A mais recente cimeira da NATO teve lugar a 14 de Junho, em Bruxelas. Nela, os 30 membros dessa aliança convergiram em 79 pontos num importante esforço de renovação da Aliança Atlântica. A cimeira fez também parte do périplo de Joe Biden pela Europa, em que ele procurou encontrar um modus vivendi com um adversário perigoso, a Rússia, bem como renovar o compromisso com velhos aliados para lidarem com novos desafios.
A ocasião é um bom pretexto para discutirmos se a Aliança Atlântica ainda serve os interesses estratégicos vitais de Portugal. Afinal, a NATO foi criada em abril de 1949 para conter e, se necessário, combater a União Soviética. Ora este Estado comunista implodiu em 1991 (sobretudo como resultado de uma extrema incompetência económica e excessiva ambição expansionista).
Ainda precisamos da NATO? Do meu ponto de vista sim. Vivemos num mundo altamente conectado, mas, também, cada vez mais contestado. Temos grandes potências como a China e a Rússia a investirem massivamente em novos meios militares. Portugal, pela sua posição geoestratégica, beneficia de alianças atlânticas fortes. Mas claro que na política há sempre escolhas, desde que se queira e possa pagar o preço.
Desse ponto de vista é significativo que mesmo durante o PREC, em 1975, quando os slogans hostis à NATO abundavam nas paredes de Lisboa, ninguém pensou seriamente em sair da Aliança. Nessa altura, Portugal terá deixado temporariamente de ter acesso a alguma informação classificada mais delicada. Mas nem mesmo o governo português mais radicalmente à esquerda da nossa história contemporânea, o do Coronel Vasco Gonçalves, parece ter contemplado a saída. Vasco Gonçalves tentou mesmo explicar a Henry Kissinger que a presença de comunistas no governo em Portugal não seria um problema para a participação do país na NATO, que era inevitável tendo em conta a situação geopolítica do nosso país.
Dito isto, é evidente que numa democracia pode discutir-se sempre quais as melhores opções de política externa para Portugal. Reconheço ao PCP e ao Bloco de Esquerda o mérito de, pelo menos, procurarem colocaram as grandes opções de política externa no debate público, onde raramente aparecem. Mas as razões que estes partidos alegam para criticar a pertença de Portugal à NATO não fazem grande sentido.
Um primeiro argumento muito usado é o de que a NATO é uma aliança “imperialista” contrária à Carta das Nações Unidas, e uma organização agressiva que viola a Constituição Portuguesa, a qual obriga o Estado português a procurar uma solução pacífica para os conflitos. Ora, nesta Cimeira de Bruxelas a NATO afirmou de novo, no comunicado final, o seu compromisso com a Carta das Nações Unidas, como, aliás, já o tinha feito no seu Tratado fundador de Abril de 1949. E convém lembrar que Carta das Nações Unidas, pilar da lei internacional, dedica todo o seu capítulo VIII à existência, à legitimidade e à importância de organizações de segurança regional de defesa mútua, como é o caso da Organização do Tratado do Atlântico Norte. A NATO e a ONU têm colaborado frequentemente ao longo das últimas sete décadas.
Quanto à nossa Constituição, é verdade que ela indica uma preferência, compreensível para qualquer pessoa sensata, por resolver conflitos internacionais pela via pacífica. Mas a Constituição não cai num pacifismo utópico, e isso fica evidente no facto de prever a existência de umas Forças Armadas. A Carta das Nações Unidas e a Constituição portuguesa admitem perfeitamente a necessidade de dissuadir e até de responder militarmente a ameaças em legítima defesa, que é um princípio básico de qualquer ordem justa. E nada na Carta ou na Constituição impede que essa defesa seja feita a nível regional, de forma coletiva, inclusive em alianças como a NATO.
O que dizer quanto à acusação de que a Aliança Atlântica é um instrumento agressivo do imperialismo americano? É verdade que se pode questionar a oportunidade ou a eficácia de intervenções militares da NATO como na Líbia, em 2011, no Kosovo, em 1999, ou no Afeganistão, de 2002 até ao presente. Porém, em nenhum desses casos a NATO criou um conflito ou invadiu um país com a intenção de o ocupar por um período longo. É inegável que a NATO assenta muita da sua credibilidade no facto de contar com a maior potência militar do mundo como seu membro fundador, os EUA. E, naturalmente, isso confere aos norte-americanos uma posição de liderança informal da Aliança Atlântica. Mas, formalmente, todos os Aliados são iguais e têm efetivamente alguma voz à mesa, assim a saibam e queiram usar. E a verdade é que a agenda da NATO não é determinada apenas pelos norte-americanos. Em dois dos conflitos referidos – Kosovo e Líbia – foram os EUA a ser alvo de forte pressão dos seus aliados europeus para apoiar uma intervenção militar da NATO, e não o contrário.
Em todos esses casos, a NATO interveio em guerras civis já em curso que estavam a provocar catástrofes humanitárias que afetavam os interesses estratégicos de alguns dos Aliados. O Afeganistão dos Talibã optou por ser um santuário para grupos radicais, o que permitiu à Al-Qaida treinar e planear o 11 de setembro de 2001, o mais sangrento ataque ao território continental dos EUA desde a invasão britânica de 1812.
É verdade que qualquer um destes exemplos mostra que há limitações numa intervenção militar. Ela pode ser muito eficaz a resolver um problema imediato, sobretudo a derrubar um regime ou um líder hostil, mas a democratização, o desenvolvimento e uma paz durável exigem processos muito mais complexos, difíceis e essencialmente internos a cada país. Mais do que na NATO, o problema está, assim, na forma completamente irrealista como o uso da força tem sido, por vezes, apresentado politicamente nas últimas décadas.
Tendo em conta o passado e a geografia de Portugal, bem como o momento atual do mundo, seria um disparate abdicarmos da extraordinária garantia de segurança e paz que é pertencer à Aliança mais antiga, mais bem organizada e mais robusta da história. Que nesta cimeira de Bruxelas estendeu expressamente a sua cláusula de defesa mútua também a ciberataques. E com ou sem a NATO seria um erro para um país atlântico como Portugal não ter boas relações de cooperação com uma grande potência atlântica como os EUA. Esperemos que a visita de Joe Biden à Europa seja um sinal de que os EUA, de tão focados que estão na China, não esquecem que uma das grandes fontes da sua força é serem uma potência bi-oceânica, tanto do Atlântico como do Pacífico. Esperemos que signifique que percebem que para terem a Europa ao seu lado não podem apenas falar com a Alemanha ou a França. Deveria ser notado por alguém nos EUA que o Presidente Xi visitou Portugal em 2018, e que o último presidente norte-americano a visitar Portugal foi Obama, em 2010, aliás, precisamente para uma cimeira da NATO.
Num mundo em que a NATO viesse a colapsar poderíamos ter de pensar na defesa de Portugal sem esta Aliança. Mas optar por sair voluntariamente não faz qualquer sentido do ponto de vista dos nossos interesses estratégicos e, certamente, em nada contribuiria para a paz ou o desarmamento no mundo.
Bruno Cardoso Reis (no twitter: @bcreis37), historiador, é um dos comentadores residentes do Café Europa na Rádio Observador, juntamente com Henrique Burnay, Madalena Meyer Resende e João Diogo Barbosa. O programa vai para o ar todas as segundas-feiras às 14h00 e às 22h00.
As opiniões aqui expressas apenas vinculam o seu autor.
Pode ouvir o último Café Europa aqui