A 12 de Outubro de 1984, o IRA tentou matar Margaret Thatcher. Se recordarmos esse acontecimento e o compararmos com a tentativa de assassinato de Donald Trump há 8 dias deparamos com duas diferenças óbvias e gritantes. Primeiro, quem tentou matar Thatcher foi um grupo terrorista com um projecto político e não um indivíduo desequilibrado. A segunda, a mais reveladora, é que Thatcher, ao inverso de Trump, não se definiu como eleita por Deus.
Muito pelo contrário, no seu discurso no dia seguinte na conferência do partido conservador, Margaret Thatcher começou por referir os mortos e os feridos, qualificou o atentado como uma tentativa de ferir o governo de Sua Majestade que fora eleito democraticamente, para de seguida agradecer à polícia, aos bombeiros, aos serviços das ambulâncias, aos enfermeiros e aos médicos. Thatcher não se considerou a si mesma, ela em específico, como o alvo da bomba. O objectivo dos terroristas não fora ela, mas sim a primeira-ministra do Reino Unido. Não fora ela, mas o posto. Não fora ela, mas o país. Não era ela, mas a democracia. Como também, apesar de crente, Deus não foi chamado à história. Aliás, isso não seria possível para uma verdadeira cristã. A um verdadeiro cristão não passa pela cabeça que Deus permita que alguém morra para nos salvar porque, para Deus, não há pessoas providenciais, não há indivíduos de primeira nem de segunda. Deus não se segue pelos nossos critérios políticos, menos ainda pelo nosso conceito de força, fama e sucesso. Thatcher sabia disso porque acreditava nisso. Foi dessa humildade que retirou a sua força para levar por diante um projecto político sólido de defesa da liberdade e da igualdade perante a lei. O oposto de Trump. Não porque os tempos sejam outros, mas porque Thatcher era muito diferente do género de pessoa e de político que é Donald Trump.
Talvez por isso, quem tentou matar Thatcher foi uma organização terrorista com um objectivo político e não um miúdo tímido perseguido na escola pelos colegas. Atenção que isto não retira nada ao facto de alguém ter tentado matar Trump nem sequer ao valor da sua reacção imediata, que foi corajosa. Simplesmente, essa diferença realça um facto: Trump é uma miscelânea de ideias e mensagens confusas e contraditórias, não só entre si mas também nos seus efeitos e consequências. Enquanto Thatcher sabia o que queria e o que tinha de fazer, Trump é um atirador furtivo que dispara em todas as direcções. Thatcher era acutilante e incisiva nos seus comentários, mas nunca aceitou a violência, fosse esta verbal ou física, política e menos ainda criminosa. Já Trump faz disso arma de arremesso, não só nas suas críticas gratuitas e ofensivas a John McCain, nos comentários grosseiros à tentativa de assassinato do marido de Nancy Pelosi, mas nas suas reacções às ondas de violência racial que se propagaram pelo país fora, sem falar do modo criminoso, um acto de verdadeira traição à democracia norte-americana, que foi a forma como reagiu, como alimentou, o assalto ao Capitólio, a 6 de Janeiro de 2021.
É provável que Trump vença em Novembro. Como cristão acredito que a esperança é a última a morrer e que muita água ainda vai correr debaixo da ponte. Mas um dado é certo: Donald não é o homem que vai ajudar os norte-americanos que sentem dificuldades, porque os homens que se consideram providenciais não fazem outra coisa além de se ajudarem a eles próprios. E fazem-no principalmente à custa de quem neles acredita e que lhes dá força. À custa de mais divisão, mais ódio e mais violência. Até ao dia em que a ordem tem de ser reposta, nem que seja à força e nem que seja por alguém mais sólido que Trump, como é o caso de J.D. Vance, um nacionalista que defende o proteccionismo económico, política posta de parte há décadas por proteger as grandes empresas em detrimento da livre concorrência, a melhor forma de inovar e baixar os preços.