apostas, criticam-se as escolhas finais. E se alguma coisa é notável este ano, é a secundarização do singelo, embora discutível, critério da qualidade. Pouca gente parece interessada em saber o que é melhor. Os juízos sobre nomeações e vitórias passam por outra coisa: a representatividade dos escolhidos. A questão já não é saber qual o melhor filme ou o melhor actor, mas o sexo do realizador ou a etnia do actor. Chama-se a isso “diversidade”, e é o que importa às entidades que dão os prémios.
Nesse jogo, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas (Hollywood) parecia ter acertado em cheio. Mas a casa da diversidade tem muitos alçapões. E estava a Academia, muito em sossego, a colher das suas nomeações o doce fruto, quando do chão se levantou mais um grupo a clamar contra a sua discriminação ou, como agora se diz, “invisibilidade”: os Latinos. A Academia andara à procura de afro-americanos e de mulheres. E os Latinos, isto é, os americanos originários da América espanhola? Ei-los a protestar, convencidos de que nomeações e prémios não se alcançam com talento e trabalho, mas com organização política. A guerra da diversidade está apenas a começar.
Não há dúvida que, durante anos, os homens brancos preponderaram em muitas actividades. Mas devemos, por isso, reduzir os concursos a um mero reconhecimento de queixas colectivas? Ou diluir a personalidade e o trabalho de tantos indivíduos na história e nas reivindicações dos grupos de identidade pelos quais os distribuímos? É quase uma última vingança da velha discriminação: antes, não tinham oportunidades; agora, que as têm, é-lhes recusado o direito de valerem por si próprios.
Ainda não vimos, no entanto, o fim desta história. Porque se o que define o grupo identitário é uma história específica, é importante impedir os membros de outros grupos de se aproveitarem dessa história. É o que se chama “apropriação cultural”, de que foi acusada Kathryn Bigelow, ao realizar o filme Detroit. A história dos afro-americanos só pode ser filmada por afro-americanos? Resta saber se também só pode ser vista por afro-americanos.
Em Abril, fará cinquenta anos que Martin Luther King Jnr. foi assassinado. O Dr. King sonhou uma sociedade de cidadãos iguais, contra o sistema de raças segregadas. Perversamente, um novo segragacionismo ameaça agora emergir da suposta luta contra as exclusões do passado, para impor uma ordem em que a identidade vale mais do que os direitos cívicos. Um dos seus resultados, por exemplo, é a cultura de silêncio sobre o abuso de mulheres afro-americanas por homens afro-americanos. A pertença ao grupo prevalece sobre o direito de resistir ao assédio sexual e à violência doméstica.
Uma história americana, dir-me-ão. Por enquanto. Mas a diversificação das sociedades europeias, através das migrações, faz de tudo isto mais do que uma curiosidade estado-unidense. Podemos, como propôs Martin Luther King, continuar a tentar ser, com muitas imperfeições, sociedades de cidadãos iguais, apesar do género, sexualidade, cor da pele e origem social. Ou podemos, em alternativa, reduzir-nos a meras aglomerações de comunidades segregadas, sem nada em comum a não ser os rancores e as desconfianças recíprocas. O segundo caminho é o mais curto para chegar às discriminações e aos autoritarismos mais repelentes.