Um estudo recente coordenado pela Sociedade Portuguesa de Cardiologia (estudo Porthos) revelou que existem, em Portugal, cerca de 700 mil pessoas com mais de 50 anos (aproximadamente 7% da população) com insuficiência cardíaca, sendo que a grande maioria (cerca de 90%) desconhece que possui esta doença crónica. Este quadro traduz um problema grave e crescente de saúde pública no país.

A incidência da insuficiência cardíaca aumenta em larga escala com a idade, com cerca de 80% dos casos concentrados nas pessoas das faixas etárias mais elevadas, a partir dos 65 anos. Portugal tem estado num processo rápido de envelhecimento e é já o quinto país mais envelhecido do mundo, pelo que se espera que o impacto desta doença seja cada vez mais grave.

É esperado que o envelhecimento torne a insuficiência cardíaca como uma das principais doenças crónicas em Portugal, senão a principal, previsivelmente já até ao final desta década.

É uma doença mal compreendida pela população, tardiamente diagnosticada, causa de hospitalizações frequentes (é a principal causa de internamento a partir dos 65 anos) e com uma mortalidade elevada, muitas vezes superior à dos cancros mais comuns.

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Dado este quadro, é essencial que se desenvolva, a nível nacional, uma estratégia para combater a insuficiência cardíaca que integre todos os aspectos fundamentais: prevenção, tratamento e articulação entre cuidados primários (centros de saúde) e cuidados hospitalares.

A prevenção é um elemento crítico no combate à insuficiência cardíaca. Para tal, é essencial que a população esteja informada quanto à gravidade e riscos da doença, sendo fundamental a implementação de uma campanha nacional de informação e de sensibilização generalizada sobre a insuficiência cardíaca, a desenvolver pelas autoridades de Saúde no âmbito do Serviço Nacional de Saúde (SNS).

É, pois, essencial que a população esteja sensibilizada sobre a importância de identificar precocemente os sintomas da insuficiência cardíaca, que consiga ter acesso a um diagnóstico preciso e, posteriormente, ao tratamento adequado. E, por ser uma doença crónica,  à  monitorização regular da doença.

A Associação de Apoio aos Doentes com Insuficiência Cardíaca (AADIC) tem procurado contribuir  para os esforços de prevenção da doença e tem desempenhado um papel relevante no que respeita à divulgação de informação sobre a mesma e à grande importância do seu diagnóstico precoce.

No início de 2023, a AADIC, com o apoio pro bono de várias entidades, individuais e empresariais, lançou uma campanha, a nível nacional, com o mote “Olhe pelo Coração, Vigie os Sinais de Insuficiência Cardíaca”, que foi divulgada nos vários meios de comunicação social.

No contexto do combate à doença e no que respeita à prevenção, para além da importância fundamental da divulgação da informação e de sensibilização das pessoas, existe também um elemento relevante: a difusão da literacia em saúde junto da população.

Se tivéssemos uma actuação mais alargada, mais sistemática, capaz de esclarecer a população sobre os riscos que corre ao adoptar determinados comportamentos, podíamos obter uma melhor situação quanto à prevenção das doenças, como a insuficiência cardíaca, e minorar os problemas do SNS.

É evidente a disparidade que tem existido ao nível das políticas públicas, entre os recursos canalizados para a prevenção e para o tratamento e cura das doenças. O orçamento do SNS, para 2024, aproxima-se dos 15 mil milhões de euros e apenas uma pequeníssima fracção deste montante (não mais do que 2%) é destinado aos esforços de prevenção. É a clássica dificuldade da aplicação de recursos entre a “medicina preventiva” e a “medicina curativa”.

Existem várias razões que explicam esta disparidade, entre elas: por um lado a secundarização das políticas públicas de prevenção pelos decisores políticos, por outro, quando se actua na “medicina curativa” (para além da sua imperiosa necessidade), os resultados são visíveis, salvam-se vidas, enquanto na “medicina preventiva” há apenas um conhecimento intelectual, “à posteriori”, de que houve uma redução da taxa de incidência de determinadas patologias, algo que é gratificante e extremamente importante, mas que não tem a mesma visibilidade.

O conhecimento está na base da prevenção e, por isso, defendo desde há muito o papel decisivo da literacia em saúde que deve começar nos bancos da escola e ser generalizada a todas as faixas etárias, sublinhando a mensagem junto da população de que “nós somos os gestores da nossa própria saúde” e da relevância da responsabilidade individual na preservação da mesma.

Com efeito, a literacia em saúde pode influenciar decisivamente a forma como conduzimos a nossa vida do ponto de vista da saúde: como adoptamos e controlamos os nossos estilos de vida quanto a aspectos essenciais, como a prática de uma alimentação saudável e do exercício físico regular, combatendo o excesso de peso e a obesidade e evitando comportamentos viciantes, como o tabaco e o excesso de álcool. Tudo isto tem efeitos benéficos comprovados.

A  primeira barreira na prevenção e combate à insuficiência cardíaca é o desconhecimento da doença. Esta é  mal compreendida pela população ao contrário do que sucede com outras doenças crónicas, como a diabetes. Os primeiros sintomas também não ajudam ao seu conhecimento, como o cansaço, o inchaço nas pernas, a falta de ar… Estes são aspectos específicos que as pessoas associam ao processo de envelhecimento e que acabam por desvalorizar.

O subdiagnóstico ou a incapacidade do diagnóstico precoce é outra das barreiras a superar. Muitas vezes, só em episódios de urgência hospitalar é que as pessoas têm acesso ao diagnóstico.

É decisiva uma acção eficiente e concertada para evitar que as pessoas sejam diagnosticadas, principalmente, em episódios de urgência nos hospitais e que passem também a receber o diagnóstico nos centros de saúde por especialistas em medicina geral e familiar, que devem dispor de ferramentas necessárias para o efeito.

Em particular, a este respeito, há que referir uma outra significativa barreira relacionada com o facto de a análise específica para detecção da insuficiência cardíaca – a denominada NTproBNP –  ainda não ser comparticipada pelo SNS, o que é de difícil compreensão face à gravidade da doença e do seu impacto, actual e futuro, na sociedade portuguesa. A AADIC tem repetidamente colocado esta questão às autoridades de saúde, aguardando-se que este obstáculo seja superado a curto prazo.

A superação destas barreiras permitirá identificar, de modo precoce, as pessoas com insuficiência cardíaca, em estados iniciais, para que depois se inicie o tratamento e haja a interligação dos cuidados primários com os cuidados hospitalares. No tratamento da doença, assume também uma especial relevância a disponibilidade de medicamentos específicos para a insuficiência cardíaca e o papel da  inovação tecnológica neste campo com a necessidade da aprovação rápida da introdução de novos fármacos no mercado.

Se detectada a tempo, as pessoas podem viver com insuficiência cardíaca de forma controlada e com qualidade de vida. Daí a importância do seu diagnóstico precoce. Quanto mais cedo acontecer, maior será o impacto positivo nas pessoas, nas suas famílias e no próprio SNS, ao permitir uma redução dos episódios de internamento e da mortalidade que estão associados à doença.

A mensagem é clara.: a insuficiência cardíaca vai ter um papel cada vez mais generalizado e expressivo na sociedade portuguesa. O país deve  dispor de uma estratégia global de prevenção e combate à doença, que integre todos os vectores que foram referidos. Desde a divulgação de informação para o conhecimento da doença e o aumento da literacia, passando pelo acesso aos exames (análises) para o diagnóstico precoce e aos meios necessários para o tratamento da insuficiência cardíaca, até à integração dos cuidados primários e hospitalares.

Luís Filipe Pereira é economista e gestor, ex-Ministro da Saúde e ex-presidente do Conselho Económico e Social. É atualmente presidente da Associação de Apoio aos Doentes com Insuficiência Cardíaca (AADIC).

Arterial é uma secção do Observador dedicada exclusivamente a temas relacionados com doenças cérebro-cardiovasculares. Resulta de uma parceria com a Novartis e tem a colaboração da Associação de Apoio aos Doentes com Insuficiência Cardíaca, da Fundação Portuguesa de Cardiologia, da Portugal AVC, da Sociedade Portuguesa do Acidente Vascular Cerebral, da Sociedade Portuguesa de Aterosclerose e da Sociedade Portuguesa de Cardiologia. É um conteúdo editorial completamente independente.

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