A invasão do Capitólio de Washington por apoiantes de Donald Trump foi uma verdadeira prenda para Vladimir Putin, pois, entre outras coisas, permite à propaganda russa desacreditar a democracia norte-americana, mas, ao mesmo tempo, constitui um pesadelo para o czar, que receia qualquer tipo de “revolução colorida” ou de “veludo”.
Por isso, o Kremlin preparou-se bem para a chegada de Alexey Navalny ao seu país, não obstante Putin não se cansar de frisar, com gestos e palavras, que um dos principais líderes da oposição extra-parlamentar não existe para ele, nem sequer tem nome e apelido.
No fim de 2020, o Parlamento russo aprovou e o Presidente assinou cerca de cem leis que dificultam ainda mais a já complicada situação da oposição. Será mais fácil para a “justiça russa”, multar, prender e condenar políticos, cientistas ou bloggers sob a acusação de “agentes estrangeiros” ou de “publicação de notícias falsas na Internet”. As forças policiais viram os seus poderes reforçados na luta contra os opositores do regime.
A tentativa de envenenamento de Navalny é um sinal claro de que o regime de Putin – (quando falo em regime de Putin não tenho só em vista o dirigente russo, mas também a corte que concentra cada vez mais poder nas suas mãos à medida que o czar envelhece e se refugia cada vez mais no “bunker”) – está disposto a tudo para não permitir surpresas em geral e nas eleições parlamentares, marcadas para finais de 2021, em particular.
Claro que será demasiado descaramento liquidar fisicamente o líder da oposição, mas a agenda da sua neutralização política já está bem preenchida.
Valentin Stepanko, primeiro Procurador-geral da Rússia, anunciou que Navalny poderá ser detido à chegada ao aeroporto de Moscovo. O Serviço Federal Penitenciário solicitou a “anulação de prisão com liberdade condicional… por não ter reparado uma ofensa ou ter cometido uma nova infracção”.
Navalny foi condenado a três anos e meio de prisão com liberdade condicional pelo desvio de 26 milhões de euros (cerca de 300 mil euros) de uma filial da empresa de cosmética francesa Yvez Rocher, que reconheceu não ter registado “qualquer prejuízo”. O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos considerou que Navalny e o seu irmão, condenado a prisão efectiva, foram privados do direito a um julgamento justo.
Porém, as autoridades prisionais consideram que o líder da oposição já está de boa saúde e que, por isso, já deveria ter-se apresentado, mas continua na Alemanha.
Alexey Navalny está a ser também alvo de acusações por parte de alguns oligarcas próximos de Putin. Por exemplo, Evgueni Prigojin, chefe da organização de mercenários “Wagner” e “cozinheiro” do Kremlin, exige nos tribunais pesadas indeminizações a Navalny por “difamação”.
O líder da oposição arrisca a sua liberdade, mas não tem outra alternativa se quiser continuar a ser uma peça importante na vida política russa. Quem conhece minimamente a História da Rússia sabe que, depois de emigrarem, os opositores são rapidamente esquecidos. Vejam-se os casos do xadrezista Gary Kasparov, do oligarca Mikhail Khodorkovski e de outros opositores ao regime de Putin.
Por outro lado, não deve ter sido por acaso que Navalny decidiu regressar a Moscovo três dias antes da tomada de posse de Joe Biden em Washington. Se ele for detido, isso poderá levar o novo Presidente dos Estados Unidos a aprovar novas sanções contra a Rússia e, por exemplo, recusar-se a prolongar o Tratado sobre Armas Estratégicas, cuja vigência termina a 5 de Fevereiro. Ou seja, poderá ser um forte obstáculo à normalização das relações russo-americanas.
Não é previsível que Navalny seja recebido no aeroporto da mesma forma que Lenine foi recebido apoteoticamente na Estação Ferroviária de São Petersburgo em 1917. A polícia, a pretexto da luta contra o COVID-19, não irá permitir ajuntamentos e muito menos recepções calorosas. Não se exclui a possibilidade de o avião ser desviado para outro aeroporto sob os mais vários pretextos. Além disso, Navalny não tem estruturas organizadas como os bolcheviques. E, como já escrevi acima, ele pode ir directamente para a prisão.
Seja como for, o seu regresso à Rússia significará o reinício da luta política real e verdadeira, e é isso que incomoda Putin e a sua corte. Afinal, David conseguiu derrotar Golias.
PS. A política do Governo português e do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa face à pandemia tem-se mostrado cada vez mais desastrosa. A trapalhada é cada vez maior e receio que as presidenciais e os seus resultados se transformem num autêntico pesadelo. A abstenção poderá fragilizar a legitimidade do futuro dirigente do nosso país. Será que isto não era previsível?