Está em cima da mesa uma polémica desencadeada pelo historiador Nuno Palma (NP), professor na Universidade de Manchester, acerca de diversos aspectos sócio-económicos da ditadura salazarista. Conheço pessoalmente NP do Instituto de Ciências Sociais e já tive oportunidade de conversar com ele acerca destes temas, em especial a questão do aumento da literacia durante o salazarismo, cujo texto só agora li.

Em contrapartida, não consegui aceder a nenhuma publicação de NP sobre o crescimento económico em Portugal durante a ditadura (1926-1974). Pessoalmente, não sou economista nem estatístico, mas publiquei um ensaio sobre «a longa década de Sessenta» no recente livro coordenado por José Maria Brandão de Brito e Paula Borges Santos. Aí se confirma que o período que vai desde o início das guerras coloniais (1961) até à crise do petróleo (1973), a qual contribuiu seguramente para o golpe militar do 25 de Abril, foi o mais longo período de crescimento económico da história contemporânea portuguesa, atingindo mais de 100% de aumento do PIB.

O que me surpreendeu na afirmação de NP acerca da superioridade do crescimento económico sob a ditadura não foi o facto conhecido de a economia portuguesa ter crescido à média anual de 7%-8% durante mais de 10 anos anteriormente ao 25 de Abril. Trata-se, com efeito, de algo que nunca acontecera nem voltou a acontecer. A isso acrescenta-se o facto de a economia já vir a crescer desde o pós-guerra até 1960 ao ritmo anual de 4%. Este crescimento é, pois, um facto incontornável e não deixa de ter, efectivamente, um efeito desarmante em relação ao regime democrático.

Possivelmente, Salazar terá achado que tal mudança não era boa para a ditadura. Foi o que Caetano veio a verificar à sua custa, pois a mudança quantitativa era também qualitativa, nomeadamente no que diz respeito aos modos de vida e às atitudes políticas que vieram a espelhar-se na candidatura do general Humberto Delgado à presidência da República (1958), o qual tinha, aliás, sido «fascista» desde os anos 20 e se mantivera fiel ao regime. Não foi isso, todavia, que me admirou.

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Com efeito, a emergência da «guerra fria» e a criação da NATO (1949), ao consolidarem o regime salazarista, não deixaram de o condicionar, tanto do ponto de vista financeiro (Bretton Woods, 1944; FMI, 1949) como económico. Mais tarde, a Grã-Bretanha levou Portugal para a EFTA (1960) a fim de competir com a CEE (1957), fazendo o país entrar no comércio internacional. Entretanto, surgiram em 1953 os Planos de Fomento que duraram até à véspera do 25 de Abril e, no caminho, puseram termo ao regime autárquico que vigorara até então. O regime encerrava, pois, o período do corporativismo económico e social para aderir nolens volens a uma versão do capitalismo que os posteriores governos democráticos nunca foram capazes de gerir, com a excepção de Cavaco Silva, ao entrarmos na «Europa». Sem surpresa, a evolução sócio-económica da ditadura nacional entrou, nos anos da reconstrução capitalista, em contradição com a ideologia de Salazar mas também com o passadismo do PCP, que se opunha a qualquer modernização.

Não sei que mais disse NP acerca do crescimento económico do país durante o quarto de século anterior à democracia: 150% de aumento do PIB à média anual de 6%. Quanto à democracia, ficou-se por um crescimento anual inferior a metade durante 46 anos (2,6%). A comparação com a República (1910-1926) não faz sentido: os escassos 16 anos que durou, mostram o destino a que o regime estava condenado como tantos outros na Europa. A República pouco mais foi do que a antecâmara da ditadura.

Já no que respeita ao estudo de NP sobre a literacia, a comparação entre República e Estado Novo pareceu-me metodologicamente desigual e as estatísticas apresentadas são difíceis de analisar. Finalmente, o argumento ideológico segundo o qual o discurso salazarista seria mais apelativo do que o republicano para os pais e os alunos da escola pública resta por provar. Seja como for, não há dúvida que foi muito mais gente escolarizada depois da Segunda Guerra Mundial do que no tempo da 1.ª República. Isso não impede, contudo, que Portugal continue a ser o país menos escolarizado da Europa. Portanto, o mérito do salazarismo foi limitado.

Dito isto, o que mais me admirou nas intervenções de NP é que, em vez de as publicar nas revistas apropriadas, tenha optado por apresentar as suas conclusões pouco abonatórias do período republicano e do pós-25 de Abril numa sessão organizada por um «Movimento Europa e Liberdade». Ora, este encontro não só está associado à extrema-direita, como não se dirigia a um público esclarecido capaz de reagir positiva ou negativamente ao discurso de um universitário como o Doutor Nuno Palma. Isso é que não percebi… A não ser que se trate de uma provocação?