O Aquarius já foi. Agora temos o Lifeline: a bordo do navio que está nas proximidades de Malta e tem capacidade para 50 pessoas estão 230. As provisões esgotam-se nas próximas horas.
À espera de porto de destino está nas proximidades da Sicília o Alexander Maersk: a bordo estão 113 pessoas.
Sem nomes que as distingam umas das outras, dezenas de pateras trouxeram para Espanha nas últimas 24 horas, 769 pessoas.
… A lista está em permanente actualização. As palavras também. Ora lhe chamamos refugiados. Ora migrantes. Ora imigrantes. São na sua maioria pessoas transportadas por traficantes até à costa do norte de África. Aí novas mafias embarcam-nos com destino à Europa. Em seguida, navios das ONG e equipas de salvamento dos países europeus resgatam essas embarcações e trazem para solo europeu os seus ocupantes. (Sim, as mafias sabem que não precisam de se preocupar com o resto da viagem: alguém há-de recolher a carga de que se desembaraçaram.)
Sendo certo que do ponto de vista do acolhimento é muito diferente que sejam considerados refugiados ou imigrantes, essa destrinça é cada vez mais difícil. Seja como for, como portuguesa não me surpreende nem choca, antes pelo contrário, que se veja na emigração económica uma saída para a vida de cada um e das suas famílias. Aliás se deixarmos de lado as questões associadas aos traficantes, o problema não está na emigração nem nos emigrantes. Está sim naquilo que se espera deles. E aí chegamos a um dos momentos charneira nesta questão: quando na Europa o muro de Berlim foi deitado abaixo pelo povo, o sonho da sociedade sem classes foi substituído pela utopia do multiculturalismo. Consequentemente a imigração deixou de ser a circunstância de uns milhões de portugueses, turcos, espanhóis, gregos e italianos tão falhos de consciência política que em vez de combaterem o capitalismo migravam para os países onde ele mais se tinha desenvolvido, para se tornar na gesta de sudaneses, iraquianos, nigerianos, sírios, paquistaneses, senegaleses, marroquinos… a que há que acudir, resgatar, esclarecer sobre os seus direitos e, não menos importante, excepcionalizar nas suas diferenças culturais.
O problema não está portanto na imigração e nos imigrantes mas sim na mudança de táctica daqueles que no século XX sonharam levar a revolução via descolonização ao mundo e que agora se dedicam ao activismo nos subúrbios das suas cidades: para eles a imigração é a nova revolução. O ressentimento o combustível da luta já não de classes mas sim da luta das comunidades minoritárias contra o poder burguês, branco e masculino.
Assim os mesmos que se viram libertadores das opressões coloniais nos anos 60 e 70 e trauteavam versos como os da canção “Independência” de Sérgio Godinho “A África é dos africanos/ Já chega quinhentos anos/ Já chega quinhentos anos/ A África é dos africanos. /Quem diz que sim quem diz que não/ Quem diz que sim quem diz que não/ São os movimentos de libertação/ São os movimentos de libertação” se pudessem despovoavam agora essa mesma África e os demais continentes para através da imigração continuarem a renovar a matéria prima dos seus activismos e do seu enquistamento no Estado.
Como sempre acontece, determinam o que se pode ou não discutir e em que moldes. No caso da imigração oficialmente tudo se resume a uma luta entre o bem que obviamente defende uma política de abertura total de fronteiras e o mal que é anti-imigração. A não ser que a realidade o imponha não se fala do aumento da criminalidade nas zonas onde se instalaram grandes grupos de imigrantes/refugiados (no caso sueco os desmentidos governamentais das notícias e a publicação de novas notícias produz uma espécie de telenovela); escamoteiam-se os factos até que o óbvio se impõe: após anos a subestimar os ataques sexuais nos festivais de música – para não referir que os seus autores eram jovens migrantes –, a Suécia viu ser cancelado o maior festival do país; persegue-se quem denuncia a impunidade gozada por grupos de imigrantes como aconteceu em Inglaterra nos casos de abusos sexuais praticados em Telford e Rotherham. Não se investigam dados anómalos nestas vagas de imigração: por exemplo, porque vêm tantas crianças sós? Será verdade que dois terços dos migrantes que em Calais se apresentavam como crianças já eram na realidade adultos?
Esta perspectiva ideológica da imigração leva a que se subestimem factos incontornáveis: mais do que um imigrante ser legal ou ilegal o que conta para a opinião pública na apreciação que faz da sua presença é se ele respeita ou não as leis e os costumes do país para o qual migrou e se vai ou não sobreviver com ajudas estatais. Goste-se ou não, há que ter em conta que receber imigrantes/refugiados num país tolerante com estado social não é um elemento neutro nesta operação. Ou será que já esquecemos que os milhares de portugueses que no século passado migraram para a França ou Alemanha o fizeram muitas vezes de forma clandestina? Eles fugiram à polícia. Eles não tinham papéis. Mas há que acrescentar que a sua integração nesses países não foi feita através do estardalhaço de grupos de activistas mas sim do mercado de trabalho. E que não tendo abdicado da sua cultura respeitaram a dos países que os acolheram.
E aqui deparamos com o grande paradoxo desta questão: mal ou bem durante décadas os políticos das democracias propuseram-se resolver os problemas dos povos. Neste momento, os políticos entendem que os povos têm os problemas que eles políticos determinam que existem. Eles não governam. Animam miragens. O que sobra então? O segredo das urnas de voto. Oficialmente a miragem funciona até que um resultado eleitoral a desfaz. Mas em vez de se tentar perceber o que levou o povo a votar assim logo a esquerda da superioridade moral mais o jornalismo de causas partem para a retórica do populista que foi eleito, do anti-imigração que venceu, do racista que não sei quê… Pressurosa a direita que não é direita mas tão só não é de esquerda repete-lhe os argumentos. De caminho conta-se mais uma historieta sobre o Trump que ora está zangado com a Melania ora lhe dá a mão!!!
E assim se continua até às próximas eleições. Até ao novo populista…
PS, O que fazer quando um serviço público se degrada? Põe-se à discussão um a lei perfeita sobre a imensa perfeição que vai assegurada por esse serviço. Que obviamente seria ainda mais perfeito se pagássemos mais impostos. A anunciada discussão da lei de bases da saúde quando o SNS está à beira da ruptura é um bom exemplo dos serviços públicos em tempos de propaganda: não se discute a realidade, anuncia-se um futuro radioso e se necessário culpam-se os suspeitos do costume, os privados, pelo descalabro do SNS.