Não foi o primeiro, nem será o último. Cidadãos de boa vontade em prestar serviço público acabam quase sempre maltratados pelos militantes partidários, como já se viu ao longo destes anos. Está a acontecer com António Costa Silva como já vimos há mais anos com Daniel Bessa, Augusto Mateus e até mais recentemente com Vitor Gaspar e Álvaro Santos Pereira ou ainda há pouco tempo com Manuel Caldeira Cabral. Basta terem algum pensamento próprio. Aparentemente só há um perfil de independentes que consegue resistir aos ataques das tribos, são os advogados, e mesmo esses acabam por ficar pouco tempo, como se viu com Pedro Siza Vieira. Ah, sim, há a exceção Mário Centeno, que mesmo assim, e apesar do seu sucesso a reduzir o défice, esteve à beira de se demitir.

O extraordinário artigo de Ana Sá Lopes, com o título «Costa Silva é o ministro “joga pedra na Geni” da semana» – para os mais novos, é uma referência à canção de Chico Buarque Geni e o Zepelim que vale a pena ouvir –, transporta-nos para o que se passou, retirando entre outras conclusões que “sai um independente do seu sossego para isto”.

O que é que disse António Costa Silva para merecer críticas que incluíram a sua equipa e especialmente o seu colega de Governo, o ministro das Finanças, que protagonizou a mais violenta das reacções?

Comecemos então pelo que disse o ministro. Na entrevista à TSF/JN/DN, falou primeiro da descida seletiva de IRC para as empresas que reinvestem os lucros, que apostam na inovação tecnológica e que atraem talentos, nomeadamente jovens – tudo aquilo que tem sido referido pelo Governo. E a seguir afirmou: “A minha esperança é que essa redução não seja só seletiva, mas seja global. Era um sinal muito grande que se poderia dar a todo o nosso tecido produtivo.”

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Pois parece que o ministro da Economia e do Mar cometeu um pecado capital, o de dizer qual era a sua perspetiva quanto ao imposto sobre as empresas, matéria que não é apenas da sua competência, mas sobre a qual pode igualmente dizer que é o mais competente no Governo, dada a sua carreira.

Se todos pensassem um bocadinho verificariam, aliás, que, se se cumprir o que está a ser dito pelos que seguem a linha justa, a seletividade tem tantos critérios que dificilmente se consegue perceber quem não será abrangido pela descida do IRC. Mas, enfim, o ministro disse que por ele seria uma descida geral.

E a partir daí choveram críticas. É difícil fazer uma linha do tempo, já que caíram em catadupa os ataques a António Costa Silva. Começou pelo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais António Mendonça Mendes, dizendo que o “país não precisa de um choque fiscal”. O que será a descida seletiva se não um choque fiscal, mas, digamos, seletivo?

Seguiram-se as críticas do antecessor, Pedro Siza Vieira, em declarações ao Público, quebrando-se aqui a tradição de não falar sobre o que está a fazer o sucessor. E a lista foi crescendo, chegando ao ponto de incluir os secretários de Estado do ministro, o da Economia e a do Turismo. Mas é o ministro das Finanças que protagoniza a discordância – ou crítica – mais agressiva, ao dizer que não lhe parece adequado “estar a antecipar esta ou aquela posição”.

Recebemos de tudo o que se passou várias mensagens. A primeira é que já não nos ficamos com “quem se mete com o PS leva”. Agora estamos já na fase superior de “ministro independente do PS, que diz o que pensa, leva”. E não leva apenas dos seus colegas como da sua equipa.

E daqui se retira a segunda mensagem: nem todos os independentes são iguais e quem é do PS pode fazer e dizer o que quiser que vai sendo poupado e protegido. Vimos isso com Eduardo Cabrita e mais recentemente, por razões completamente diferentes, com Pedro Nuno Santos. E no grupo dos independentes, assistimos à imunidade, mesmo que parcial, de Pedro Siza Vieira e há mais tempo de Mário Centeno.

A terceira mensagem, talvez a mais grave, é a falta de disponibilidade para opiniões diferentes, a falta de abertura para o debate, para a aceitar a discordância dentro do Governo. O primeiro-ministro decide, mas a discordância e o debate deviam ser cultivadas, mesmo no espaço público. Só nos enriquecia a todos e, o mais importante, dava garantias de um debate aberto entre ministros, conduzindo às melhores soluções para o país. Ingenuidade, de facto, já que durante os últimos anos uma parte importante do PS se mostrou sempre muito avessa a críticas.

Finalmente, igualmente grave, é o desincentivo que todo este processo dá a quem queira prestar um serviço público ao país. António Costa Silva tem uma carreira de sucesso, tem uma vida rica, quer em termos profissionais como pessoais, não precisava de ser ministro. Aceitou provavelmente convencido que poderia fazer alguma coisa pelo seu país. Ingenuidade, tal como no passado outros caíram no mesmo erro.

Os partidos dizem que querem abrir-se à sociedade, mas realmente não é isso que deseja quem os domina. Os “insiders” querem garantir para si os lugares no Governo e no aparelho do Estado e o protagonismo, protegendo-se mutuamente – claro que há exceções, como em tudo. E quanto mais tempo estão no poder mais se aproximam de seitas que deixam de pensar no país para se concentrarem nos seus pequenos interesses. Centrados em si próprios, nas suas carreiras políticas, obviamente que seguem a regra da obediência, da ausência de pensamento próprio, para respeitarem apenas o que diz o chefe, o senhor que lhes pode abrir as portas aos bons empregos ou negócios.

Não vai ser assim que se consegue desenvolver um país. Mas isso pouco importa para os que querem apenas fazer parte da tribo. Para quem é independente e tem o sonho de servir, um dia, o país no Governo, aquilo que enfrentou António Costa Silva pode ser um importante alerta. Quando ouvirem “não tem perfil político” podem logo traduzir como “não faz parte da tribo”.