Era de esperar. Após quase nove anos de desvalorização do cargo, não espanta a quantidade de gente que legitimamente se sente habilitada a desempenhá-lo. Se o prof. Marcelo fez da presidência da República um palco de variedades, é natural que qualquer artista olhe para aquilo e se ache capaz de fazer igual ou, Deus permita, melhor. E quando digo qualquer artista não falo dos habituais cançonetistas excêntricos à política, como o sr. Tino de Rans ou, nas fases preliminares, o vocalista dos Ena Pá 2000. Falo mesmo de qualquer um.
Para já, em matéria de “presidenciáveis” (ou de indivíduos que “não excluem a hipótese de candidatura”), temos o dr. Portas, o ex-futuro da direita que entretanto se especializou a difundir patranhas – a pretexto da Covid, de Trump e do que calha – num canal televisivo. Temos o dr. Centeno, que sem receio nem vergonha saltitou das Finanças para o Banco de Portugal e agora quer saltitar outra vez. Temos o dr. Marques Mendes, o boneco que aspira ao posto do ventríloquo. Temos a dra. Leonor Beleza, cuja prova de vida política nas últimas décadas consistiu num remoque a Pedro Passos Coelho, o único “presidenciável” a sério e que, infelizmente, não temos. Temos o dr. Seguro, que por comparação e através do silêncio adquiriu certa “gravitas”. Temos o dr. Vitorino, sinal de que provavelmente alguém decidiu gozar com o pagode. Temos o dr. Santos Silva, sinal de que inequivocamente alguém decidiu gozar com o pagode. Temos a dra. Ana Gomes, porque parece que berrar insanidades na Sic Notícias hoje constitui currículo. Temos o dr. Santana, que sob várias perspectivas continua a ser o dr. Santana. Temos os que sonham com o porta-voz do Hamas, eng. Guterres de sua imensa graça. Temos o dr. Aguiar-Branco, de facto uns degraus acima dos restantes no que toca a decência. E temos os comunistas da praxe, talvez os drs. António Filipe e, se ainda estiver vivo, Francisco Louçã. Fora dos partidos e à espera dos partidos, temos o almirante Gouveia e Melo, célebre por coordenar a montagem de tendas para uma campanha de vacinação.
Isto por enquanto, que até 30 dias antes das eleições de 2026 nada impede novos e sonantes nomes de se juntarem ao rol acima. Em temerária manobra de antecipação e patriotismo, aproveito para juntar já o meu. Leram bem: não excluo a hipótese da minha candidatura a presidente da República, anúncio que conto ver recebido com uma vaga de fundo e duas ou três multidões em delírio nas ruas (evitem estragos excessivos). Não posso? Posso sim, senhor. Desde logo, constitucionalmente: possuo nacionalidade portuguesa, capacidade eleitoral activa e, embora dispensasse a vantagem, sou maior de 35 anos. Daqui em diante, é sempre a subir. Ao contrário dos meus rivais, que não assumem nem saem de cima e que não apresentam um esboço de “programa” ou sequer uma ideia, eu chego à corrida com um programa perfeitinho e uma data de ideias. A título de aperitivo, deixo aqui meia dúzia, exemplares de um modo diferente de desempenhar a função e, de caminho, resgatá-la dos abismos de enxovalho em que caiu. E onde, caso eu não seja eleito, seguramente se manterá.
Residência. Apesar de ser historicamente enriquecedor morar no lugar em que, nas palavras de um futebolista do Belenenses, nasceu Cristo, a verdade é que prefiro a minha casa. Fica longe de Lisboa? Lisboa é que fica longe de minha casa, e na qualidade de mais alto magistrado da nação não estou para me maçar. Além disso, economiza-se em pessoal: para limpezas, a dona Amélia e eu próprio chegamos, e sei conduzir sozinho, muito obrigado.
Conselheiros. Não preciso, a menos que a dona Amélia adoeça e haja que passar a ferro os edredões.
Viagens ao exterior. Nisto tenciono poupar bastante ao erário público. O prof. Marcelo fez 131 viagens oficiais a 55 países, ou cerca de 15 passeios anuais. O estilo vida airada não me cai bem. Descontada Espanha, que é pertinho e me serve o ocasional jantar, só me disponho a uma saída (prolongada: digamos três semanas) a cada seis meses, invariavelmente aos Estados Unidos, sem formalidades, sem “agenda” e sem comitiva de políticos, empresários e pechisbeques da “cultura”. Era o que faltava.
Viagens ao interior. No interior estou eu com frequência, e não me apetece cirandar pela portugalidade profunda ou superficial a contemplar rotundas, a inaugurar “certames”, a tirar “selfies” com transeuntes atordoados e a decretar que somos “os melhores dos melhores” em tudo e inúmeros pares de botas. Para despachar a coisa, informo que somos os melhores dos melhores em tripas à moda do Porto, pezinhos de coentrada, ovos moles de Aveiro e, claro, Amália Rodrigues. Se me lembrar de mais, do que duvido, di-lo-ei na altura devida.
Recepções e audiências. Visitas de dignitários estrangeiros? Salvo excepções, que divulgarei em breve, que não ultrapassarão o singular dígito e que incluem Javier Milei, não atendo ninguém. Dado o panorama internacional, a probabilidade de aturar patetas ou pior é elevadíssima. Quanto a delegações nacionais, de sindicalistas, deputados, “personalidades” avulsas e treinadores da bola que conquistaram uma taça no Dubai, podem enviar e-mail que um dia, se me der jeito, não respondo.
Comendas. Julgo que não resta uma alminha em Portugal sem um penduricalho atribuído pelos sucessivos presidentes, donde a questão não se põe.
Comemorações. O 25 de Abril, o 10 de Junho e o 5 de Outubro são efemérides lindas. Por azar, são datas em que estarei ocupado a não receber homólogos uruguaios ou a não participar no aniversário da Casa do Benfica em Carcassonne.
Estilo. Numa curiosa interpretação das obrigações constitucionais, o prof. Marcelo passou 36% dos mandatos a despir-se e a vestir-se em praias repletas de repórteres televisivos. Dado que não vou a praias, e principalmente a praias em que a temperatura do mar se encontre abaixo dos 25 graus, o risco de ser filmado em pelota é reduzido. Prometo igualmente não dançar à frente ou atrás das câmaras, não roubar batatas fritas em restaurantes, não abraçar inocentes, não fingir que sei assentar calçada e não aparecer em todos os “casos” a exigir, com a menor convicção possível, que “se apurem responsabilidades”, “até às últimas consequências” e “doa a quem doer”.
Interpretação dos poderes presidenciais. Cabe ao presidente garantir o “regular funcionamento das instituições democráticas”. Visto que as nossas instituições democráticas regularmente funcionam mal, não me peçam para demitir governos e trabalheiras afins. É notório que não iremos longe independentemente de quem manda, e assim continuará comigo – apenas com menos gastos e, sobretudo, menos embaraços. Os governantes e os portugueses que elegem os governantes não querem reformas: querem a reforma. Eu também. Vote em mim. Make Portugal Mediocre As Usual (os bonés MPMAU não tardam).