Líder é uma palavra com dois géneros que é maioritariamente usada no masculino. A primeira parte da equação muda de figura quando falamos da palavra liderança, que é feminina. Seria expectável que as mulheres estivessem igualmente representadas em cargos de topo. Mas não é de todo essa a realidade.

É inegável que tem havido caminho trilhado nas últimas décadas para tentar promover uma igualdade entre homens e mulheres, mas ela é ainda apenas uma miragem.

A igualdade de género não é um conceito da moda; é simplesmente uma questão de direitos humanos e de justiça social. Por isso, parece quase inconcebível não assistirmos a um verdadeiro Exército coletivo de defensores deste ideal exequível.

Para haver igualdade, mulheres e homens devem ter as mesmas oportunidades no acesso à educação e à saúde, mas também no trabalho, carreira e no acesso ao poder. Infelizmente, aquelas variáveis nunca se verificam todas em simultâneo.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Há ainda hoje no Mundo problemas de desigualdades gravíssimas, que arrepiam os valores das sociedades ocidentais de países desenvolvidos e constituem verdadeiros atentados aos direitos humanos. Diremos todos, claro, que estamos num paraíso quando comparados com locais em que os direitos mais básicos das mulheres estão completamente subtraídos ou ignorados.

Ainda assim, também nas sociedades de democracias igualitárias, a situação continua a ser discriminatória e as estatísticas mostram-no sobejamente: as mulheres têm um nível de instrução superior ao dos homens, mas ganham menos por trabalho igual e é-lhes muito mais difícil chegar a cargos de liderança. Acresce que as dificuldades não se dissipam depois de terem alcançado um lugar de topo.

Podemos enumerar várias barreiras sociais e culturais, individuais e coletivas, que têm impedido mais mulheres de assumir lugares de topo; muitas delas esbarram precisamente em questões como a educação e formação cívica, que serão sempre um fator chave para termos uma sociedade desenvolvida e onde a igualdade é elementar.

Mas o famoso teto de vidro — ‘glass ceiling’ —  é afinal uma manta cheia de preconceitos.

A expressão refere-se a um obstáculo invisível à promoção da carreira baseado em sexismo ou em atitudes preconceituosas. O sexismo e os vieses de género – intencionais ou não –  têm sido, a meu ver, as principais barreiras à progressão das mulheres.

Durante os primeiros 20 anos da minha vida profissional, a liderança ligada ao género nunca ocupou muito espaço na minha reflexão. Na verdade, só senti a barreira de ser mulher quando cheguei ao cargo que hoje ocupo. E foi nesse momento, que, retrospectivamente, me apercebi que ao longo do meu percurso esta questão tinha estado sempre presente.

O conceito de feminismo foi deturpado ao longo do tempo por preconceitos que não correspondem à verdade. Muitas de nós, mulheres, acabamos por ser vítimas e veículos também desses estereótipos ou preconceitos. Mas não devíamos, porque assumir que se é feminista é apenas lutar por alcançar uma sociedade em que homens e mulheres tenham direitos iguais, oportunidades iguais, salários iguais pelo mesmo trabalho e vejam o seu valor reconhecido de forma igual.

Acredito profundamente que este é um debate que tem de ser feito por toda a sociedade, porque deve importar a todos: mulheres e homens.

Claro que, mais do que falar, importará fazer. A ação já vai com muitas décadas de atraso. Entendo, todavia, que não podemos calar o problema e que precisamos de dados, factos e mais provas para o tornar ainda mais visível, sabendo onde devemos atuar para deixarmos às gerações futuras uma base mais favorável à igualdade de género.

A criação do Movimento LIFE – Liderança no Feminino na Saúde é um dos passos para conduzir a ações concretas. E porquê a área da Saúde?

Por dever de transparência, é, em primeiro lugar, a área que conheço profissionalmente há 25 anos. Mas esse motivo é secundário.

A esmagadora maioria da força de trabalho na Saúde – cerca de 75% – é feminina, enquanto a sua representação em lugares de topo é de 38%. Que razões estão por trás desta discrepância?  Ninguém acredita que as mulheres serão menos competentes ou terão menos vontade de liderar…

Em suma, as mulheres representam uma larga maioria da força de trabalho no setor da Saúde, mas estão em clara minoria nos papéis ou cargos de liderança.

O mesmo se poderá passar noutros setores de atividade. Acredito que, na Saúde, este facto assume uma relevância particular. Alguns estudos têm demonstrado que, enquanto líderes, as mulheres têm maior probabilidade ou tendência de tomar decisões que têm em conta a perspetiva de outras mulheres e que impactam diretamente nas suas vidas, pessoais e familiares.

Com este Movimento, fruto de uma parceria entre Faces de Eva.Estudos sobre a Mulher/CICS.NOVA (NOVA-FCSH) e a Roche, procuramos integrar e ouvir dezenas de mulheres portuguesas na área da Saúde.

Não pretendemos ser panfletárias ou criar apenas um momento isolado no tempo em que se debatem estes temas. Gostaríamos de fazer uma reflexão continuada no tempo, recolhendo informação e dados, analisando-os, propondo e sugerindo medidas, iniciativas ou ideias que melhorem o estado atual.

Tal como a sombra de uma árvore acabada de plantar só será usufruída pelas gerações futuras, sabemos que este Movimento LIFE servirá sobretudo para criar um terreno mais fértil para as meninas e jovens de agora e para as que se seguirão. Porque queremos que a liderança seja uma palavra feminina não apenas no dicionário.

O Movimento LIFE é uma parceria das Faces de Eva: Estudos sobre a Mulher/CICS.NOVA (NOVA-FCSH) e da Roche