Segundo a tradição judaica, contraem impureza legal os fiéis que contactam algum objecto impuro – como são os cadáveres, certos animais e alimentos –, padecem uma enfermidade infamante ou praticam acções que a lei judaica considere como tais. A impureza legal impede o crente de participar em certas celebrações religiosas, pelo menos enquanto não recuperar, pelo rito da purificação, a pureza legal, que lhe devolve a condição de fiel de pleno direito.

Na Igreja católica, em que o formalismo da lei judaica deu lugar a uma moralidade mais verdadeira e racional, não existe o conceito de impureza legal. Mas está em situação análoga o fiel que publicamente nega, por palavras, acções ou omissões, a fé que diz professar.

Está em contradição com a fé o católico que pertence a alguma associação incompatível com a Igreja como, por exemplo, a maçonaria, ou se manifesta publicamente contra a doutrina cristã. Assim, por exemplo, um fiel que pertença a um partido político de extrema-esquerda, ou nacional-socialista, está, por professar alguma dessas ideologias ateias, impossibilitado de receber a comunhão eucarística. O mesmo se diga de quem defende o aborto ou a eutanásia. Sendo essas acções incompatíveis com a fé cristã, quem as pratique ou defenda está impedido de comungar, pelo menos enquanto não for validamente absolvido dessa culpa, em sede de confissão sacramental, prévio o seu arrependimento e propósito de emenda. Deve-se também retractar publicamente dessa sua grave incoerência, que ofende a Deus e à Igreja. Um sacerdote que, sabendo dessa prática ou opinião, por ser pública e notória, lhe permitisse receber a comunhão seria, obviamente, cúmplice do seu sacrilégio e escândalo.

É sabido que a ética do Bloco de Esquerda deixa muito a desejar: recorde-se, entre outros, o caso do ex-vereador bloquista. Por isso, ninguém estranha que, de um seu deputado e vice-presidente da Assembleia da República, de quem se afirma que “vai à missa e reza todos os dias”, também se diga que promove a despenalização da eutanásia (Entrevista a José Manuel Pureza, Público, 24-12-2018).

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É de mau gosto alguém vir para os jornais exibir a sua pretensa piedade. Já Jesus Cristo censurara os que, publicamente, divulgavam a sua devoção: “Quando orardes, não sejais como os hipócritas, que gostam de orar de pé nas sinagogas e nos cantos das praças, a fim de serem vistos pelos homens. Em verdade vos digo que já receberam a sua recompensa” (Mt 6, 5).

Mas, pior, é servir-se da condição de pretenso católico para fazer propaganda a um partido político que é contrário a tudo o que a Igreja católica crê e ensina, como a legalização das drogas, as barrigas de aluguer, a ideologia de género, o aborto, o suicídio assistido, etc. Ao afirmar que “muitos católicos são a favor da despenalização” da eutanásia, este deputado do Bloco de Esquerda incorre, como é óbvio, em contradição: com efeito, se são católicos, não defendem a eutanásia; se, pelo contrário, a defendem, então não são, nem podem ser, católicos. Mais grave ainda é que o dito bloquista declare publicamente que é como crente que assume essa posição incompatível com o quinto mandamento da Lei de Deus – “Não matarás!” (Ex 20, 13; Dt 5, 17) – e, portanto, com a doutrina da Igreja: “eu, como católico, me bato por essa solução”!

O mesmo deputado ‘católico’ não tem, pelos vistos, muita consideração pela vontade do povo, democraticamente expressa pelo voto dos seus representantes, quando recentemente chumbaram todas as propostas de legalização da eutanásia e do suicídio assistido. Com efeito, ameaça regressar à sua luta contra o respeito pela vida até à morte natural, que é uma irrenunciável exigência da dignidade humana: “A decisão foi a que foi e nós voltaremos a esse assunto. Numa próxima oportunidade, voltando a argumentar com serenidade, razoabilidade, contra o fanatismo e intolerância, estou convencido de que a razão prevalecerá”.

Note-se bem que “o fanatismo e intolerância” é, nada mais nem nada menos, do que a doutrina da Igreja, que o dito deputado piedosamente confessa aos domingos e dias de guarda, mas não nos outros dias da semana, em que despe a veste de católico que reza e vai à missa, e se traveste de bloquista. Se esta duplicidade for inocente, talvez seja esquizofrenia; mas, se for consciente e voluntária, só pode ser hipocrisia.

Ninguém pode ser obrigado a ser cristão, nem a permanecer como tal, nem se deve contrariar a liberdade de pensamento, de expressão e de actuação política de nenhum crente ou não-crente. Defendo, absolutamente, o direito de qualquer cidadão professar as teses teológicas, filosóficas, políticas e sociais que quiser, desde que seja coerente e respeite quem não pensa da mesma forma, o que nunca acontece nos regimes antidemocráticos, como o comunismo e o nazismo. Mas deve-se exigir, aos políticos que se dizem católicos, que sejam consequentes com a fé que dizem ter e, se defendem teses que a contrariam em questões fundamentais, como é certamente a legalização da eutanásia, pelo menos tenham a decência de assumir publicamente a sua dissidência, apresentando-se ao eleitorado como aquilo que na verdade são, ou seja, não-católicos.

Também a Igreja, através dos seus pastores, tem o grave dever de esclarecer os fiéis sobre a incompatibilidade entre a fé cristã e a ideologia de certos partidos políticos, como aqueles que defendem a eutanásia, o aborto, a ideologia de género, o racismo, etc.

Jesus de Nazaré é exemplo de uma misericórdia que ultrapassa todos os legalismos e moralismos, como tantas vezes tem recordado o Papa Francisco, que não em vão proclamou um ano dedicado à misericórdia, talvez o mais divino de todos os atributos do Criador. Cristo fazia gala em dar-se com publicanos e pecadores, comia à sua mesa e até, causando o escândalo de escribas e fariseus, deixou que uma prostituta lhe beijasse os pés e os ungisse (Lc 7, 36-38). Mas havia um pecado que, invariavelmente, provocava a sua mais profunda repulsa: a hipocrisia dos que se diziam crentes e, depois, agiam como se o não fossem.

A Igreja não pode deixar de imitar a misericórdia do seu divino fundador e o seu repúdio do farisaísmo, nomeadamente em relação aos que se dizem católicos de oração diária e Missa dominical e depois defendem a eutanásia que, ao violar o quinto mandamento da Lei de Deus, contradiz um princípio essencial da doutrina cristã.