1 Pedro Nuno Santos é o líder de um Partido Socialista taco a taco com o PSD, que quer ser primeiro-ministro federando as esquerdas, de onde vem, numa altura em que a direita radical cresce por toda a Europa. Se cá nevasse fazia-se cá ski. Mas as temperaturas têm batido recordes todos os anos.

Meloni governa em Itália; este Verão, o Rassemblement National de Marie Le Pen ficou em primeiro lugar nas eleições em França para o Parlamento Europeu e teve o seu melhor resultado de sempre nas eleições antecipadas para a Assembleia Nacional; o FPÖ, um partido nacionalista, anti-imigrantes e pró-Rússia, nesta última igualzinho ao PCP, ganhou as eleições parlamentares da Áustria; há um ano, Robert Fico, um eurocético socialista aliado à extrema direita, ganhou na Eslováquia e o holandês anti-Islão, Geert Wilders, ganhou dois meses depois.

Em Setembro, a AfD ganhou as eleições no estado oriental da Turíngia, a primeira vitória da extrema-direita numa eleição regional desde a Segunda Guerra Mundial.

Trump é omnipresente na política mundial desde 2017.

Pelos vistos, bem pode Pedro Nuno bramir que bastava um encontro para dizer que “não é não”, que parece que estas marcas já não precisam de branqueamento e o argumento de que o PSD se juntará ao Chega pode já não valer eleitoralmente o que valeu.

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Acresce que dos Estados Unidos e do Reino Unido chegam agora dados surpreendentes que não têm a ver com radicalismos, mas com o middle-ground.

Um dos padrões mais antigos da demografia eleitoral começou a ceder. O Partido Trabalhista Inglês teve, nas últimas eleições e pela primeira vez desde que há registo, menos de metade dos votos dos não-brancos. Uma parcela do voto muçulmano fugiu-lhes e dos melhores resultados dos Conservadores ocorreram em áreas com grandes populações hindus.

Nos Estados Unidos, os Republicanos tiveram um melhor desempenho com os eleitores não-brancos há quatro anos do que em qualquer outro momento desde 1960.

Um estudo do think-tank UK in a Changing Europe e da empresa de sondagens Focaldata debruçou-se sobre as atitudes e prioridades entre diferentes grupos minoritários na Grã-Bretanha e descobriu que, muitas vezes, eles estão mais próximos do extremo conservador do espectro político do que do progressista.

Por exemplo, 22% dos britânicos pertencentes a minorias étnicas dizem que é importante para eles que o governo mantenha os impostos baixos, quase exatamente a mesma percentagem que entre os eleitores conservadores brancos, e muito superior aos 14% dos eleitores trabalhistas brancos que defendem esta opinião.

Embora 37 % dos eleitores trabalhistas brancos com formação universitária afirmem que o governo deveria adotar uma posição forte em matéria de justiça social, apenas 25% dos eleitores minoritários concordam, caindo para 21% entre os indianos britânicos – mais perto dos 14% de conservadores brancos que têm a mesma opinião.

Estes padrões são consistentes com a ideia de que a política pós-materialista se tornou cada vez mais comum entre os que já alcançaram uma posição confortável na sociedade, mas aqueles que ainda estão a ascender – entre eles as minorias étnicas – têm principalmente preocupações materiais, conclui, olhando para estes dados, o Chief Data Reporter do Financial Times.

A situação é semelhante nos EUA, onde a forte viragem à esquerda entre os liberais brancos instruídos fez com que os Democratas brancos tenham posições mais radicais que a posição minoritária num número crescente de questões, incluindo a imigração, o racismo, o patriotismo e a meritocracia.

Os americanos brancos progressistas têm agora opiniões sobre estas questões culturais que estão completamente em desacordo com a média dos eleitores negros ou hispânicos, de acordo com a análise do Echelon Insights, tal qual como os conservadores linha-dura dos EUA, estes na direção oposta. Os americanos de cor estão agora aproximadamente equidistantes entre progressistas brancos e conservadores.

O ponto é: quanto tempo mais vão aguentar, se é que ainda se aguentam, os estereótipos eleitorais, estes ou os que fazem mais sentido na realidade portuguesa?

Passemos depois às autárquicas. Se Pedro Nuno quiser atirar a Lisboa, Porto, Braga, etc, encontra o problema de o seu eleitorado padrão estar a ser outpriced dos grandes centros onde continua a trabalhar, mas não a viver, nem a votar.

E as sondagens. Em Portugal, o bloco à sua direita é maioritário. A última sondagem da Aximage, deste outubro, prevê que se tivéssemos eleições antecipadas o cenário político pouco ou nada mudaria, mas a AD tem vantagem eleitoral com 32,1% das intenções de voto, beneficiando da queda do PS para 28,6% e do Chega para 15,1%. A IL tem 6,3%.

Portanto ir para eleições agora é um exercício impossível. Claro que eleições são eleições e nunca sabemos o que pode acontecer. Não obstante, o PS pode sempre abster-se na votação do Orçamento, viabilizando-o, e não seria o primeiro a dizer depois que inalou, mas não fumou.

O labirinto é de tal ordem que Pedro Nuno Santos já indiciou existir uma saída de escape, a de não aprovar o Orçamento e não termos já eleições.

Em princípio, mais ainda em democracia, um dia virá. Se virá a tempo para Pedro Nuno Santos ou para Alexandra Leitão, cuja hipotética liderança não sei se terá de passar pela aprovação dos 19 homens líderes das 19 federações distritais do Partido Socialista (disto, infelizmente, nenhum partido se pode rir), ou para os críticos menos engagé com a frente de esquerda (não creio), logo se verá.

2 Entretanto, das três entrevistas feitas na semana passada aos líderes políticos decisivos neste Orçamento, a de André Ventura foi a fotografia deste tempo inaugurado com os “factos alternativos”, mas sem a capacidade de suscitar as emoções que suscitava há pouco tempo; a do primeiro-ministro foi a melhor; a de Pedro Nuno Santos foi uma boa sessão de terapia que disse nada quanto ao Orçamento, mas muito sobre qual é a grande questão que dilacera o PS: enterrar definitivamente o histórico bloco central, terminando o trabalho que António Costa começou com a Geringonça, e dividir definitivamente o sistema político português em dois grandes blocos que é o que, na prática, já quase opera em Portugal (boa notícia as últimas movimentações PSD/IL).

É curioso que o establishment, tão preocupado com o corpo estranho Ventura, ignore o perigo (para ele) que vem de dentro.

Simpatizo com a ideia de dois grandes blocos e também aprecio que se acabe com a influência desses “homens (literalmente) bons (é uma expressão)”, que comandam e influenciam a política nacional há anos, perpetuando a sua espécie. Têm valor, mas é tempo para quadros novos.

O que não aceito é que o PS, que se sentou com partidos eurocéticos, apoiantes de regimes hediondos, antissemitas, sem quaisquer linhas vermelhas, tudo para que António Costa fosse primeiro-ministro e sendo Pedro Nuno Santos um dos maiores defensores da aliança com estes partidos, se arme em bússola moral para a direita e para o País.

Até porque esta linha de argumentação pode estar agora desfocada. Convenhamos, André Ventura até pode ser assertivo — basta ouvir, e.g., a sua primeira intervenção na audição da ex-secretária de Lacerda Sales, na Comissão de Inquérito ao Caso Gémeas. A sua objetividade atira por terra qualquer outro deputado, seja porque esgotou o assunto ou porque os outros são tão sofistas que, cansados do introito, já não conseguimos ouvir a pergunta –; pode ser eficaz — os assuntos que levantou no último Debate Quinzenal são straight to the point que quer ver respondido o seu eleitorado e outros eleitores que não os dele –, mas André Ventura – André Ventura – não arrebatou os portugueses, nem arrebatará o PSD. Se tivesse arrebatado, o Chega já teria ganho alguma eleição e não ganhou.

A outra linha de argumentação bate, neste momento, contra outra barreira: já ninguém consegue ouvir os políticos falarem do Orçamento.

E a manobra de evasão ensaiada, vir agora falar de uma hipotética vaga de privatizações ou Alexandra Leitão dizer que o Orçamento não contempla coisas absolutamente essenciais para o PS, tão essenciais que nos oito anos do seu governo que acabou há seis meses o Partido Socialista não teve tempo para as fazer, entra por um ouvido e sai por outro. Os tempos não estão para chavões. Ou até estão, mas não são esses.

Quanto custou a pantominice ideológica de Pedro Nuno Santos na TAP? Tanto que o primeiro-ministro socialista António Costa acabou, durante o mesmo governo, a querer privatizá-la. Na saúde, significa que vou ter médico e ser tratada a tempo ou não? São mais ou menos estas as nossas preocupações.

É claro que Pedro Nuno Santos tem na Península Ibérica os casos de sucesso que lhe dão força para seguir a mesma linha: Costa que, quando o bloco central foi um obstáculo à sua ascensão a primeiro-ministro, o mandou às urtigas, foi o grande ator político em Portugal dos últimos anos, primeiro-ministro durante oito e hoje é Presidente do Conselho Europeu; e Pedro Sánchez, Presidente do Governo espanhol desde 2018 — não é pouco — chegou à Moncloa unindo as esquerdas, incluindo nacionalistas e regionalistas abalando PSOE e PP por igual.

O desmantelar da velha ordem, tal como eleições, não me parece coisa para assustar Luís Montenegro. Sendo presidente do PSD e primeiro-ministro, ou candidato a primeiro-ministro, o único bloco que o sustenta é o dos eleitores. E um Presidente da República cuja principal preocupação seja o avanço do País e das pessoas que o fazem e não a manutenção do estado das coisas.

É do fundador do PSD a expressão “Saber estar e romper a tempo, correr os riscos da adesão e da renúncia…”.

O governo não é de confiança, diz Pedro Nuno. O governo reciproca e certamente não vai suicidar-se para abrir caminho ao PS – lição aprendida em 2015 –, mas como se aproxima a Cimeira Ibérica, lembrei-me que Pedro Sanchez repetia na sua ascensão à Moncloa: “Solo hay una forma de saber si puedes confiar en una persona: confiar” (a frase é de Hemingway).