A 9 de Janeiro, para justificar novo “confinamento”, ou a prisão domiciliária de milhões de pessoas, o prof. Marcelo acusou os portugueses de quebrarem o “pacto de confiança” e passarem o Natal a contaminar-se com o vírus. A 10 e 11 de Janeiro, o prof. suspeitou estar infectado e desatou, “de duas em duas horas”, a submeter-se a testes à Covid, cujos resultados oscilantes mandou publicar no “site” da presidência e cuja reputação saiu arruinada do episódio. A 12 de Janeiro, o prof. Marcelo afirmou-se “muito irritado” com as autoridades da saúde, não por estas terem voltado a cancelar o tratamento a inúmeros cancerosos, condenando-os a uma morte quase certa, nem por continuarem a desprezar os hospitais privados no combate à epidemia, mas por não lhe darem um esclarecimento escrito sobre a participação dele num debate televisivo. Ainda a 12 de Janeiro, o prof. Marcelo propôs à AR o prolongamento do estado de emergência até ao fim do mês, agora com a possibilidade de “medidas de controlo de preços e combate à especulação ou açambarcamento de determinados produtos”. A 13 de Janeiro, data de uma “comunicação” do dr. Costa que oficializou a situação ditatorial no país, soube-se também que o Ministério Público andou a espiolhar dois jornalistas, embora sobre ambas as coisas o prof. Marcelo ficasse calado. A 14 de Janeiro, o prof. Marcelo achou “inevitável” o aumento da dívida, visto que “não há outro remédio”, e que é “importante” que a PGR investigue o que ocorreu com os jornalistas investigados pela PGR, supostamente “doa a quem doer”. A 15 de Janeiro, o prof. Marcelo já fez mais de 80 (oitenta) testes à Covid e prepara-se para apoiar o “confinamento” até à Primavera, Deus sabe de que ano.

Em menos de uma semana, eis uma compilação representativa do homem que ocupou a chefia do Estado nos sessenta meses anteriores e que, salvo envenenamento por zaragatoas, a ocupará nos sessenta que se seguem. Desprezo pelos cidadãos. Paternalismo. Demagogia. Hipocondria. Privilégio. Egocentrismo. Obsessão com o próprio umbigo. Pavor face à eventual impopularidade desse umbigo. Horror ao confronto. Fogachos autoritários. Indiferença estratégica perante as acções calamitosas, e frequentemente criminosas, do governo. Desdém dedicado às consequências ou inconsciência das mesmas. Apreço pela conversa fiada. Relativa infantilização do cargo e do mundo em redor. Nestes dias, faltou apenas a apetência do prof. Marcelo em despir-se à nossa frente, talvez desaconselhado pelo frio.

Em 2016, votei no prof. Marcelo porque receei a vitória daquele dr. Nóvoa, porque imaginei que servisse de contrapeso à frente de esquerda no poder e porque eu devia estar maluco. À época, não tinha excessivo respeito pelo prof. Marcelo. Hoje não tenho nenhum. Os estragos que o dr. Costa causou nestes cinco anos só têm rival na placidez com que o prof. Marcelo os permitiu e legitimou. Não é uma surpresa que um caudilho com um passado estalinista e um presente desprovido de escrúpulos lidere um projecto autocrata e ruinoso. Porém, confesso relativa surpresa com o incondicional beneplácito do prof. Marcelo no processo, aliás indispensável ao respectivo êxito. A prepotência do pior primeiro-ministro desde Vasco Gonçalves não dispensou o pior presidente desde Américo Thomaz ou o dr. Sampaio, que pelo menos não tiravam “selfies”.

Segundo diversos comentadores, e um ou dois que sinceramente estimo, a reeleição do prof. Marcelo é a garantia de que o PS não toma conta de tudo. Percebo a ideia. Infelizmente, a ideia não percebe a realidade. Sob a atentíssima vigilância do prof. Marcelo, o PS conquistou o Tribunal de Contas, o Banco de Portugal, a Procuradoria-Geral da República e uma infinidade de órgãos secundários e terciários por aí abaixo e pelo país afora. Além disso, com inédita desfaçatez, o PS transformou o compadrio em moeda de troca, o empobrecimento em modo de vida e, sob a conivência jovial do prof. Marcelo, a impunidade em habitat natural. Na resistência à ofensiva totalitária dos socialistas, o prof. Marcelo é a aldeia do Astérix, se a aldeia do Astérix oferecesse um banquete aos romanos e a chave honorífica a um centurião. Em lugar da garantia de que o PS não toma conta de tudo, o prof. Marcelo parece garantir de que ao PS não escapa nada, incluindo, dadas as circunstâncias, a própria presidência da República.

Dadas as circunstâncias, é inútil especular sobre o que seria de nós caso Belém estivesse nas mãos de um marxista confesso. Basta constatar o que é de nós estando Belém assim como está. E concluir que dificilmente poderíamos estar mais condenados à desgraça. De facto, convém ao dr. Costa ter um alegado “social-democrata”, ou “liberal-social” ou lá o que é a amparar-lhe o fanatismo e a inépcia. Um camaradinha do partido evidenciaria em excesso a arbitrariedade do regime – um “adversário” (risos) suaviza-a e ajuda a simular “pluralismo” e “democracia”, principalmente entre os distraídos e os comatosos. E principalmente na ausência de oposição.

Corre por aí que não compete ao prof. Marcelo substituir-se a uma oposição com a vitalidade dos pisa-papéis. Formalmente, é verdade. Na prática, nunca foi tão necessário um presidente capaz de escrutinar o governo e afrontar os seus abundantes excessos. E nunca, antes do prof. Marcelo, um presidente abdicou tão radicalmente dessa função. Durante cinco anos, o prof. Marcelo preferiu a “estabilidade”. Haverá mais cinco anos para confirmar que a “estabilidade” dele não se distingue da nossa miséria, material e não só. Mas, desta vez, não com o meu voto. É melhor perder com decência que ganhar com vergonha.

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