O SNS encontra-se actualmente incapaz de cumprir a garantia constitucional da acessibilidade aos cuidados de saúde a largos estratos da população, principalmente devido a dificuldades de acesso que geram constantes listas de espera para consultas e cirurgias, bem como a um número significativo da população (cerca de 710.000 pessoas) sem médico de família atribuído, problemas nunca resolvidos pelo SNS desde a sua criação.
Estes problemas que têm vindo a agravar-se nos últimos anos – por ex., em 2015 existiam cerca de 197.000 pessoas em lista de espera para cirurgias e em 2017 cerca de 231.000 – deram origem a uma situação que, por si só, representa um “grito silencioso” de uma larga parte da população contra a incapacidade do SNS.
Num país em que há a garantia constitucional da prestação de cuidados de saúde (tendencialmente) gratuitos, existem cerca de 2,34 milhões de portugueses que possuem seguros privados de saúde .
De acordo com a Associação Portuguesa de Seguros, 1,43 milhões de portugueses possuem seguros de saúde privados pagos por empresas, o que é revelador de uma situação paradoxal, pois estas empresas aceitam suportar custos apesar dos seus trabalhadores terem o direito constitucional a cuidados de saúde (tendencialmente) gratuitos.
Mas existem ainda cerca de 0,91 milhões de portugueses que pagam do seu bolso os seus seguros de saúde (prémio médio por pessoa segura de 349 euros, 2017-2018) o que só pode ser explicado por não encontrarem no SNS a acessibilidade de que necessitam, em tempo útil, para resolverem os seus problemas de saúde.
Esta situação revela que o preceito constitucional não está a ser cumprido. Existe, já hoje, uma saúde para pobres e uma outra para quem pode pagar: os primeiros porque não têm recursos por forma a evitar os problemas do SNS e os segundos que pagam para ter alternativa.
Esta realidade gera uma situação de grande desigualdade e de discriminação em relação à população mais vulnerável e desfavorecida.
A agravar o que se acaba de referir, o SNS está ainda confrontado com realidades que lhe colocam, já hoje, sérios problemas e que se agravarão no futuro: o envelhecimento da população com o aumento da incidência das doenças crónicas (que representam actualmente cerca de 75% dos custos totais do SNS); a evolução da ciência e da tecnologia, levando a custos acrescidos, em especial, na imagiologia e nos medicamentos inovadores e o desequilíbrio entre o crescimento do PIB e o crescimento muito superior das despesas do SNS pondo em risco, a prazo, a sustentabilidade do sistema público de saúde.
Todos os factores identificados, alguns deles nunca resolvidos pelo SNS nos seus cerca de 40 anos de existência, como é o caso das listas de espera e a atribuição de médico de família a todos os portugueses, tornam necessária e premente uma reforma estrutural do SNS, assente numa nova orientação estratégica, com alteração das estruturas e de comportamentos, já que não se afigura avisado esperar resultados diferentes com o mesmo tipo de actuação e de procedimentos.
Esta nova estratégia deverá assentar em três pilares – público, privado e social – e em que o Estado continua a ser o elemento central e maioritário mas cuja função primeira é o cumprimento da Constituição, ou seja, garantir o acesso de todos os portugueses aos cuidados de saúde, de forma justa, equitativa e (tendencialmente) gratuita, o que pode ser feito pela sua acção ou pela acção das outras iniciativas – social e privada – contratualizadas pelo Estado.
Esta cooperação e articulação entre todas as iniciativas – pública, privada e social – permite a comparação entre elas, sempre a favor do utente, uma afectação de recursos mais eficiente, com custos mais baixos para o Estado e para o contribuinte, um aumento da acessibilidade da população sem perda de qualidade dos cuidados prestados e um poder acrescido de escolha por parte dos cidadãos.
A contratualização e o pagamento pelo Estado às outras iniciativas, em função dos resultados obtidos para a população (exigência, por ex. da inexistência de listas de espera) pressupõe a transparência para os portugueses do desempenho das unidades geridas por todas as iniciativas –pública, privada e social – através da divulgação pública, regular e sistemática de indicadores de desempenho e de satisfação do serviço prestado.
Nesta nova visão do SNS a população não perde quaisquer direitos (muito pelo contrário é beneficiada como atrás se refere) pois o Estado continua a garantir o seu direito de acesso tendencialmente gratuito aos cuidados de saúde, como hoje, sendo indiferente para os utentes se a unidade de saúde a que recorrem é gerida pela iniciativa, pública, privada ou social.
A discussão sobre o SNS tem sido centrada erradamente em saber se deverá ser público ou privado: o fundamental é que o sistema de saúde sirva a população e o país e não se é público ou privado.
Ministro da Saúde dos XV e XVI Governos Constitucionais