A minha avó Ester passou-me o conhecimento útil dos ditados populares. E a realidade é que o ditado “Quem te avisa teu amigo é…” se aplica bastante na mais recente crise do mundo digital, em particular o facto de ter assistido a alguns casos de empresas onde o conceito de Plano de Continuidade de Negócio se traduz simplesmente em Plano Tentativa de Negócio. A continuidade é apenas uma referência hipotética, por considerarem que o (seu) mundo pouco mudou ou que tudo o que de menos bom acontece se passa apenas nos noticiários das televisões.

A realidade é que não há empresas perfeitas, nem conseguimos controlar tudo, pois não dependemos só de nós, enquanto pessoas e empresas, na nossa atividade. É, por isso, que a gestão de empresas é como um jogo de xadrez, onde mais do que validar qual a peça que vamos movimentar no momento, importa desmultiplicar o conjunto de opções de possibilidades de jogadas futuras que ocorrerão a seguir. O que um bom jogador de xadrez faz inconscientemente, porque cria uma rotina natural, é planear continuamente o futuro e avaliar recorrentemente os riscos que tem pela frente.

Já ouvi de alguns gestores o seguinte: “se hoje acharmos que a Microsoft para, então não seremos os únicos, por isso recuperaremos como os outros.”! Ou seja, o brio pela sua atividade e o desejo de nivelar por níveis de serviço e exigência elevada não existem e deixam muito a desejar, para dizer de uma forma simpática. O conceito de serviço ao cliente e de resiliência de negócio a desafios, quando colocados em verdadeiro impacto, são deixados para trás nas prioridades, onde normalmente ganha a componente da poupança financeira.

A União Europeia tem procurado disseminar um conjunto de regras para procurar garantir uma equidade nas regras de jogo, com algumas regulações construtivas e orientadoras para garantir da resiliência das empresas, quer na sua base e dependência do digital (p.e. Diretiva NIS2 e Regulamento DORA), quer na sua vertente de mundo mais físico de negócio (p.e. Diretiva de Resolubilidade). Acima de tudo, e depois de crises financeiras, da pandemia da Covid e de algumas disrupções digitais, tem havido uma preocupação positiva para garantir que as empresas joguem num mesmo tabuleiro de jogo, mais que se vejam forçadas a analisar e responsabilizarem-se pelos riscos nas suas cadeias logísticas de abastecimento. Ou seja, não pode haver desculpas de que “a culpa não é minha”! Claro que é! Quem escolheu aquele parceiro? Quem escolheu aquele fornecedor?

Posto isto, importa que qualquer organização, independentemente da sua posição numa qualquer cadeia de abastecimento, repense ou, pelo menos, reveja, tal como acredito que a Microsoft vá fazer (ainda mais do que faz) , as suas dependências de terceiros e o que são efetivos Planos de Continuidade e Resiliência de Negócios. Saber estruturar, saber ter metodologia e, em situações de anormalidade disruptiva, garantir a resiliência necessária para assegurar um mínimo de eficácia das operações. Por exemplo, nesta falha do componente da Crowdstrike no sistema operativo Windows, houve companhias aéreas a demonstrarem inépcia total na minimização do incidente, deixando milhares de passageiros em terra (eu fui um deles) e com indemnizações brutais a realizar, enquanto houve outras que mesmo sem acesso a ambientes tecnológicos de suporte, tinham um Plano de Continuidade de Negócio bem visível com o simples regresso ao modelo de processo papel! Tem mal trabalhar neste modelo? Claro que não! Bem pelo contrário, permitiu diferenciar-se e garantir um serviço mínimo e eficaz prestado aos clientes.

Desta forma, esta é mais uma oportunidade para demonstrar a alguns decisores de que planeamento e estruturação de modelos e metodologias de continuidade de negócio são fundamentais para garantir a continuidade da própria empresa. Como diria a minha avó Ester: “Quem te avisa, teu amigo é…”.

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