Quando a onda caiu sobre Isabel dos Santos foi como se mais nada interessasse em Portugal: um motorista terá sido agredido como retaliação por ter denunciado uma passageira sem bilhete que por sua vez denunciou uma agressão policial (a repetição da cartilha das políticas identitárias aplicada nos banlieu franceses está já a dar os seus resultados). Mas qual é a importância disso quando temos a Isabel dos Santos para comentar? A carga fiscal é ainda maior que o previsto pelo Governo? Sim, mas temos esta questão da Isabel dos Santos… O Governo acaba com a gestão privada no SNS mesmo que isso implique degradar os serviços? Pois, mas aquilo da Isabel dos Santos é uma vergonha!
O mecanismo é sempre o mesmo: a cada onda somos levados a uma nova campanha. Com estardalhaço a vaga cai sobre um alvo enquanto a onda desvia do nosso olhar os mesmos de sempre – aqueles que determinam para onde a onda nos deve levar. No fascínio e temor que nos inspira o espectáculo do naufrágio daquele até esse momento poderoso e nas tentativas de sobrevivência daqueles que o rodeavam não vemos como à nossa volta tudo se esboroa. É tão mais fácil falar sobre a justiça angolana do que sobre a portuguesa, não é?
Assim que a onda caiu sobre Isabel dos Santos foi como se Angola voltasse a ser nossa. Mais exactamente a cidadão angolana Isabel dos Santos tornou-se nossa. Só assim se entende que em Portugal, país que tem à espera de julgamento um ex-primeiro-ministro a quem é considerado quase crime perguntar do que se governa (entre os mais indignados com essa pergunta contam-se muitos daqueles que agora se indignam com o enriquecimento de Isabel dos Santos), se viva agora em estado de comoção mediática as notícias que confirmam o que há décadas, perante a indiferença geral, se diz e escreve sobre quem dirige Angola. E indiferença geral é uma forma simpática de descrever o fenómeno de enfado mostrado com aqueles que não alinhavam no fascínio com a “princesa angolana” que, ao contrário de muitos dos membros daquilo a que se chamava élite angolana, até mostrava talento para multiplicar os milhões que lhe tinham caído nos braços, pois a maior parte deles limitava-se a esbanjar de forma grotesca o que lhe calhara no quinhão. Ou saque, como lhe quiserem chamar.
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