O Coletivo Pela Libertação da Palestina (CPLP, acreditem ou não), que só por brutal ignorância pode ser confundido com o Comité Pela Palestina Livre ou com a Comissão Pela Palestina Desobstruída, organizou na passada quarta-feira, em Lisboa, mais uma vigília pela libertação da – adivinhem – Palestina. Embora o evento não tenha sido notícia, decerto por encobrimento deliberado dos “media” tradicionais, não duvido do respectivo sucesso. Por dúbia que seja a arte de contar multidões, acredito que os presentes ultrapassassem a dezena e meia. Se a Palestina ainda não foi libertada, deve estar por horas.

Para cúmulo, nesta vigília particular conciliou-se a causa palestiniana com o protesto pela morte de um cidadão cabo-verdiano, após interacção com a PSP na Amadora. O que é que uma coisa tem a ver com a outra?, pergunta o leigo. Tudo, responde o CPLP. E explica: “O Estado Português levou novamente a cabo uma execução extra-judicial de um trabalhador negro.” Assim, “esta violência direta por parte do Estado português não pode ser dissociada de um contexto político nacional marcado pela normalização do discurso racista e do crescimento das forças políticas da extrema-direita, com a sua consequente legitimação da violência estatal e  extra-estatal contra todas as pessoas racializadas, contra as mulheres e contra pessoas queer, trans e não-binárias.” Logo, “este contexto nacional não pode ser separado do contexto internacional que vivemos, marcado por um genocídio racista levado a cabo desde há mais de um ano”. Pelo que, “tal como os assassinatos e a violência racista em Portugal, também a violência abominável do Estado de Israel não é uma excepção: historicamente, ela insere-se numa longa história de violência e extermínio colonial à escala planetária; presentemente, constitui a ponta-de-lança de um novo fascismo global”. Claríssimo, pois.

Um desmancha-prazeres lembraria que, nas últimas três décadas, morreram por cá 70 ou 80 pessoas (os números oscilam) às mãos da polícia, sendo umas 15 de ascendência africana, das quais não sei quantas a título de “execução extra-judicial”. Como uma vítima negra a cada dois anos dificilmente configura o “extermínio colonial” para que alerta o CPLP, é preferível ignorar os números e ficar pela retórica vaga e acusatória. E um bocadinho alucinada.

Na sua visão “total”, própria de iluminados ou doidos, o CPLP convenceu-se ou quer convencer-nos de que o Ocidente em peso, com Israel à frente e Portugal numa honrosa segunda linha, atenta contra o que chamam de “pessoas racializadas”. Suspeito que os mentores do bando estão vivos e à solta porque são brancos (ou porque a situação do SNS deixa infelizes sem consultas, diagnósticos, medicação e internamentos na ala psiquiátrica). E suspeito bem. Há meses, o Diário de Notícias dedicou um artigo ao CPLP, em que identificava dois líderes espirituais: o “jornalista” Ricardo Ribeiro e a “médica humanista” Ana Cruz. Além de caucasianos, felizmente o primeiro escreve num “site” para lá de obscuro e o humanismo não é especialidade clínica que roube excessivo tempo à segunda, o que lhes permite ocupar os dias em vigílias, marchas e saraus culturais, sem esquecer os ataques com tinta a empresas sortidas. O privilégio racial e social protege-os da polícia, dos tribunais e do “genocídio racista”.

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Paradoxo? Um de muitos. O lado engraçado do CPLP, e de dezenas de quadrilhas similares, é o descaramento com que misturam flagrantes incompatibilidades. A rapaziada acende velinhas em simultâneo para terroristas, muçulmanos, mulheres, negros e gays, numa demonstração cabal de que, com a provável excepção dos terroristas, nenhum dos grupos em questão os preocupa. Não se afligem com os negros escravizados por árabes, com as mulheres submissas do islão, com os homossexuais abatidos no Médio Oriente ou, já agora, com os moradores das periferias de Lisboa que sofrem na carne a violência de que os “activistas” apenas ouviram falar. As “minorias” são pechisbeques, pretextos de que essa gente se serve e explora para alcançar o único objectivo que de facto perseguem: a aniquilação do mundo em que, melhor ou pior, nos habituámos a viver. Esse é o lado medonho do CPLP.

Eles não disfarçam: “Da mesma forma que nos recusamos a condenar a resistência heróica por parte da população palestiniana, cujas organizações de resistência armada foram capazes de inflingir [sic] um humilhante golpe ao ocupante sionista, (…) apoiamos e apelamos à participação em todas as formas e momentos de resistência e combate contra o Estado racista português que vierem a ser adoptadas e convocados por parte das populações negras e racializadas de Portugal”. Tradução: o CPLP celebra a radical selvajaria do 7 de Outubro como celebra a baderna na Grande Lisboa destes dias e como defenderá o que possa “inflingir” (o neologismo não é meu) caos e destruição. Ao aspirar por sangue, o sangue das “minorias” que “legitima” o sangue da maioria, o negócio deles alimenta-se do ódio ao que somos, e prospera quando se arrasa o que há para em seu lugar erguer a escuridão. Na quarta-feira, a vigília exibia um lema, meio cómico e totalmente sombrio: “Da Palestina a Portugal, de Beirute ao Zambujal – Globalizar a Intifada”.

O CPLP, que em si é nada, possui uma virtude, a de dizer aos berros o que a extrema-esquerda “institucional” se limita a pensar ou a confessar baixinho. Do alto da sua imensa insignificância, esses transtornados são a voz sincera de um culto da intolerância que, por inércia, cortesia ou distracção, aprendemos irresponsavelmente a tolerar. Trata-se do comunismo, é representado na vida pública por vários partidos ou facções e existe para corroer, e idealmente abolir, a nossa trivial existência. Não é novidade que o comunismo nos declarou guerra, mas é perigoso ignorá-la.