Um dos elogios ao designado pacote da habitação é que o Governo conseguiu reconquistar a iniciativa política. Sem dúvida que sim, mas a que preço, é o problema. O Presidente da República parece ter percebido bem que estávamos perante mais uma iniciativa de propaganda. Disse Marcelo que é preciso esperar e que este pacote da habitação é como os melões, “só se sabe se o melão é bom depois de o abrir”. A questão é que já comprámos o melão. A propaganda, neste caso, pode já ter provocado sérios danos por causa de duas ou três medidas que, com elevada probabilidade, não sairão do papel.

As medidas anunciadas não respondem à urgência, podendo até agravar o problema, nem abrem caminhos para aumentar a prazo a oferta de habitação para arrendar ou mesmo para vender. Além disso, criam encargos para as contas públicas e agravam a cultura de dependência do Estado que, podendo ser compreensíveis e vistos como transitórios, reforçam uma tendência que este Governo iniciou em 2015, que a pandemia e a inflação têm reforçado, e que devia começar a ser moderada. Os cofres do Estado têm limites e um dia vamos conhecer essa fronteira.

Em termos gerais, o Governo foi pouco corajoso, quis ser visto como estando a atacar os ricos para dar aos pobres, quando na realidade atacou os pequenos negócios e os pequenos proprietários. Ataca-se o alojamento local, mas fecham-se os olhos aos hotéis e mais hotéis que em cada esquina vemos nascer, especialmente em Lisboa. Carrega-se de mais taxas o alojamento local, mas mantemos o regime de não residentes que beneficia quem foge aos impostos do seu país no paraíso fiscal português. Enche-se o peito de coragem contra os proprietários que não querem alugar as suas casas, com medo de ficarem sem casa nem renda, mas o Estado não trata de recuperar o seu património e os donos de casas dos vistos gold que compraram o passaporte podem deixar as suas casas ao abandono.

E foi especialmente pouco corajoso porque não se atreveu a falar no problema que é o “elefante no meio da sala”, tentando disfarçá-lo com dinheiro do Estado. Estamos obviamente a falar dos despejos, das dificuldades em fazê-los em caso de incumprimento do inquilino. Em vez de dar um pequeno passo que fosse para dar aos senhorios maior segurança de que a lei seria cumprida, o Governo resolve o problema do mau funcionamento do Estado de Direito usando dinheiro do Estado. Diz o Governo na consulta pública já disponível que o Estado vai garantir o pagamento das rendas ao senhorio após os três meses de incumprimento. Depois vai avaliar a situação do inquilino e cobrará a dívida ou, em caso de dificuldades, vai tentar encontrar uma solução com a Segurança Social. (Na versão inicial estava também o cenário de despejo a realizar pelo próprio Estado).

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Esta medida tem obviamente implícito um incentivo ao incumprimento por parte dos inquilinos e um incentivo para os senhorios avançarem para o Balcão Nacional de Arrendamento assim que a lei o permita, em vez de tentarem um acordo com o inquilino. Claro que ainda não se percebe bem como é que isto vai funcionar, como é que se vai concretizar, mas está longe de ser uma forma eficiente de resolver este problema.

Mas a medida que mais danos pode provocar na oferta para arrendamento é sem dúvida a ideia deixada, na apresentação das medidas, por António Costa, Fernando Medina e Marina Gonçalves de que o Estado vai ter o poder de se apropriar de casas onde não viva ninguém, para as arrendar. É certo que logo nesse dia o primeiro-ministro tentou acalmar os proprietários do susto que lhes pregou. E também é certo que quando se vai ler o que está na Consulta Pública tudo está bastante mais moderado, de tal maneira que só por azar alguém vai ter uma casa sua apropriada pelo Estado. Mas o susto que pregou está lá e não é de excluir que alguns proprietários já tenham começado a perceber como é que conseguem evitar que o Estado ponha as mãos numa casa que não querem arrendar.

Claro que há medidas positivas, mas constituem basicamente ou decisões que já deviam ter sido tomadas – como o fim dos vistos gold – ou iniciativas que são panaceias, sem que induzam uma dinâmica completamente diferente no mercado. Pequenos incentivos fiscais não servem para nada. Apoios à renda ou à prestação da casa resolvem um problema social de conjuntura – nomeadamente no caso do crédito à habitação – mas não aumentam a oferta de casa.

Onde o pacote da habitação mais falha é na ausência total de medidas para os imóveis que o Estado tem devolutos. Ataca os privados, vai ao ponto de se colocar como comprador de imóveis – dando essa função, por exemplo, à Estamo – mas nada parece querer fazer com o seu património imobiliário.

As medidas que o Governo apresentou para a habitação têm em si um sério risco de agravar ainda mais o problema da habitação. Ninguém consegue fazer casas de um dia para o outro e deixou-se o problema atingir uma elevada dimensão. Mas assustar os proprietários apenas tira mais casas do mercado e os benefícios fiscais que se oferecem não compensam os riscos que correm.

Quando se escolhe resolver um problema com propaganda e ideologia em vez de procurar as melhores soluções técnicas, no quadro de uma economia de mercado que o país é, só se caminha para agravar ainda mais a situação. O Governo escolheu o pior dos mundos, nem nacionalizar nem deixar o mercado funcionar. O melhor que nos pode acontecer é nada disto funcionar, com excepção, obviamente e sempre, da distribuição de dinheiro, a tarefa que este Governo melhor sabe desempenhar.