“Se eu fosse americano, votava na Kamala”, disse José Miguel Júdice. É uma frase – comum – que não faz o mínimo de sentido. Diz Júdice, a partir de uma posição de conforto, “Se eu fosse americano…” Que americano? Um investidor de Wall Street ou um desempregado do Rust Belt?
A situação particular de cada um determina o seu sentido de voto. Não é um português privilegiado, sentado num sofá a uns milhares de quilómetros, que se pode colocar no lugar de um americano em concreto.
Imaginemos o inverso. Um norte-americano diz que, se fosse português, votava no PSD. Abstraiamo-nos do facto de ser muito pouco provável que um norte-americano se interesse pela política portuguesa. Se fosse português? Que português? Um desempregado alentejano? Um funcionário público? Um empresário? Qualquer um veria o absurdo de uma tal afirmação. Por que não vemos o mesmo quando um português faz o mesmo tipo de comentário sobre as eleições americanas?
O português, se pudesse, votava em várias eleições do Mundo – em especial nas americanas, porque sabe melhor do que um americano o que é bom para ele. É um pouco como uma Mariana Mortágua, que sabe melhor do que o povo o que é bom para ele (e por isso não gosta de eleições).
A política a partir do sofá é simples, em especial quando a realidade está a uma distância de segurança. Quando não se vive em Israel, sob tensão permanente, nem em Cuba, sob uma ditadura violenta, nem no sul de Itália, com a pressão constante dos imigrantes que chegam do Norte de África (aqueles que os franceses não querem receber), quando se está a uma distância de segurança, dizia, é fácil apresentar soluções idílicas e politicamente corretas. O problema surge quando nos confrontamos com a realidade.
Max Weber, que, pelo que sei, é caro a Pedro Mexia, distinguia a ética da compaixão da ética da responsabilidade. Por exemplo: podemos sentir compaixão em relação às centenas de milhares de pessoas que atravessam o mediterrâneo ou o canal da Mancha em barcaças à procura de uma vida melhor, e seria no mínimo estranho que não o sentíssemos; mas um governante tem de ser responsável – e aqui irrompe a outra ética – e pensar nas consequências concretas que um influxo migratório descontrolado tem, inevitavelmente, no equilíbrio precário das sociedades.
Voltemos aos americanos. Eles têm uma boa expressão, que não é de fácil tradução: “put your money where your mouth is”, que é como quem diz, “já que elogias tanto uma coisa, investe lá o teu dinheiro.” Já que Ricardo Araújo Pereira elogia tanto a escola pública tal como ela está, por que – tanto quanto sei – sempre as fez as filhas frequentar escolas privadas? Talvez porque, como dizia um destacado militante de extrema-esquerda – infelizmente já falecido – numa situação similar, “a escola privada estava mais perto de casa”. É um clássico.